São Paulo, domingo, 05 de julho de 2009 |
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Vítima de um erro histórico Cláudia Maximino, 47, nasceu sem as pernas e sem um braço após sua mãe tomar talidomida; administradora, ela fundou uma associação para lutar pelos direitos dos afetados pelo remédio
CLÁUDIA COLLUCCI DA REPORTAGEM LOCAL Aos sete anos, Cláudia foi pega fumando escondida no banheiro. Aos 11, deu seu primeiro beijo. Aos 22, entrou para a faculdade de administração de empresas, emendando uma pós-graduação em recursos humanos. Aos 27, conseguiu seu primeiro emprego e, um ano depois, foi morar sozinha. Até aqui, a vida de Cláudia Marques Maximino, 47, de São Paulo, assemelha-se à de muitos jovens. A diferença é que ela nasceu sem duas pernas e um braço -o outro braço é defeituoso. Cláudia é vítima de um dos mais graves acidentes da história da medicina, a síndrome da talidomida fetal. Em 1962, ano em que administradora nasceu, o remédio talidomida era vendido em 146 países, inclusive no Brasil, e já havia causado mais de 10 mil casos de defeitos congênitos. Sem saber que a droga era altamente teratogênica, a mãe de Cláudia a havia usado para aliviar os enjoos matinais da gravidez da segunda filha. Aos oito meses, a menina teve os dois pés amputados (eles nasceram grudados nas coxas), para a colocação das primeiras próteses (pernas mecânicas). Dos dois aos 12 anos, após a separação dos pais, morou no centro de reabilitação da AACD, que, na época, funcionava como internato. "Minha mãe tinha que trabalhar para bancar a minha reabilitação. Foi na AACD que aprendi a cair e a levantar, a colocar roupas, a comer. Mas me sentia muito sozinha, no meio de crianças com deficiências horríveis. Chorava muito. Ficava olhando os carros passarem na [avenida] 23 de maio e procurava o carro do meu pai. Achava que, a qualquer momento, ele viria me buscar." Aos sete anos, Cláudia começou a sentir o peso de ser diferente. "As crianças não queriam brincar comigo porque eu não tinha perna. Eu me perguntava: "Por que eu? Por que não minha irmã, minha vizinha?" Na adolescência, os meninos diziam: "Ela é tão bonitinha, mas não tem perna, não tem mão". E eu falava: "E você, babaca, que não tem cabeça!"." Mas, nas férias, a diversão era garantida. "Meus primos do interior eram muito malucos. Eu adorava ficar sem as próteses e eles me empurravam no carrinho de bebê, me colocavam na garupa da bicicleta ou do cavalo. Aprontávamos muito." Determinada, Cláudia aprendeu muito cedo a lutar pelos seus direitos. Foi dispensada da primeira escola em que estudou após sair do internato porque o prédio não era adaptado. "Diziam para minha mãe: "Ela não pode ficar aqui porque não temos rampa, não temos banheiro adaptado". Cheguei a perder um ano por isso." Quando tentaram dispensá-la na segunda escola, ela protestou. "Agora chega! Vou continuar aqui, vou estudar, não quero nem saber", conta. E assim ela terminou o ensino médio profissionalizante (secretariado), fez faculdade e pós-graduação. Hoje, presta consultorias para empresas aéreas, treinando funcionários sobre como lidar com passageiros portadores de deficiência: desde como ajudá-los a sentar na poltrona até como acomodá-los no vaso sanitário. "Não entendo por que as pessoas têm tanto medo de tocar o deficiente. Acho meio absurdo eu ganhar dinheiro para ensinar os outros a ajudar o próximo." Em 1991, resolveu usar seus conhecimentos para lutar pelos direitos das vítimas da talidomida no Brasil. Colocou um anúncio no jornal e reuniu a primeira dezena de vítimas. Com a ajuda do então governador Mario Covas (1930-2001), fundou a Associação Brasileira dos Portadores da Síndrome da Talidomida, da qual ainda é presidente. "Naquela época, não tínhamos direito a quase nada. Conseguimos mudar a lei [em 1993], estabelecendo uma pensão de um a oito salários [dependendo do grau da deficiência] e incluindo o direito a próteses. Ainda hoje, às vezes, só se ganha no grito, ameaçando fazer barraco, entrar com ação." Agilidade No apartamento onde vive com as duas cadelas, Sasha e Bebê, ela cuida de tudo sozinha. Conta com ajuda de uma faxineira a cada 15 dias. "Só não faço faxina pesada. Ninguém merece", brinca. Dentro de casa, dispensa as próteses e as muletas e se movimenta arrastando os quadris no chão, com a ajuda de um braço. Sua agilidade impressiona: com um pulo, ela sobe numa cadeira e abre o micro-ondas, que está sobre a pia da cozinha. Com cinco pulos, chega ao escritório e atende o telefone. Cláudia não descuida do condicionamento físico. Faz esteira movimentando os quadris e o tronco e se preocupa em não ganhar peso. Só não consegue deixar o cigarro. "Tentei uma vez, mas fiquei doidinha e desisti. Sou muito agitada." Vaidosa, não sai de casa sem passar batom e um pó no rosto. Gosta de sair com amigos, de navegar na internet, de nadar e de militar em defesa dos animais abandonados. Já teve namorados -com e sem deficiências físicas-, mas no momento está sozinha. "Não sei se o mercado está difícil, se é por preconceito ou porque assusto os homens. Sou muito brava." Os condôminos do seu prédio, no Jardim Aeroporto (zona sul), que o digam. Cláudia é síndica do edifício, de 24 apartamentos. "Vou atrás de tudo, compro coisas, mando arrumar, mando pintar, é telhado, é portão, é vizinho brigando. Eu não me vejo como deficiente. Faço mais do que muitas pessoas que têm dois braços e duas pernas. O que manda é a cabeça da gente, a força de vontade. Isso eu tenho de sobra." Próximo Texto: Frases Índice |
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