São Paulo, quinta-feira, 13 de agosto de 2009

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Aspirina reduz risco de morte em casos de câncer colorretal

Estudo com 1.279 pacientes mostra que a associação da droga ao tratamento convencional diminuiu em 30% a mortalidade

A hipótese é que o remédio iniba uma enzima presente em dois terços dos tumores; pesquisas mais amplas são necessárias, dizem médicos

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

O uso regular de aspirina pode reduzir o risco de morte em pacientes com câncer colorretal, revela estudo inédito publicado ontem no "Jama" (revista da Associação Médica Americana). No Brasil, esse tumor é o terceiro (em mulheres) e o quarto (em homens) de maior incidência, segundo o Inca (Instituto Nacional de Câncer).
Pesquisas anteriores já haviam apontado que a aspirina também diminui o risco de adenoma colorretal (tumor benigno), mas é a primeira vez que se demonstra o impacto na sobrevida de pacientes com o câncer.
Além de analgésicos, os componentes da aspirina (ácido acetilsalicílico) têm efeitos anti-inflamatórios e anticoagulantes. No câncer, a hipótese é que a droga iniba uma enzima (COX-2) presente em dois terços dos tumores colorretais.
O estudo americano acompanhou 1.279 pessoas com câncer colorretal sem metástases (estágios 1, 2 e 3), que passaram por tratamentos convencionais (cirurgia e radioterapia associada ou não à quimioterapia).
Em 11 anos de seguimento, os pacientes que tomaram regularmente a aspirina como droga coadjuvante tiveram 30% menos risco de morrer em comparação aos doentes que não usaram o medicamento.
Os benefícios foram maiores em doentes cujo tumor tinha a expressão enzimática COX-2.
"Os resultados sugerem que a aspirina pode influir na biologia dos tumores colorretais, além de prevenir sua aparição", disse o oncologista Andrew Chan, da unidade gastrointestinal do Massachusetts General Hospital (EUA), um dos líderes do estudo. No entanto, o pesquisador ressalta que é preciso mais pesquisa sobre os efeitos da aspirina no câncer, incluindo testes com placebos.
O oncologista Auro Del Giglio, coordenador de oncologia do hospital Albert Einstein, explica que há mais de dez anos existem evidências de que pacientes portadores de polipose intestinal, doença que frequentemente evolui para o câncer colorretal, têm uma diminuição do número de pólipos após o tratamento com aspirina.
Segundo Del Giglio, a enzima COX-2, presente no tumor, tem um papel importante no processo de divisão celular e é provável que a aspirina iniba essa ação -o que explicaria a diminuição na taxa de mortalidade apontada pelo estudo.
Na opinião de Samuel Aguiar Júnior, cirurgião oncológico do Hospital A.C. Camargo, é preciso investigar melhor como a aspirina age na redução da metástase do tumor e se há relação com processo de coagulação e agregação de plaquetas.
"Há muito mais coisas envolvidas do que a simples inibição da [enzima] COX-2. É preciso investigar essa complexa interferência das vias envolvidas nos processos de inflamação e de controle da metástase", diz ele.
Para Del Giglio, é possível que a aspirina, barata e de um perfil de toxicidade conhecido, converta-se em uma nova droga-alvo direcionada para câncer colorretal. "E por uma mínima fração do custo das atuais drogas-alvo direcionadas."
O oncologista Paulo Hoff, diretor-executivo do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, afirma que o estudo é muito importante por ser o primeiro a demonstrar que o uso dos anti-inflamatórios não esteroides pode reduzir a chance de recorrência do tumor.
"O único problema é que não é uma terapia totalmente sem riscos. Quando se toma aspirina regularmente, há chances de úlcera e de sangramentos, por exemplo. Agora, se o paciente já tem indicação para tomar esse remédio, na prevenção de doença coronariana, por exemplo, é um benefício extra."
Os oncologistas, porém, avaliam que, como as conclusões do estudo são retrospectivas (observacionais), é necessário confirmar os dados com estudos randomizados, duplo-cegos e controlados por placebo. "A pergunta é: quem vai financiar um estudo confirmatório de uma droga tão barata?", questiona Del Giglio.


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