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Droga usada por atleta traz risco cardíaco
Hormônio eritropoietina tem venda livre pela internet e é consumido por esportistas para melhorar seu desempenho
Se uma pessoa saudável usa a substância, há produção excessiva de glóbulos vermelhos e mais chance
de coagulação sanguínea
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
Flagrada no teste antidoping
de cinco atletas brasileiros, a
substância EPO (eritropoietina) é vendida livremente pela
internet e também consumida
no país por esportistas amadores. Médicos afirmam que o uso
do remédio por pessoas saudáveis aumenta o risco de hipertensão, diabetes, infarto e derrame cerebral.
No organismo, o hormônio
eritropoietina é produzido pelos rins. Ele age nas células-tronco da medula óssea, aumentando a quantidade de glóbulos vermelhos. Desde que foi
sintetizado, na década de 80, é
usado no tratamento de anemias graves, como as que acometem os doentes renais.
No Brasil, o remédio é liberado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para venda nas farmácias, com receita médica -dependendo da
dose, pode chegar a R$ 1.200. A
maior parte, porém, é distribuída pelo Ministério da Saúde,
somente para pacientes com
anemia severa, dentro de um
programa de acesso a medicamentos excepcionais.
Mas o acesso on-line à droga
é bem fácil. A Folha localizou
quatro sites estrangeiros que
anunciam vender o remédio
sem a necessidade de receita
médica. Após o pagamento por
meio de transferência bancária, eles prometem que o medicamento chegue à casa do comprador em duas semanas.
Em grupos de relacionamentos, como o Yahoo e o Orkut,
também há muitas trocas de
mensagens entre atletas sobre
o uso do hormônio. A Folha
tentou contato com seis deles,
mas não teve resposta. Segundo a Polícia Federal, a importação ilegal do remédio é considerada crime de contrabando.
A pena pode variar de dez a 15
anos de prisão.
Ao aumentar o nível de glóbulos vermelhos no sangue, a
eritropoietina eleva a capacidade de transporte de oxigênio
pelo sangue. Com isso, mais
oxigênio alcança os músculos
para a produção de energia aeróbica, o que melhora a performance de ciclistas, corredores
de longa distância e outros
atletas de resistência. A estimativa é que o desempenho
cresça em até 15%.
Segundo a nefrologista Gianna Mastroianni Kirsztajn, professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), se
o atleta não tem anemia e toma
o remédio com o intuito de melhorar o desempenho, ele corre
o risco de apresentar problemas vasculares em razão do aumento da taxa de hemoglobina
no sangue. "Nenhum médico
prescreve essa substância para
quem não tem anemia. Do contrário, é um uso irregular da
medicação."
Quando uma pessoa saudável injeta a substância, há produção excessiva de glóbulos
vermelhos, o sangue se torna
mais espesso e, com isso, há riscos de coagulação sanguínea.
"Pode ocorrer obstrução dos
vasos e haver problemas cardiovasculares [como infarto e
derrames]", explica a médica.
Alteração vascular
O hematologista Garles Vieira, do Hospital A.C. Camargo,
explica que, além de aumentar
a viscosidade do sangue, a utilização da EPO sem necessidade
pode gerar alterações vasculares na microcirculação que podem desencadear uma propensão maior a tromboses.
"O atleta pode estar bem,
100% "fit", musculoso, correndo, mas, se tiver um histórico
familiar de doença cardiovascular, corre riscos [usando o
hormônio sintético]. E a gente
não tem como saber."
De acordo com a literatura
médica mundial, tudo indica
que o abuso da eritropoietina
teria causado a morte súbita de
18 ciclistas belgas e holandeses,
entre 1987 e 1990.
Com a intensificação dos testes antidoping, muitos atletas
têm adotado o hormônio sintético nos treinos. Depois, param
de usá-lo para chegar "limpos"
à competição. "Mas os efeitos
prejudiciais permanecem",
alerta Vieira.
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