São Paulo, domingo, 01 de março de 2009

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Dois cânceres na gravidez

Márcia da Silva Barros, 39, fez mastectomia radical no 3º mês de gestação e retirou os dois ovários depois do parto

Marisa Cauduro/Folha Imagem
Márcia da Silva, 39, enfrentou ciclos de quimioterapia antes de ter o filho Waldemir

FERNANDA BASSETTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Waldemir da Silva Barros nasceu de cesariana no Hospital das Clínicas de São Paulo em janeiro de 2008, pesando 2,5 kg e medindo 46 centímetros. Tem a saúde perfeita. Sete meses antes, sua mãe descobrira, aos 37 anos, que estava com câncer de mama.
O tumor de quase dez centímetros se desenvolveu atrás do mamilo direito da professora Márcia da Silva Barros e não tinha sido diagnosticado na mamografia feita um ano antes, durante exames de rotina. A desconfiança de Márcia surgiu porque o bico do peito estava invertido -um dos sinais de que alguma coisa estava errada.
"Eu estranhei o fato de o bico do meu seio estar invertido, pois ele sempre foi normal. Procurei um médico do convênio, e ele disse que não era nada, mas fiquei com aquilo na cabeça. Fui a outra médica, que me pediu que fizesse exames específicos no Hospital das Clínicas. E foi lá que eu recebi o diagnóstico de câncer", diz.
Antes mesmo de realizar a biópsia da mama, o ginecologista e obstetra Waldemir Rezende, especialista em oncologia, suspeitou que o mamilo invertido sinalizava um tumor. Uma semana depois, os resultados comprovaram a suspeita. "Eu estava com câncer. Fiquei atordoada com a notícia. A primeira coisa que passou em minha cabeça foi que eu teria que abortar, pois pensei que não seria possível levar a gravidez adiante", lembra a professora, que tem outro filho, de 13 anos.
Mas não foi isso que aconteceu. Rezende incentivou Márcia a seguir com a gravidez e com a quimioterapia. De acordo com ele, a químio é contraindicada apenas nos três primeiros meses de gestação, enquanto o feto ainda não tem todos os órgãos formados.
"Após esse período, o bebê fica mais resistente, especialmente porque o produto quimioterápico é retido pela placenta e não atinge o feto. Prova disso é que a Márcia perdeu os cabelos com o tratamento e o bebê nasceu supercabeludinho", diz Rezende.
Para se preservar, Márcia decidiu não contar a notícia do câncer para ninguém além de sua família -nem mesmo para as melhores amigas.
"Ainda existe muito preconceito em relação ao câncer, especialmente no caso da mama. Não queria que as pessoas me olhassem e falassem: "nossa, coitada, está grávida e com câncer'", diz a professora.

Mastectomia
Por causa da agressividade do tumor, Márcia teve que fazer mastectomia radical na mama direita quando estava com 13 semanas de gestação. "O câncer era agressivo e os hormônios da gravidez poderiam espalhá-lo para outros órgãos", explica Rezende.
A reconstrução da mama não foi feita imediatamente porque traria riscos para o bebê. "Após a cirurgia, fiquei assustada quando me vi no espelho sem um peito. Chorei muito, mas recebi muito apoio do meu marido e da minha família."
Quando a gravidez completou 16 semanas, Márcia recebeu o primeiro dos quatro ciclos de quimioterapia que ela enfrentaria antes de o bebê nascer. Quinze dias depois, os fios de cabelo (que chegavam à cintura) começaram a cair.
"A sensação de passar a mão no cabelo e perceber que ele caía em mechas era horrível. Sou muito vaidosa, não conseguia me imaginar careca. Providenciei uma peruca de cabelos naturais e eu mesma raspei o meu cabelo bem curtinho", diz.

Retirada dos ovários
Mesmo com a quimioterapia, a gravidez transcorreu normalmente, mas Rezende suspeitava que o tumor poderia ter provocado metástase nos ovários -já que o câncer era alimentado por estrógeno (hormônio produzido pelos ovários). A determinação médica, então, foi a de retirar preventivamente os dois ovários após o parto.
"Foi outro choque para mim, mas acatei a decisão do médico. No início, fiquei pensando como eu poderia ser uma mulher completa se eu não tinha um peito, estava careca e ficaria sem os ovários", conta.
O parto aconteceu com 37 semanas de gestação, e o bebê nasceu saudável. Uma biópsia comprovou que já havia metástase nos ovários e que o câncer não havia se espalhado por conta da quimioterapia.
Depois do nascimento do bebê, Márcia teve que tomar remédio para interromper a lactação -ela não poderia amamentar o filho porque ainda teria que receber mais quatro ciclos de quimioterapia e 28 ciclos de radioterapia. Por isso, Waldemir foi alimentado com um leite em pó especial durante cerca de oito meses.
Depois de brigar para levar a gravidez adiante, o fato de não poder amamentar o filho não deixou Márcia triste. "O que eu queria era ficar bem de saúde para poder cuidar dos meus dois filhos. E essa guerra eu venci", diz, sorridente.
Márcia voltou a trabalhar e leva uma vida normal -mas terá que incluir na rotina os exames periódicos nos cinco anos posteriores ao câncer.
E, para quem ainda não tinha feito a ligação, ela ressalta que o filho recebeu o nome Waldermir em homenagem ao médico. "Ele [o médico, Waldemir Rezende] foi mais que um médico. Foi amigo, anjo, psicólogo."


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