São Paulo, quarta-feira, 03 de fevereiro de 2010

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"Lancet" se retrata por artigo que ligava vacina a autismo

Publicação deflagrou paranoia mundial contra imunização de crianças

HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O periódico médico "The Lancet" decidiu ontem se retratar da publicação do artigo que, 12 anos atrás, ligou a vacina tríplice viral (sarampo, rubéola e caxumba) a casos de autismo, deflagrando uma onda mundial de paranoia contra a imunização de crianças.
Em breve nota, o periódico, um dos mais influentes do mundo, diz que, após julgamento pelo Conselho Médico britânico, cujo veredicto saiu no dia 28, ficou claro que o artigo do gastroenterologista Andrew Wakefield e outros continha erros e que, por isso, suprimia-o de seus registros.
A retratação é extemporânea. O texto de Wakefield, que gerou um volume inédito (e desnecessário) de pesquisas com o objetivo de provar a segurança das vacinas, já havia há muito caído em descrédito.
Não obstante, em especial no Reino Unido e nos EUA, surgiram grupos antivacinação que sustentam que a imunização causa autismo. Cada vez que sua hipótese para explicar tal efeito é derrubada, eles rapidamente encontram outra.
No artigo, em que descreveu o caso de oito pacientes, Wakefield dizia que a vacina provocava uma infecção intestinal que facilitava a entrada de proteínas encefalotóxicas na corrente sanguínea. No cérebro, elas desencadeariam autismo.
Vários estudos destruíram o trabalho com argumentos metodológicos e epidemiológicos. Wakefield também é criticado por não ter revelado que era dono da patente de uma vacina rival. No ano passado, J. Gerber e P. Offit publicaram uma boa revisão do caso no "Clinical Infectious Diseases".
Surgiu então a teoria do mertiolate, lançada por uma consultora de marketing e uma enfermeira. Seus adeptos sustentam que o mercúrio presente no mertiolate que era usado como conservante em algumas vacinas causava o autismo.
Depois de quatro anos de trabalho e oito relatórios em que se avaliaram mais de 200 estudos, um comitê especial convocado pela vigilância epidemiológica dos EUA concluiu que a teoria do mertiolate não se sustentava sob nenhum aspecto.
Veio, então, a teoria de que múltiplas vacinações enfraquecem o sistema imune, facilitando o surgimento do autismo.
No Brasil, felizmente, a moda antivacinas não pegou. Mas os EUA e o Reino Unido tentam até hoje recuperar-se dos estragos provocados pelo artigo de Wakefield e a histeria que se seguiu. As taxas de vacinação caíram e casos de sarampo voltaram a subir. A rubéola e a caxumba também reapareceram.
A prevalência do autismo, evidentemente, não caiu.


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