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HISTÓRIA
Albinismo sob o sol
No blog "O Albino Incoerente", o professor de inglês e literatura Roberto Bíscaro, 42, reúne informações sobre a condição genética no Brasil e no mundo na tentativa de combater o preconceito
José Zito Junior/Folha Imagem
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Roberto Bíscaro, que vive e trabalha em Penápolis, no interior paulista
DENISE MOTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Cercado por uma vegetação
exuberante, óculos escuros,
mãos nos bolsos, "Dr. Albee"
encara, entre altivo e relaxado,
o visitante de "O Albino Incoerente" (albinoincoerente.blogspot.com), blog que criou
para dar visibilidade aos albinos no Brasil e no mundo.
Na foto, o professor de inglês
e literatura não se furta ao sol
de Penápolis (491 km da capital
paulista), onde mora. Fora do
mundo virtual, a busca pela superação de desafios também
não cessa: aos 42 anos, o paulistano Roberto Bíscaro se dedica
-entre as aulas na Faculdade
de Filosofia de Penápolis e as
viagens ao exterior que são um
de seus hobbies- a alimentar o
que espera ser um dia "a maior
central mundial de informações on-line sobre albinismo".
Nem sempre foi assim. Na
infância, o assunto era cercado
de silêncio, e os poucos comentários que se faziam era que um
irmão mais velho de Roberto,
morto quando ele era bebê, havia sido "igualzinho" a ele. Hoje
o albinismo já faz parte das
conversas do professor com a
família, formada por dois irmãos mais velhos e pela mãe de
78 anos, com quem mora.
Filho de um alfaiate e de uma
empregada doméstica, Roberto
"tinha tudo para dar errado",
como diz. "Comecei a me dar
conta de que era diferente porque via as crianças: elas eram
"coloridas", e eu não." Os apelidos na escola, como Branca de
Neve, reforçaram a consciência
da diferença.
O estratagema para superar a
discriminação foi compensar
os conflitos de autoestima e ser
"atirado". "Eu fazia teatro, era
o inteligentinho da sala."
Popstar
Foram necessárias três décadas para que ele se conscientizasse da necessidade de se cuidar adequadamente -o uso de
protetor solar e óculos que protegem seus quatro graus de
miopia, imprescindíveis em
qualquer hora do dia e condição climática, tornou-se sagrado apenas após os 30 anos.
"Teve um período em que eu
queria negar que era albino.
Mas, quando eu vi que o mundo
tinha espaço para eu fazer coisas, percebi que não precisava
estar revoltado o tempo todo, e
passei a ser mais pró-ativo."
Ato seguido, a partir da suspeita de que sua situação social
confortável fosse uma exceção
entre os albinos, decidiu "arregaçar as mangas" para que o assunto saísse das sombras.
A percepção de Roberto é
corroborada por Lília de Azevedo Moreira, professora titular
do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia e
coordenadora do programa Genética em Articulação com a
Sociedade, da universidade.
Em estudo realizado em
2007 junto à Apalba (Associação das Pessoas com Albinismo
na Bahia), verificou-se entre a
comunidade albina do Estado
uma maior proporção de pessoas vivendo em bairros periféricos, com grande demanda de
serviços sociais e de saúde. "O
baixo nível de escolarização foi
associado não apenas à pobreza
mas também à falta de apoio
diante das dificuldades de visão
no período inicial de escolaridade", diz a pesquisadora.
Doutor em dramaturgia norte-americana pela Universidade de São Paulo, Roberto diz
nunca haver tido problemas em
sua profissão por conta do albinismo e considera positivo o fato de, na vida privada, não ser
encarado pelos amigos como
alguém que deva ser tratado
"cheio de dedos".
Apesar de não prestar mais
atenção no que lhe dizem na
rua -o MP3 é companhia a cada saída-, não deixa de notar
os olhares de surpresa que continua a atrair. "Sou como um
popstar sem dinheiro", brinca.
Pelo que pesquisa e recebe de
mensagens em seu blog, Roberto afirma que a maior demanda
da comunidade albina é que se
desenvolvam políticas de saúde
pública direcionadas aos albinos e que a sociedade tenha
mais informações sobre o albinismo, a fim de que se diminua
o preconceito.
"Existe um levantamento sobre a aparição de albinos em filmes, e quase sempre eles estão
relacionados a personagens
maus, existe até albino atirador
de elite. Como assim? A gente
não enxerga nada, como vai ser
atirador de elite?", pergunta,
entre divertido e indignado.
Ler, reler e assistir a várias
versões de clássicos como "Orgulho e Preconceito", romance
da britânica Jane Austen, são
algumas das atividades preferidas do professor, mas ele não vê
problemas em se dedicar com o
mesmo interesse aos últimos
lançamentos de rap americano,
por exemplo, do qual é fã.
Daí batizar seu blog de "O Albino Incoerente". "Existe a
ideia de que doutores gostem
apenas do suprassumo da cultura. Acho isso um porre. E
também mudo de opinião rápido. Um ou dois dias antes de
criar a página, disse a um amigo
que nunca teria um blog", ri.
Táticas de sobrevivência
No blog, a prosa fluida e bem-humorada de Roberto aborda
notícias vinculadas a casos de
violência contra albinos pelo
mundo e a direitos e problemas
de pessoas portadoras de deficiência. Também se encontram
fotos de animais albinos e uma
miríade de referências culturais à existência de albinos desde que o mundo é mundo
-Noé, por exemplo, teria sido
um deles. "Mostro que é possível ser saudável, fazer coisas,
ter uma vida interessante", diz.
Em posts mais pessoais, o
professor, que produziu ainda
uma série de vídeos, postados
no Youtube, sobre sua condição genética, comenta surpresas advindas de suas andanças
pelo mundo -as letras garrafais dos ônibus de Buenos Aires
o fascinam- e compõe um manual de "táticas de sobrevivência" que se renovam a cada dia.
"Se eu marco encontro com
alguém, tento sempre chegar
primeiro", ensina. "Assim, como não enxergo bem, a pessoa
que chega depois é que tem que
me procurar, e eu não preciso
ficar tentando encontrá-la".
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