São Paulo, domingo, 06 de dezembro de 2009

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HISTÓRIA

Da conjuntivite ao transplante

O fluminense Leonardo Soares de Souza, 39, ficou com um edema na córnea após ter conjuntivites de repetição; precisou se submeter a um transplante de córnea para melhorar

Marisa Cauduro/Folha Imagem
Leonardo de Souza, que está com a visão bem melhor após passar pela cirurgia de córnea

FLÁVIA MANTOVANI
EDITORA-ASSISTENTE DO EQUILÍBRIO

Tudo começou com uma conjuntivite comum -e terminou, inesperadamente, no centro cirúrgico do Hospital Oftalmológico de Sorocaba (SP), onde é feito o maior número de transplantes de córnea do país.
O paciente é Leonardo Soares de Souza, 39, caldeireiro na Refinaria de Duque de Caxias, no interior do Rio de Janeiro. Há um ano e meio, seu olho esquerdo começou a lacrimejar e a ficar vermelho. Detectada uma conjuntivite, ele ficou afastado do trabalho para não transmitir a doença aos colegas e usou os colírios indicados pelo oftalmologista, até que os sintomas passaram.
Dez dias depois, porém, o problema voltou. Leonardo se tratou com o mesmo colírio até os sintomas sumirem de novo. Achou que daquela vez havia se livrado do incômodo, mas um mês depois o olho começou a lacrimejar incessantemente. "Era como se eu estivesse chorando sem parar", lembra.
Na terceira vez, o diagnóstico foi diferente: estava com uma uveíte, inflamação da úvea -a parte vascular do olho. Após o uso de diversos remédios e mais 15 dias afastado do trabalho, teve uma melhora, mas posteriormente a uveíte, mais uma vez, retornou.
A essa altura, Leonardo já estava no terceiro oftalmologista -que o encaminhou para um infectologista, para investigar a origem do problema que não melhorava. A batelada de exames que ele pediu, que incluiu testes de HIV, toxoplasmose, sífilis e "todo tipo de doença que se possa imaginar", não esclareceu muita coisa: tudo parecia perfeito.
Mas sua córnea não estava bem: com o vaivém de melhoras e pioras, ficou um edema (inchaço) no local, que prejudicou sua visão. "Ela ficou embaçada, sem definição, opaca. Via tudo como se fosse um dia nublado", descreve.
O outro olho, que estava saudável, ajudava-o a enxergar no dia a dia. Mesmo assim, ele perdeu a noção de profundidade, o que o fazia tropeçar ao subir escadas, por exemplo, e o atrapalhava ao dirigir. "Eu mantinha uma distância maior de outros carros, por garantia. Na hora de estacionar, tinha que torcer mais meu pescoço para ver o retrovisor", exemplifica.
Leonardo perdeu a conta do número de medicações que teve que usar -de colírios a comprimidos à base de cortisona, que lhe causaram uma série de efeitos colaterais. "Tive sudorese, meu coração disparou, fiquei com a cara inchada igual a um pandeiro. Aquilo é uma bomba, é tudo de ruim", afirma.
Pior do que os efeitos colaterais foi o fato de que os medicamentos não fizeram efeito nenhum sobre o edema.
Um quarto oftalmologista tentou uma última alternativa: fez uma raspagem na região lesionada, com a esperança de que a córnea cicatrizasse sem o problema. Ele voltou a enxergar bem, mas a melhora foi temporária e o edema voltou.
Foi quando Leonardo desconfiou que seu médico não tinha uma boa notícia. Estava certo: a única solução para seu problema seria um transplante.

Caso raro
Segundo o oftalmologista Leon Grupenmacher, do Hospital Oftalmológico de Sorocaba, é raro uma conjuntivite evoluir para um quadro tão grave como o de Leonardo. Geralmente, quando isso acontece é porque a pessoa demorou muito a procurar ajuda médica -o que não foi o caso do caldeireiro. "Foi um quadro teoricamente simples que evoluiu mal até que deixou como sequela a transparência da córnea."
Ele diz que Leonardo só enxergava objetos a no máximo 30 cm de distância -e, mesmo assim, borrados. Segundo o médico, mesmo que o outro olho compense a falha nesse caso, a pessoa tem perdas. "A noção de profundidade é dada pelos dois olhos. A qualidade de vida diminui quando um deles está prejudicado", diz.

Tremores
No período em que teve os problemas oftalmológicos, Leonardo precisou de ajuda médica para lidar com a ansiedade e com o medo de perder a visão. "A vida muda radicalmente. Se você não estiver bem psicologicamente, se entrega."
O fato de ter que se afastar do trabalho por tanto tempo contribuiu para o estresse -ele, que estava numa fase profissional boa, viu-se de repente dependente do INSS. "Tive que mudar completamente meu padrão de vida, pois o salário era irrisório e as contas continuavam as mesmas", diz o fluminense, pai de uma menina de 13 anos e de um menino de oito.
Ele chegou a tremer por vários dias -fez exames cardiológicos, mas o diagnóstico foi mesmo de estresse. Um calmante o ajudou a suportar a espera pela melhora.
A fila do transplante do Rio de Janeiro não ajudava: não havia previsão de atendimento. Foi por isso que ele se inscreveu em Sorocaba, onde a espera costuma ser de 30 dias, em média. De fato, um mês depois ele foi à primeira consulta. O transplante de córnea foi marcado para a semana seguinte.
Quinze dias depois, quando conversou com a Folha após passar pela consulta de revisão, Leonardo estava radiante com o resultado da operação.
"Consigo notar perfeitamente a diferença na visão. Percebo melhor a luminosidade, identifico melhor as coisas, as silhuetas. Está tudo mais definido."
E a tendência é melhorar ainda mais: geralmente, o paciente tem a visão final seis meses após o transplante.


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