São Paulo, segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

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ANÁLISE

Anomia parece ter invadido os agentes escolares no país

EMILIO TENTI FANFANI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Muitos argentinos estão convencidos de que "tudo era melhor no passado". Isso se aplica particularmente quando são questionados sobre a qualidade de sua educação. E certos dados parecem lhes dar razão.
A Argentina teve a sorte de ver seu sistema de escolarização de massa se desenvolvendo cedo. Em 1980, metade dos argentinos dos 15 aos 19 anos chegava ao ensino médio, enquanto no Brasil essa porcentagem mal superava os 10%. Trinta anos atrás, a duração média da escolarização de um argentino era de 6,2 anos, enquanto no Brasil ela era de 3,4 anos.
Já em 1990, a vantagem educativa da Argentina se expressava pelo seguinte número: o analfabetismo era inferior a 5% na população com idade superior a 15 anos, enquanto a porcentagem chegava a 20% no Brasil.
Hoje, as diferenças de escolarização já não são significativas. E os dados de rendimento escolar que resultaram do último Pisa demonstram que o Brasil leva vantagem sobre a Argentina.
Mesmo desconsiderada a questão da pertinência política e técnica de rankings nacionais, que devem ser revisados criticamente, em matéria de indicadores de qualidade a Argentina já não desfruta de posição privilegiada. Como explicar a "decadência argentina"? Em primeiro lugar, é preciso dizer que aquilo que um dia foi vantagem (a escolarização de massa iniciada com antecedência) se tornou hoje uma espécie de armadilha.
Os velhos dispositivos (institucionais, pedagógicos etc.) que "davam resultado" em uma etapa de "escolarização limitada" agora se tornaram obstáculo. Porque o sistema escolar argentino está em uma espécie de "jaula de ferro", inová-lo é difícil.
Na Argentina, ao longo das últimas décadas, a tendência foi a de "fazer mais com menos", ou seja, a escolarização foi massificada, mas com menores recursos.
A variável de ajuste vem sendo o salário dos professores. A piora da condição dos docentes (que tendeu a se reverter nos últimos anos) também resulta de uma política errada de formação. Com 40 milhões de habitantes, o país tem mais de 1.100 instituições de formação de professores, quantidade exagerada sob qualquer critério.
Por outro lado, fenômenos como a escolarização com exclusão social, as mudanças na estrutura e dinâmica da família tiveram efeitos negativos sobre o moral dos docentes. E, de sua parte, as transformações culturais das novas gerações debilitam a disposição desses estudantes para o esforço. Os índices elevados (se bem que não quantificados) de absenteísmo de professores (e também de alunos) constituem indicadores dessa espécie de "anomia generalizada" que parece ter invadido os agentes escolares.


EMILIO TENTI FANFANI é pesquisador principal do Conicet e professor titular da Universidade de Buenos Aires.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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