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HISTÓRIA
Da conjuntivite ao transplante
O fluminense Leonardo Soares de Souza, 39, ficou com um edema na córnea após ter conjuntivites de repetição; precisou se submeter a um transplante de córnea para melhorar
Marisa Cauduro/Folha Imagem
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Leonardo de Souza, que está com a visão bem melhor após passar pela cirurgia de córnea
FLÁVIA MANTOVANI
EDITORA-ASSISTENTE DO EQUILÍBRIO
Tudo começou com uma
conjuntivite comum -e terminou, inesperadamente, no centro cirúrgico do Hospital Oftalmológico de Sorocaba (SP), onde é feito o maior número de
transplantes de córnea do país.
O paciente é Leonardo Soares de Souza, 39, caldeireiro na
Refinaria de Duque de Caxias,
no interior do Rio de Janeiro.
Há um ano e meio, seu olho esquerdo começou a lacrimejar e
a ficar vermelho. Detectada
uma conjuntivite, ele ficou
afastado do trabalho para não
transmitir a doença aos colegas
e usou os colírios indicados pelo oftalmologista, até que os
sintomas passaram.
Dez dias depois, porém, o
problema voltou. Leonardo se
tratou com o mesmo colírio até
os sintomas sumirem de novo.
Achou que daquela vez havia se
livrado do incômodo, mas um
mês depois o olho começou a
lacrimejar incessantemente.
"Era como se eu estivesse chorando sem parar", lembra.
Na terceira vez, o diagnóstico
foi diferente: estava com uma
uveíte, inflamação da úvea -a
parte vascular do olho. Após o
uso de diversos remédios e
mais 15 dias afastado do trabalho, teve uma melhora, mas
posteriormente a uveíte, mais
uma vez, retornou.
A essa altura, Leonardo já estava no terceiro oftalmologista
-que o encaminhou para um
infectologista, para investigar a
origem do problema que não
melhorava. A batelada de exames que ele pediu, que incluiu
testes de HIV, toxoplasmose,
sífilis e "todo tipo de doença
que se possa imaginar", não esclareceu muita coisa: tudo parecia perfeito.
Mas sua córnea não estava
bem: com o vaivém de melhoras e pioras, ficou um edema
(inchaço) no local, que prejudicou sua visão. "Ela ficou embaçada, sem definição, opaca. Via
tudo como se fosse um dia nublado", descreve.
O outro olho, que estava saudável, ajudava-o a enxergar no
dia a dia. Mesmo assim, ele perdeu a noção de profundidade, o
que o fazia tropeçar ao subir escadas, por exemplo, e o atrapalhava ao dirigir. "Eu mantinha
uma distância maior de outros
carros, por garantia. Na hora de
estacionar, tinha que torcer
mais meu pescoço para ver o
retrovisor", exemplifica.
Leonardo perdeu a conta do
número de medicações que teve que usar -de colírios a comprimidos à base de cortisona,
que lhe causaram uma série de
efeitos colaterais. "Tive sudorese, meu coração disparou, fiquei com a cara inchada igual a
um pandeiro. Aquilo é uma
bomba, é tudo de ruim", afirma.
Pior do que os efeitos colaterais foi o fato de que os medicamentos não fizeram efeito nenhum sobre o edema.
Um quarto oftalmologista
tentou uma última alternativa:
fez uma raspagem na região lesionada, com a esperança de
que a córnea cicatrizasse sem o
problema. Ele voltou a enxergar bem, mas a melhora foi
temporária e o edema voltou.
Foi quando Leonardo desconfiou que seu médico não tinha uma boa notícia. Estava
certo: a única solução para seu
problema seria um transplante.
Caso raro
Segundo o oftalmologista
Leon Grupenmacher, do Hospital Oftalmológico de Sorocaba, é raro uma conjuntivite evoluir para um quadro tão grave
como o de Leonardo. Geralmente, quando isso acontece é
porque a pessoa demorou muito a procurar ajuda médica -o
que não foi o caso do caldeireiro. "Foi um quadro teoricamente simples que evoluiu mal
até que deixou como sequela a
transparência da córnea."
Ele diz que Leonardo só enxergava objetos a no máximo
30 cm de distância -e, mesmo
assim, borrados. Segundo o
médico, mesmo que o outro
olho compense a falha nesse caso, a pessoa tem perdas. "A noção de profundidade é dada pelos dois olhos. A qualidade de
vida diminui quando um deles
está prejudicado", diz.
Tremores
No período em que teve os
problemas oftalmológicos,
Leonardo precisou de ajuda
médica para lidar com a ansiedade e com o medo de perder a
visão. "A vida muda radicalmente. Se você não estiver bem
psicologicamente, se entrega."
O fato de ter que se afastar do
trabalho por tanto tempo contribuiu para o estresse -ele,
que estava numa fase profissional boa, viu-se de repente dependente do INSS. "Tive que
mudar completamente meu
padrão de vida, pois o salário
era irrisório e as contas continuavam as mesmas", diz o fluminense, pai de uma menina de
13 anos e de um menino de oito.
Ele chegou a tremer por vários dias -fez exames cardiológicos, mas o diagnóstico foi
mesmo de estresse. Um calmante o ajudou a suportar a espera pela melhora.
A fila do transplante do Rio
de Janeiro não ajudava: não havia previsão de atendimento.
Foi por isso que ele se inscreveu em Sorocaba, onde a espera
costuma ser de 30 dias, em média. De fato, um mês depois ele
foi à primeira consulta. O
transplante de córnea foi marcado para a semana seguinte.
Quinze dias depois, quando
conversou com a Folha após
passar pela consulta de revisão,
Leonardo estava radiante com
o resultado da operação.
"Consigo notar perfeitamente a diferença na visão. Percebo
melhor a luminosidade, identifico melhor as coisas, as silhuetas. Está tudo mais definido."
E a tendência é melhorar
ainda mais: geralmente, o paciente tem a visão final seis meses após o transplante.
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