São Paulo, sábado, 04 de julho de 2009

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Brasileiro não sabe que tem deficiência auditiva

Análise de estudos mostra diferença entre surdez referida e a vista em exames

Quando a surdez atinge apenas um ouvido, é mais difícil perceber porque o outro lado costuma compensar o problema

FLÁVIA MANTOVANI
EDITORA-ASSISTENTE DO EQUILÍBRIO
RACHEL BOTELHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Duas novas pesquisas sugerem que muitos brasileiros não sabem que têm deficiência auditiva. Uma delas, feita com 5.250 pessoas no Estado de São Paulo, mostrou que 5% dizem ter o problema -em um ou nos dois ouvidos. Foram ouvidos moradores das cidades de Itapecerica da Serra, Embu, Taboão da Serra, Campinas e Botucatu e da Administração Regional do Butantã (na capital).
A pesquisa foi feita por questionários -não foram realizados exames clínicos para confirmar os resultados.
No caso do outro estudo, que incluiu a realização de exames auditivos em 1.050 pessoas em Juiz de Fora (MG), dados preliminares de 598 entrevistados mostram que 10,6% têm, de fato, algum grau de surdez nos dois ouvidos. Se for considerada a surdez também em um só ouvido, o índice sobe para 30%.
Apesar de os dados da segunda pesquisa ainda não estarem totalmente tabulados, a autora, a otorrinolaringologista Letícia Baraky, acredita que não devem se alterar muito. O trabalho foi feito pela UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) e pela USP (Universidade de São Paulo) e será replicado com a mesma metodologia em outras cidades.
O estudo de São Paulo foi publicado na revista "Cadernos de Saúde Pública" e feito por pesquisadores da Unesp (Universidade Estadual Paulista), da USP e da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), em conjunto com a Secretaria de Estado da Saúde.
Segundo Baraky, é comum as pessoas não saberem que têm deficiência auditiva. O estigma em relação à surdez pode atrapalhar o diagnóstico. "As pessoas têm medo de ir ao médico e descobrir que estão perdendo a audição ou que precisam usar um aparelho auditivo."
Se a surdez for em só um ouvido, é mais difícil perceber o problema, pois o outro acaba compensando a falha. Mas novas pesquisas apontam problemas nessa compensação. "Quando a pessoa tem a audição unilateral, o lado do cérebro que não é estimulado se desenvolve menos", diz Baraky.
A surdez também pode ser confundida com outras condições. Um homem de 92 anos entrevistado pelo estudo de Juiz de Fora, por exemplo, tomava remédios para depressão quando na verdade se isolava por não escutar bem.
Não diagnosticada a tempo, a deficiência auditiva traz problemas para crianças, que podem ter prejuízo no desenvolvimento da fala ou na escola.
Daí a importância do teste orelhinha, que detecta a deficiência auditiva em bebês e é obrigatório só em algumas cidades brasileiras. "O teste do pezinho é mais consolidado, sendo que a surdez é muito mais comum do que doenças como a anemia falciforme, detectada pelo teste do pezinho", afirma Baraky.
No Brasil, o diagnóstico de surdez é feito, em média, aos cinco anos de idade. Nos EUA, por exemplo, é aos seis meses.
O estudo de Juiz de Fora constatou que a surdez é mais comum nos homens -provavelmente por ficarem mais expostos ao excesso de ruído no trabalho em fábricas. Também foi mais frequente em pessoas com hipertensão, diabetes e deficiência visual. A associação nesses casos pode ocorrer devido à idade avançada, mas há estudos que mostram que o diabetes pode lesar células que captam o som.

Transtorno mental
No estudo do Estado de São Paulo, a deficiência auditiva foi mais acentuada nas faixas etárias acima de 59 anos (18,7%), entre pessoas que referiram doenças nos 15 dias anteriores (8,4%) e com transtorno mental comum (8,85%).
Segundo Mariana Sodário Cruz, professora da Faculdade de Medicina de Botucatu da Unesp e uma das autoras do estudo, a associação entre dificuldade auditiva e transtorno mental comum -definido por ela como "sentimento de tristeza"- é inédita. Não é possível aferir, porém, se a deficiência auditiva é um gatilho para esse transtorno ou o contrário.
Entre as causas atribuídas pelos entrevistados à deficiência auditiva, as mais comuns foram doenças (20%), idade avançada (13%), acidente de trabalho (9%) e causas congênitas (6%).
Para Luciano Neves, otorrinolaringologista da Universidade Federal de São Paulo, a pesquisa não surpreende, mas é importante porque chama a atenção para a ocorrência do problema sob o ponto de vista do paciente. "O trabalho trata de uma parcela da população, mas pode servir de espelho para o resto do Brasil."


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