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Enxaguante favorece câncer de boca
Estudos ligam versão com álcool a tumor oral; consumo do produto cresceu 190% de 2002 a 2007
Não essencial à higiene oral, produto é indicado para pessoas com alto índice de cárie e doenças de gengiva e após cirurgias na boca
JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
O uso de enxaguatórios bucais no Brasil cresceu 2.277%
de 1992 a 2007, mostra um levantamento realizado pelo cirurgião-dentista Marco Antônio Manfredini, pesquisador da
Faculdade de Saúde Pública da
USP (Universidade de São Paulo), baseado em informações da
Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos. De 2002 a
2007, o aumento foi de 190%.
Para Manfredini, o incentivo
ao consumo indiscriminado de
enxaguatórios deve ser criticado. "Observamos um grande investimento na indução ao uso
do produto. E é importante dizer que, ao contrário da pasta,
da escova e do fio dental, o colutório não tem indicação universal. É preciso concentrar a utilização para casos específicos."
Além de não ser essencial à
saúde oral, o uso frequente de
enxaguatórios bucais com álcool aumenta os riscos de câncer de boca e da faringe. Uma
revisão científica publicada no
fim de 2008 na revista da Academia Dental Australiana compilou estudos do mundo todo
que encontraram essa relação.
De acordo com os pesquisadores, há evidências suficientes
para aceitar a ideia de que enxaguatórios bucais com álcool
contribuem para aumentar a
taxa de câncer oral.
Grande parte dos produtos
comercializados no Brasil contém álcool. Um estudo brasileiro realizado com 309 pacientes
e publicado no ano passado na
"Revista de Saúde Pública"
também encontrou a mesma
associação. "Algumas marcas
chegam a ter 26% de álcool, e
há pessoas que usam todos os
dias. Hoje existem produtos no
mercado sem álcool, que devem ser os escolhidos", diz o
oncologista Luiz Paulo Kowalski, diretor do Departamento de
Cirurgia de Cabeça e Pescoço
do Hospital A. C. Camargo e um
dos autores do trabalho. De
acordo com a Anvisa (Agência
Nacional de Vigilância Sanitária), fabricantes são obrigados a
informar na embalagem a presença de álcool na composição.
O álcool presente nos enxaguantes contribui para o aumento das taxas de câncer oral
de forma similar às bebidas alcoólicas -e sabe-se que o álcool
é o segundo fator de risco para a
doença, depois do tabagismo,
aumentando de cinco a nove
vezes os riscos. "Brinco que a
pessoa bebe sem usufruir da
parte boa da bebida. O produto
tem álcool não porque é um antisséptico, mas porque é um
veículo muito eficiente, industrialmente conveniente e muito barato. Por isso as versões
sem álcool tendem a ser mais
caras", explica o dentista Alberto Consolaro, professor de patologia da Faculdade de Odontologia de Bauru da USP.
O álcool não é um agente causador de câncer isoladamente,
mas uma enzima do organismo
o transforma em acetaldeído,
substância que pode alterar as
células da boca e causar tumores na região. "O problema é
usar diariamente o produto,
pois o dano constante não dá
tempo de as células se repararem. O uso de enxaguatórios
bucais [com álcool] precisa ser
mais estudado, mas é algo parecido com o que ocorre com o cigarro: quanto mais exposição,
maior o risco", diz Kowalski.
Por isso, dentistas recomendam o uso do produto sem álcool, seja manipulado, seja de
marca. "O produto é um bom
auxiliar na limpeza da boca,
mas não deve conter álcool. As
pessoas acham que um enxágue que queima a boca é melhor, mas produto bom não
precisa dar essa sensação. A
substância antisséptica não é o
álcool", diz Consolaro.
Indicações
Dentistas recomendam o uso
de enxaguatórios após cirurgias, raspagem de dente, casos
de alta incidência de cárie,
doenças da gengiva e para pessoas que não têm coordenação
motora para realizar uma boa
escovação. Para o restante da
população, o uso é opcional,
apesar de boa parte da publicidade desse tipo de produto sugerir que ele combate mau hálito. "Do ponto de vista da higiene bucal, não é necessário.
Quem tem boa higiene bucal
geralmente não tem halitose
-e, se tiver, não será o enxaguatório que vai resolver o problema", afirma Manfredini.
Especialistas ouvidos pela
Folha criticam a falta de controle desse tipo de produto por
parte da vigilância sanitária. Os
enxaguatórios são registrados
como cosméticos na Anvisa, e
fabricantes de produtos que
não contêm flúor, ação antiplaca nem antisséptica não são
obrigados a registrá-los -somente notificá-los à agência.
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