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Triplicam as ações judiciais para obter medicamentos
Levantamento do Ministério da Saúde revela que em 2008 foram gastos R$ 52 milhões
Segundo o governo, 60% dos pacientes que entram com processos poderiam ser tratados com remédios similares existentes no SUS
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
Ações judiciais para a aquisição de medicamentos consumiram R$ 52 milhões do Ministério da Saúde em 2008, o triplo do valor gasto em 2007, revela levantamento do governo
federal. Em três anos, o aumento dos custos com a judicialização foi de quase 2.000%.
Nesses valores não estão incluídos os gastos dos Estados.
Em 2007, São Paulo despendeu
cerca de R$ 25 milhões por mês
para cumprir ordens judiciais
determinando a distribuição de
remédios que não constam na
lista do SUS. No Rio Grande do
Sul, foram outros R$ 6,5 milhões mensais e, em Minas Gerais, quase R$ 40 milhões gastos no ano com essas ações.
Segundo o ministério, 60%
dos pacientes que ingressam
com ações poderiam ser tratados com remédios similares,
disponíveis no SUS. Os outros
40% pedem drogas de última
geração, algumas das quais não
estão aprovadas pela Anvisa
(Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
É o caso, por exemplo, do Naglazyme, uma terapia de reposição enzimática para tratar
uma doença congênita grave
(mucopolossacaridose). O custo mensal do tratamento, por
pessoa, é de R$ 133.980. Em
2008, houve 47 ações judiciais
pedindo a medicação.
Na avaliação da pasta, muitos
dos medicamentos requeridos
por meio de ações judiciais
agregam baixo ganho terapêutico em relação aos oferecidos
pelo SUS. Para ONGs de pacientes, no entanto, algumas
dessas drogas representam a
última alternativa para manter
vivo um doente.
"Vemos hoje pessoas [que tinham sido desenganadas pelos
médicos] vivendo há cinco, seis
anos, graças a medicamentos
que conseguiram via ações judiciais. Nem todo mundo responde da mesma maneira, mas
para muitas pessoas essas drogas são cruciais", diz Marília
Casseb, superintendente da Associação Brasileira do Câncer.
Para conter o avanço das
ações judiciais, o governo federal aposta na aprovação de um
projeto de lei (PL 219/2007)
que tramita no Senado, de autoria do senador Tião Vianna
(PT-AC), que estabelece que a
oferta de medicamentos pelo
SUS aconteça somente com base em prescrições amparadas
em protocolos clínicos aprovados pelo Ministério da Saúde.
As ONGs entendem que, se
aprovado dessa forma, o projeto poderá impedir que as pessoas recorram à Justiça para
ter acesso a medicamentos de
alta complexidade ainda sem
registro na Anvisa. "Defendemos que os protocolos clínicos
sejam frequentemente atualizados e que, uma vez por ano, a
lista de novos medicamentos
seja revista pelo ministério",
explica Marília Casseb.
A polêmica sobre a distribuição de remédios excepcionais
também chegou ao Supremo
Tribunal Federal, que deve julgar até o final do ano um recurso definindo como deve ser a
oferta de medicamentos não-incluídos na lista de drogas fornecidas pelo ministério.
Segundo o Ministério da Saúde, o assunto ganhou urgência
também pela descoberta de
fraudes em ações judiciais para
beneficiar laboratórios. Em
2007, nove pessoas foram presas em Marília (interior de São
Paulo) sob a acusação de forjar
receitas médicas para obrigar,
por meio de ações judiciais, a
Secretaria de Estado da Saúde a
comprar remédios para 15 pessoas com psoríase (doença inflamatória da pele). Em um ano
foram gastos em torno de R$
900 mil.
Inglaterra
O alto custo das medicações,
especialmente as drogas oncológicas, tem gerado discussão
em todo o mundo. A França,
por exemplo, decide se concede
ou não uma nova droga após
uma comissão avaliar o perfil
do paciente e a eficácia da terapia. Já a Alemanha define, de
antemão, os tratamentos e remédios que são reembolsáveis.
No Reino Unido, é o Instituto
Nacional de Saúde e Excelência
Clínica (Nice) que aprova os
medicamentos aos quais os pacientes terão acesso. Em 2007,
porém, uma decisão do órgão
-que foi revogada- causou
grande polêmica. Ela estabelecia um limite de pagamento de
US$ 22.750 por uma droga oncológica que oferecia uma sobrevida de seis meses.
Segundo Andreas Seiter, especialista em saúde do Banco
Mundial, durante vários anos a
Inglaterra foi praticamente o
único país a adotar a relação
custo e efetividade para decidir
quanto pagar por determinada
droga. "Agora, o modelo tem influenciado políticas de saúde de
países como Áustria, Brasil, Colômbia e Tailândia", diz ele.
O secretário de Ciência e
Tecnologia do Ministério da
Saúde, Reinaldo Guimarães,
afirma que o governo brasileiro
tem se espelhado na forma como o sistema de saúde britânico incorpora novas tecnologias,
baseado em evidências científicas. "Essa ideia de que os sistemas de saúde têm que ter uma
regra sobre o que pagar e o que
não pagar é uma tendência
mundial, embora muito polêmica porque passa pela questão
de quanto vale uma vida."
No caso do Brasil, avalia Guimarães, a discussão esbarra na
lei que criou o SUS, que estabelece que o sistema deve oferecer cuidado integral, mas não
define o conceito de integralidade. "Esperamos que o projeto de lei regulamente isso."
Guimarães acredita que,
mesmo com o projeto aprovado, as ações judiciais vão continuar, já que são um direito
constitucional do cidadão.
"Queremos é acabar com a epidemia da judicialização."
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