Índice geral Saúde
Saúde
Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Minha História / Ernesto Oviedo

Fôlego novo

Argentino, pai de duas meninas com doença pulmonar, conseguiu na Justiça o direito de doar pulmão a uma delas

Marcos Nagelstein/Folhapress
Ernesto Oviedo com sua filha Maribel
Ernesto Oviedo com sua filha Maribel

(...)Depoimento a

FELIPE BÄCHTOLD
DE PORTO ALEGRE

RESUMO Em janeiro, a argentina Maribel Oviedo, 19, recebeu parte dos pulmões do pai, Ernesto, e da mãe, Mariana, na Santa Casa de Porto Alegre. Ela e a irmã gêmea Marisol têm fibrose cística, doença que provoca acúmulo de muco nos pulmões e mata a maioria dos pacientes até a adolescência. A doação entre pessoas vivas é proibida na Argentina, e a família teve de lutar na Justiça para fazer a operação no Brasil.

-

Muita gente diz, em sentido figurado, que daria a vida por um filho. Para nós, foi como uma cesárea, como se Maribel nascesse de novo. Sinto orgulho não por ter feito o que fiz, mas por ter uma filha que suportou tanto.

Somos a primeira família no mundo a ter quatro filhos com fibrose cística. Perdi uma menina antes e depois o Omarcito, há três anos. Se a lei argentina fosse diferente, ele estaria vivo. Proibiam doadores vivos por medo de tráfico de órgãos.

Maribel e Marisol entraram na fila de transplantes com doador cadáver do sistema público da Argentina em maio de 2010.

Até os 15 anos, viveram bem, jogavam até futebol. Mas Maribel, há um ano, pesava 27 kg. O pulmão esquerdo quase não funcionava. Um médico nosso tinha feito especialização no Brasil com transplantes e falou sobre a cirurgia com doador vivo.

LOUCO

Quando questionei as autoridades, disseram que eu era louco. Afirmaram que a operação iria diminuir fisicamente duas pessoas sadias. Mas as estatísticas dizem que o doador perde de 15% a 18% da capacidade dos pulmões, ou seja, pode viver bem.

Começamos uma luta para mudar a lei. Enchemos a presidente de cartas e ela nos recebeu na inauguração de um hospital. Eu queria comover as pessoas.

Em outubro, em uma convenção, apresentamos um transplantado brasileiro em Córdoba. Foi o primeiro menino a receber pulmões dos pais, 13 anos atrás, e leva uma vida normal. Eu pensava: se ele está vivo há 13 anos, por que minha filha não pode viver mais cem?

No fim de 2011, a Justiça obrigou o Estado nacional, a Província de Córdoba e o plano de saúde de funcionários públicos a pagar um transplante de pulmão com doador vivo para Marisol no Brasil. Ela foi escolhida pelos médicos por estar em melhores condições do que Maribel.

Minha irmã e meu sobrinho viajaram a Porto Alegre para doar, mas não eram compatíveis com ela. O médico disse para continuarmos buscando doadores.

Eles não aconselham que sejam os pais. Dizem que, se algo sai mal no transplante, podem ficar todos internados. Mas começamos a fazer exames e em uma semana saíram os resultados. Éramos compatíveis com Maribel. Quando o médico perguntou a data que eu queria para o transplante, eu disse: já! Era segunda-feira, 16 de janeiro. Na terça, elas fizeram aniversário. Na quarta, a cirurgia.

É uma operação complicada. Primeiro, foi minha mulher. Tiraram o pulmão de Maribel e colocaram os lóbulos doados. Duas horas depois, foi a minha vez. A cirurgia durou o dia inteiro. Para mim, está dolorido até agora.

Quanto a Maribel, os médicos dizem que a recuperação está espetacular.

Agora ela vai caminhando até o hospital, subindo ladeira. Antes, não podia sair sem uma mochila de oxigênio. Você não tem ideia da vontade de viver dessa criatura.

Marisol decidiu que não quer um doador vivo. Viu a irmã entubada e nós com mangueiras por todo lado e diz que não deseja isso.

Em 30 de janeiro, foi assinada a mudança na lei, autorizando transplante de doador vivo na Argentina.

Mudaram justo agora que estou aqui [no Brasil]. Você não imagina o que isso representa. Na Argentina, são 2.300 crianças com fibrose cística, 30% na fila de doação. Ajudamos não só minha filha, mas muitas pessoas.

Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.