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Brasileiro não sabe que tem deficiência auditiva
Análise de estudos mostra diferença entre surdez referida e a vista em exames
Quando a surdez atinge apenas um ouvido, é mais difícil perceber porque o outro lado costuma compensar o problema
FLÁVIA MANTOVANI
EDITORA-ASSISTENTE DO EQUILÍBRIO
RACHEL BOTELHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Duas novas pesquisas sugerem que muitos brasileiros não
sabem que têm deficiência auditiva. Uma delas, feita com
5.250 pessoas no Estado de São
Paulo, mostrou que 5% dizem
ter o problema -em um ou nos
dois ouvidos. Foram ouvidos
moradores das cidades de Itapecerica da Serra, Embu, Taboão da Serra, Campinas e Botucatu e da Administração Regional do Butantã (na capital).
A pesquisa foi feita por questionários -não foram realizados exames clínicos para confirmar os resultados.
No caso do outro estudo, que
incluiu a realização de exames
auditivos em 1.050 pessoas em
Juiz de Fora (MG), dados preliminares de 598 entrevistados
mostram que 10,6% têm, de fato, algum grau de surdez nos
dois ouvidos. Se for considerada a surdez também em um só
ouvido, o índice sobe para 30%.
Apesar de os dados da segunda pesquisa ainda não estarem
totalmente tabulados, a autora,
a otorrinolaringologista Letícia
Baraky, acredita que não devem se alterar muito. O trabalho foi feito pela UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora)
e pela USP (Universidade de
São Paulo) e será replicado com
a mesma metodologia em outras cidades.
O estudo de São Paulo foi publicado na revista "Cadernos de
Saúde Pública" e feito por pesquisadores da Unesp (Universidade Estadual Paulista), da
USP e da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas),
em conjunto com a Secretaria
de Estado da Saúde.
Segundo Baraky, é comum as
pessoas não saberem que têm
deficiência auditiva. O estigma
em relação à surdez pode atrapalhar o diagnóstico. "As pessoas têm medo de ir ao médico
e descobrir que estão perdendo
a audição ou que precisam usar
um aparelho auditivo."
Se a surdez for em só um ouvido, é mais difícil perceber o
problema, pois o outro acaba
compensando a falha. Mas novas pesquisas apontam problemas nessa compensação.
"Quando a pessoa tem a audição unilateral, o lado do cérebro que não é estimulado se desenvolve menos", diz Baraky.
A surdez também pode ser
confundida com outras condições. Um homem de 92 anos
entrevistado pelo estudo de
Juiz de Fora, por exemplo, tomava remédios para depressão
quando na verdade se isolava
por não escutar bem.
Não diagnosticada a tempo, a
deficiência auditiva traz problemas para crianças, que podem ter prejuízo no desenvolvimento da fala ou na escola.
Daí a importância do teste
orelhinha, que detecta a deficiência auditiva em bebês e é
obrigatório só em algumas cidades brasileiras. "O teste do
pezinho é mais consolidado,
sendo que a surdez é muito
mais comum do que doenças
como a anemia falciforme, detectada pelo teste do pezinho",
afirma Baraky.
No Brasil, o diagnóstico de
surdez é feito, em média, aos
cinco anos de idade. Nos EUA,
por exemplo, é aos seis meses.
O estudo de Juiz de Fora
constatou que a surdez é mais
comum nos homens -provavelmente por ficarem mais expostos ao excesso de ruído no
trabalho em fábricas. Também
foi mais frequente em pessoas
com hipertensão, diabetes e deficiência visual. A associação
nesses casos pode ocorrer devido à idade avançada, mas há estudos que mostram que o diabetes pode lesar células que
captam o som.
Transtorno mental
No estudo do Estado de São
Paulo, a deficiência auditiva foi
mais acentuada nas faixas etárias acima de 59 anos (18,7%),
entre pessoas que referiram
doenças nos 15 dias anteriores
(8,4%) e com transtorno mental comum (8,85%).
Segundo Mariana Sodário
Cruz, professora da Faculdade
de Medicina de Botucatu da
Unesp e uma das autoras do estudo, a associação entre dificuldade auditiva e transtorno
mental comum -definido por
ela como "sentimento de tristeza"- é inédita. Não é possível
aferir, porém, se a deficiência
auditiva é um gatilho para esse
transtorno ou o contrário.
Entre as causas atribuídas
pelos entrevistados à deficiência auditiva, as mais comuns foram doenças (20%), idade
avançada (13%), acidente de
trabalho (9%) e causas congênitas (6%).
Para Luciano Neves, otorrinolaringologista da Universidade Federal de São Paulo, a
pesquisa não surpreende, mas
é importante porque chama a
atenção para a ocorrência do
problema sob o ponto de vista
do paciente. "O trabalho trata
de uma parcela da população,
mas pode servir de espelho para o resto do Brasil."
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