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ENTREVISTA
VANDERSON ROCHA
Clínicas vendem propaganda enganosa
Diretor da rede europeia de bancos de cordão critica congelamento privado
DEFENSOR DOS bancos públicos de sangue
de cordão umbilical, o hematologista mineiro Vanderson Rocha, 44, é categórico
sobre o congelamento feito em clínicas
particulares: "É propaganda enganosa". Para ele, os
bancos privados vendem uma "garantia de saúde"
que não existe. "A possibilidade de que isso [o uso
das células do próprio paciente] ocorra é mínima."
Divulgação
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O hematologista mineiro Vanderson Rocha, que vive na França
FERNANDA BASSETTE
DA REPORTAGEM LOCAL
Ele afirma que dificilmente
uma criança com leucemia poderá ser tratada com as próprias células -que provavelmente terão o mesmo problema. Além disso, se o paciente
for adulto, a quantidade de células congeladas após o nascimento não é suficiente para
pessoas com mais de 40 kg.
O sangue de cordão umbilical
é usado em pacientes que precisam de um transplante de
medula óssea, mas não encontram doador na família nem em
registros de voluntários.
Referência internacional em
transplantes de medula, Rocha
vive na França, onde comanda
há 15 anos o Eurocord (registro
europeu de pacientes transplantados com sangue de cordão umbilical, que inclui a rede
de bancos de cordão).
Antes de vir a São Paulo para
um simpósio durante a inauguração do sexto banco público de
sangue de cordão do país, no
Hospital Sírio-Libanês, Rocha
falou à Folha.
FOLHA - Para quais doenças há
comprovação científica dos benefícios do uso de células do sangue de
cordão umbilical?
VANDERSON ROCHA - Elas podem
ser utilizadas no tratamento
das doenças hematológicas
com indicação de transplante
de medula. São leucemias, linfomas, aplasias medulares e
doenças genéticas, como a anemia falciforme.
FOLHA - Quais as chances de um
paciente encontrar um doador compatível dentro da própria família?
ROCHA - Em torno de 25% a
30%. Quando se buscam doadores em registros em todo o
mundo, onde há cerca de 13 milhões de doadores "virtuais", a
chance sobe para 60%. Com o
sangue de cordão, essa possibilidade é de mais de 90%, pois
podemos realizar o transplante
com menor compatibilidade
entre receptor e doador.
FOLHA - Quantos transplantes foram feitos no mundo usando as células do cordão?
ROCHA - Cerca de 25 mil -nos
últimos três anos, foram em
torno de 3.000 por ano.
FOLHA - Até 2008, o Brasil possuía
16 clínicas privadas, que somavam
quase 26 mil unidades de sangue de
cordão congeladas, e apenas cinco
bancos públicos, com 7.000 unidades. Vale a pena pagar para congelar
o sangue do cordão?
ROCHA - Há dois motivos para
congelar o sangue do cordão:
um para o uso alogênico [em
outros pacientes], que depende
da doação voluntária dos pais; e
o outro, que é a grande controvérsia, é o uso autólogo [no próprio paciente]. Os pais pagam
uma taxa anual para congelar o
sangue do filho. Nesse tipo de
banco, isso é "vendido" como
uma garantia de saúde. Mas a
possibilidade de que isso ocorra é mínima. Sou contra as
campanhas enganosas que esses bancos propagam.
FOLHA - Adultos geralmente precisam de duas bolsas. Como fica a situação do congelamento particular
nesses casos?
ROCHA - Essa é outra desvantagem do congelamento autólogo. No caso de doenças em
adultos, dificilmente a quantidade de células congeladas ao
nascimento será suficiente. O
que fazemos hoje são transplantes alogênicos, usando bolsas de sangue de dois cordões.
Mas, de dois anos para cá, médicos observaram que há células muito primitivas no sangue
do cordão, chamadas IPS. Essas
células são muito imaturas e
parecem poder se diferenciar
em outras, como neurônios, ossos, cartilagens e músculos. E aí
surge a controvérsia toda.
Atualmente, não existe nenhum estudo clínico em que essas IPSs sejam utilizadas. Os
bancos privados estão se aproveitando dessa controvérsia e
vendem essa promessa, como
se as células do cordão fossem
uma fonte para curar qualquer
doença. Isso é enganoso.
FOLHA - Há possibilidade de, no futuro, as células congeladas em bancos privados serem usadas para tratar doenças hematológicas e outras
doenças no próprio paciente?
ROCHA - É muito pequena a
possibilidade de usar as células
do sangue de cordão em caso de
doenças hematológicas, principalmente as leucemias ou os
linfomas, que venham a ser
diagnosticadas no futuro. Primeiro porque essas doenças
são relativamente raras e muitas vezes podem ser curadas
com quimioterapia ou transplante de medula óssea. Segundo porque um estudo recente
mostrou que a probabilidade
de se precisar de um transplante autólogo aumenta após os 40
anos de idade (de 0,2% a 0,9%).
Dessa forma, não há nenhuma
indicação atual para se coletar e
congelar as células do sangue
do cordão para o próprio uso. É
como comprar um lote na Lua:
as empresas dizem que a Terra
vai acabar e você compra um lote na Lua. Qual a possibilidade
de isso acontecer de verdade?
FOLHA - Se a chance de usar essas
células em um transplante autólogo
é pequena, por que as clínicas privadas ainda têm tanto apelo?
ROCHA - Porque a gravidez é
um momento de fragilidade,
em que os pais querem o melhor para os filhos, e os bancos
privados se aproveitam dessa
situação para ganhar dinheiro.
Existem muitas clínicas privadas no mundo todo -juntas,
elas somam mais de 1 milhão de
unidades congeladas. Para
transplante alogênico, há cerca
de 400 mil bolsas congeladas.
FOLHA - O Brasil está integrado à
rede mundial de bancos de cordão?
ROCHA - Ainda não. Para participar do programa Netcord, é
preciso ter um certificado de
acreditação e, por enquanto,
nenhum banco brasileiro tem
esse certificado. O Brasil pode
procurar doadores nos bancos
internacionais, mas não consegue exportar bolsas congeladas
para pacientes estrangeiros.
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