São Paulo, sábado, 06 de junho de 2009

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Meia elástica não evita formação de trombose venosa

Conclusão é de um estudo internacional que avaliou 2.518 pessoas imobilizadas após terem sofrido AVC isquêmico

Recomendação de uso da meia é "universal" entre os pacientes hospitalizados com mais de 40 anos; atuais diretrizes são questionadas

FERNANDA BASSETTE
RACHEL BOTELHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ao contrário do que recomendam as diretrizes médicas, o uso de meias elásticas em pacientes que estão sem mobilidade nas pernas não previne a formação de coágulos.
Os dados são de uma pesquisa internacional com 2.518 pacientes que sofreram AVC (acidente vascular cerebral) isquêmico e estavam imobilizados. Os resultados foram publicados neste mês no periódico "Lancet" e devem provocar mudanças na prática médica.
O estudo avaliou pacientes de 64 centros no Reino Unido, Itália e Austrália. Metade deles usou meias elásticas durante o tratamento e metade ficou sem elas. Depois de sete e de 30 dias, esses pacientes foram submetidos a um ultrassom das pernas.
Os resultados dos exames mostram que houve formação de coágulos em 10% daqueles que usavam meias e em 10,5% dos que não usavam -diferença estatisticamente irrelevante, que coloca em dúvida a eficácia das meias.
Além disso, os pesquisadores apontam que 5% dos pacientes que usaram as meias elásticas apresentaram úlceras, bolhas e tiveram morte do tecido da perna em comparação com apenas 1% daqueles que não usaram.
Segundo Pedro Puech Leão, cirurgião vascular do Hospital Sírio-Libanês, a recomendação de usar meias compressoras em pacientes que sofreram um AVC "nunca fez muito sentido porque as meias atuam muito bem nas veias superficiais, mas as tromboses perigosas ocorrem nas veias profundas".
Ele acredita que a conclusão da pesquisa pode ser válida também para outras pessoas imobilizadas em UTIs ou que estejam no pós-operatório de grandes cirurgias. "Muitas pessoas que usam as meias provavelmente não precisam delas."

Indicação controversa
Para o coordenador médico do CTI do hospital Albert Einstein, Nelson Akamine, o estudo tem potencial para mudar as diretrizes atuais. "Nesse grupo de pacientes, o uso de meias não previne a formação de coágulos e ainda acrescenta riscos e custos. É o que se chama de uma intervenção fútil", diz.
O médico estima que a maioria das pessoas que fica hospitalizada por mais de um dia use a meia. "O impacto econômico disso é brutal, são centenas de milhares de casos por ano." O preço (de R$ 70 a R$ 170) varia de acordo com o fabricante e com o grau de compressão.
Apesar de o estudo mostrar a ineficácia da meia em pessoas imobilizadas, o cirurgião vascular José Carlos Costa Baptista Silva, presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (regional São Paulo), diz que vai continuar recomendando o uso a seus pacientes, pelo menos até que outras pesquisas cheguem ao mesmo resultado.
"Até agora acreditávamos que as meias eram eficientes como profilaxia para pacientes acamados. É complicado parar de usar de uma hora para outra. Não vou deixar de indicar porque mal elas não fazem, desde que sejam usadas corretamente", afirma o médico.
Segundo ele, o aparecimento de bolhas, feridas e úlceras nos participantes que usaram a meia pode ser atribuído ao uso inadequado. "O correto é tirá-las todos os dias, limpar a pele e fazer fisioterapia. Se a pessoa perceber algum problema, o uso é suspenso. Isso é o básico do básico", diz Silva.

Retorno venoso
Ainda de acordo com o presidente da SBACV, as meias elásticas têm a função de manter a contração muscular das pernas do paciente e, assim, facilitar o retorno venoso do sangue para o resto do corpo.
Em pessoas saudáveis, os músculos das pernas cumprem essa função, mas o paciente imobilizado perde a capacidade de contração do músculo e não há retorno venoso. Assim, o sangue fica acumulado -o que provoca a trombose.
"Se um pedaço desse coágulo soltar, ele pode subir pela veia e alcançar o pulmão, provocando uma embolia", diz. Cerca de 20% das pessoas que têm trombose terão embolia.


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