São Paulo, domingo, 07 de fevereiro de 2010

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HISTÓRIA

Sem fôlego para o esporte

A triatleta Carla Moreno começou a treinar na infância para aliviar os sintomas da asma, mas foi preciso uma parada cardiorrespiratória durante uma prova para ir ao médico e ouvir que não estava curada

Marisa Cauduro/Folha Imagem
Carla Moreno, 33, que teve uma parada
cardíaca ao competir


RACHEL BOTELHO
DA REPORTAGEM LOCAL

A triatleta Carla Moreno, 33, começou a praticar atividades físicas por indicação médica, aos três anos de idade, para tentar aliviar os sintomas da asma e da rinite. A tática funcionou tão bem que, durante a adolescência, ela ganhou confiança para abandonar os medicamentos -mas não o esporte, que transformou em profissão.
Após ingressar no triatlo, entretanto, os sintomas voltaram com força. Aos 19 anos, a sensação de falta de ar havia se tornado regra. Ela acredita, hoje, que seu rendimento poderia ter sido muito melhor naquela época. "Havia dias muito difíceis de treinar", lembra.
A crença, muito difundida, de que asma é doença de criança e a atitude do treinador que a acompanhou por muitos anos colaboraram para afastá-la dos consultórios médicos. "Quando eu ia mal em uma prova, ele dizia que eu tinha amarelado."
Mesmo tendo que recorrer diversas vezes ao atendimento de emergência, Carla não imaginou que continuasse asmática. "Eu acreditava em tudo que meu treinador na época dizia."
Nem a parada cardiorrespiratória sofrida durante uma prova disputada nos Estados Unidos abriu seus olhos. "Comecei a sentir falta de ar na natação, no ciclismo foi piorando e na corrida não lembro de nada. Quando acordei, na ambulância, já estava entubada", diz. Os médicos pediram diversos exames e chegaram a lhe perguntar se tinha asma. Carla negou -não acreditava nisso.

Virada
Única triatleta brasileira a vencer uma etapa da Copa do Mundo e a conquistar uma medalha nos Jogos Panamericanos (prata, em 1999), há seis anos Carla mudou tudo. Trocou São Carlos (232 km a noroeste de São Paulo), sua cidade natal, por Santos, no litoral paulista, e elegeu o marido, San Palma, 31, como treinador.
Foi nessa época que, durante um treino, a falta de ar e as dores no peito reapareceram e trouxeram recordações de episódios vividos na infância -e do tratamento contra a asma. "Tentei usar a bombinha e melhorei muito! Fiquei assustada, porque minha cabeça não aceitava [o fato de ter a doença]."
O tempo foi passando, o número de provas e de treinos puxados foram aumentando e a mudança constante de clima -da cidade litorânea, onde mora, para localidades mais secas, onde competia- lhe trouxe cada vez mais problemas.
Foi preciso perder os sentidos, durante uma prova disputada em 2007, em Goiânia, para que Carla procurasse ajuda. "Desde a largada na etapa de natação eu sentia muita falta de ar e, de vez em quando, minha vista ia escurecendo dentro do lago. Quando comecei a etapa de bicicleta, ficou pior. Lembro-me de ter começado uma subida longa, depois acordei na ambulância..."
Para a pneumologista do hospital São Luiz Iara Nely Fiks, atual responsável pelo tratamento de Carla, os triatletas vão "muito além dos limites do organismo e muitos deles são doentes crônicos". Segundo a médica, autora de "Asma no Esporte" (R$ 25, 104 págs., ed. Claridade), entre outros livros, é possível que o mal-estar e a parada cardiorrespiratória de Carla tenham relação com a asma não controlada, já que ela não tem problemas cardíacos.
Desde 2008, quando reiniciou o tratamento, a doença está sob controle. "Sinto-me muito melhor, é uma nova vida. Aquela falta de ar, as inalações, até a bombinha hoje é muito difícil eu usar", comemora.

Úlcera perfurada
Entretanto, em outubro passado, a saúde de Carla sofreu outro revés. No dia 17, um sábado, a triatleta sentiu um incômodo no abdômen, mas tanto San Palma quanto o médico desportista João Francisco Faria, que a segue de perto há três anos, atribuíram-no a uma sobrecarga muscular.
Depois de passar o domingo de repouso, na segunda-feira retomou o treino matinal de corrida, quando sentiu um desconforto estomacal e a mesma "dorzinha chata" de antes. Por telefone, Faria pediu que Carla o encontrasse no hospital. "Quando desliguei o telefone, senti muita dificuldade de me vestir e de andar e precisei de ajuda. O médico decidiu que eu ficaria internada para fazer os exames, mas, assim que ele saiu, enquanto eu aguardava meus papéis de internação, comecei a entrar em choque."
Nas horas seguintes, enquanto os médicos tentavam identificar a causa dos sintomas, Carla correu risco de morte. "Desmaiei, tive o começo de um ataque epilético e minha pressão foi a 5 por 3. Quando acordei, já estava com oxigênio e soro. No quarto, nas quatro vezes em que precisei levantar para fazer exames, desmaiei", conta.
No final do dia, o quadro era de hemorragia aguda no abdômen, o que a levou à sala de cirurgia. Durante a videolaparoscopia [cirurgia guiada por câmera de vídeo] , quase três litros de sangue foram drenados de seu abdômen. "Nessas circunstâncias, tinha só dois litros de sangue para bombear para todo o corpo e meu coração tinha que ser forte para deixar o cérebro ileso...", diz.
Descoberto um hematoma no estômago, foi preciso abrir o abdômen do umbigo ao externo. O diagnóstico: úlcera perfurada. "Sem nunca ter tido gastrite ou dor no estômago", diz.
Após dois meses de repouso forçado, a triatleta prepara-se agora para competir na Copa Panamericana, em 6 de março, no Equador. "Não tenho nenhuma expectativa e não vou ficar triste com nenhum resultado, por pior que seja. Estou encarando como o desafio de completar e voltar a competir."


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