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Brasil é o terceiro pior lugar para morrer
Tratamento dado aqui a pacientes terminais só ganha da Índia e de Uganda, aponta análise feita em 40 países
Recém-criado, índice de qualidade de morte avalia o conforto que as nações oferecem a doentes no fim da vida
CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO
HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA
Estudo inédito que compara os cuidados com pacientes
terminais em diversos países
coloca o Brasil entre os piores
lugares para morrer.
Entre as 40 nações analisadas, o Brasil só não é pior
do que Índia e Uganda, de
acordo com o trabalho, feito
pela unidade de inteligência
da revista "The Economist".
Cada país recebeu sua
pontuação no recém-criado
índice de qualidade de morte. A nota é composta por indicadores qualitativos e
quantitativos, normalizados
e traduzidos em números.
Dispostos em quatro categorias, os indicadores incluem desde macrodados
-como expectativa de vida e
porcentagem do PIB destinada à saúde- até fatores como
a facilidade em se obter analgésicos e se os estudantes de
medicina são treinados em
cuidados paliativos.
Cuidados paliativos ou de
fim de vida são as medidas
tomadas quando já não é
possível curar ou estender a
vida do paciente. As prioridades passam a ser o controle
da dor e o conforto físico e
psicológico do doente e de
seus familiares.
Mesmo países com bons
sistemas públicos de saúde,
como Dinamarca, Finlândia
e Coreia do Sul, receberam
pontuações baixas.
As razões para a má performance incluem desde elementos culturais, como a dificuldade de lidar com a morte, até a ausência de uma política nacional sobre o tema.
FORMAÇÃO
Para o professor de bioética da USP Reinaldo Ayer de
Oliveira, os médicos não estão preparados para tratar o
doente incurável. "Esses pacientes são levados até a
morte com muitas dúvidas e
dificuldades", diz ele.
Lacunas na formação acadêmica são apontadas como
uma das razões do despreparo. A disciplina de cuidados
paliativos não é obrigatória
nas faculdades de medicina-a especialidade ainda
nem é reconhecida pela Associação Médica Brasileira.
"Enquanto você tem o
doente com perspectiva de
cura, as coisas vão bem. Na
hora que se inverte isso, não
temos preparo. Não sabemos
qual o ponto de "viragem"
[quando não há mais cura]
ou qual o tipo de medicamento ou de procedimento
que deve ser continuado",
diz Oliveira, que também
coordena a área bioética no
Cremesp (Conselho Regional
de Medicina).
Embora o novo Código de
Ética Médica determine que
os médicos não devem adotar procedimentos que pareçam desnecessários no fim
da vida, na prática há muito
tratamento equivocado.
A avaliação é da oncologista Dalva Yukie Matsumoto, uma das diretoras da Academia Nacional de Cuidados
Paliativos. "Há muitos doentes em situação de quase
morte internados em UTIs,
entubados."
O médico Leonardo Consolim, do grupo de cuidados
paliativos do Icesp (Instituto
do Câncer do Estado de São
Paulo), defende que se criem
unidades especializadas para tratar paciente terminais
nos moldes do Programa
Saúde da Família -no qual
as pessoas são acompanhadas por equipes multidisciplinares em suas casas.
ANALGÉSICOS
Um estudo feito na Espanha em 2006 mostrou que a
criação de novas unidades
paliativas e o aumento da utilização do "homecare" (tratamento domiciliar) reduziu
as internações em salas de
emergência, produzindo
economia para o sistema.
Em nota, o Ministério da
Saúde informou que o serviço de internação domiciliar
para cuidados paliativos,
criado há quatro anos, atende hoje 6.000 pacientes.
O acesso aos opioides também é outro entrave. Segundo Matsumoto, além da burocracia para obtê-los, muitos médicos não sabem prescrevê-los na quantidade correta porque não são treinados adequadamente.
Estima-se que, no mundo
todo, 5 bilhões de pessoas
não tenham o acesso adequado a remédios para controlar a dor. Um dos motivos
é o excesso de burocracia
criado por governos receosos
de que as drogas migrem para o mercado ilegal.
Questionado sobre o assunto, o Ministério da Saúde
disse que, nos últimos três
anos, aumentou em 43% o
repasse de recursos para a
compra de analgésicos usados em cuidados paliativos.
Os gastos com codeína,
metadona e morfina subiram
de R$ 2,3 milhões para R$ 3,6
milhões. Segundo o ministério, os protocolos clínicos e
terapêuticos do controle da
dor estão sendo atualizados.
A falta de transparência na
relação entre o médico e o paciente também é outra situação comum. "O médico sempre deixa a última palavra
para algum tipo de procedimento. Não coloca como alternativa que não há mais
perspectiva", diz Oliveira.
Ele aponta ainda dificuldades culturais. "A população, de todas as classes sociais, vê na ação médica alguma coisa salvadora. Não
gostamos de falar da morte."
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