São Paulo, sábado, 15 de agosto de 2009

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Droga usada por atleta traz risco cardíaco

Hormônio eritropoietina tem venda livre pela internet e é consumido por esportistas para melhorar seu desempenho

Se uma pessoa saudável usa a substância, há produção excessiva de glóbulos vermelhos e mais chance de coagulação sanguínea

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Flagrada no teste antidoping de cinco atletas brasileiros, a substância EPO (eritropoietina) é vendida livremente pela internet e também consumida no país por esportistas amadores. Médicos afirmam que o uso do remédio por pessoas saudáveis aumenta o risco de hipertensão, diabetes, infarto e derrame cerebral.
No organismo, o hormônio eritropoietina é produzido pelos rins. Ele age nas células-tronco da medula óssea, aumentando a quantidade de glóbulos vermelhos. Desde que foi sintetizado, na década de 80, é usado no tratamento de anemias graves, como as que acometem os doentes renais.
No Brasil, o remédio é liberado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para venda nas farmácias, com receita médica -dependendo da dose, pode chegar a R$ 1.200. A maior parte, porém, é distribuída pelo Ministério da Saúde, somente para pacientes com anemia severa, dentro de um programa de acesso a medicamentos excepcionais.
Mas o acesso on-line à droga é bem fácil. A Folha localizou quatro sites estrangeiros que anunciam vender o remédio sem a necessidade de receita médica. Após o pagamento por meio de transferência bancária, eles prometem que o medicamento chegue à casa do comprador em duas semanas.
Em grupos de relacionamentos, como o Yahoo e o Orkut, também há muitas trocas de mensagens entre atletas sobre o uso do hormônio. A Folha tentou contato com seis deles, mas não teve resposta. Segundo a Polícia Federal, a importação ilegal do remédio é considerada crime de contrabando. A pena pode variar de dez a 15 anos de prisão.
Ao aumentar o nível de glóbulos vermelhos no sangue, a eritropoietina eleva a capacidade de transporte de oxigênio pelo sangue. Com isso, mais oxigênio alcança os músculos para a produção de energia aeróbica, o que melhora a performance de ciclistas, corredores de longa distância e outros atletas de resistência. A estimativa é que o desempenho cresça em até 15%.
Segundo a nefrologista Gianna Mastroianni Kirsztajn, professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), se o atleta não tem anemia e toma o remédio com o intuito de melhorar o desempenho, ele corre o risco de apresentar problemas vasculares em razão do aumento da taxa de hemoglobina no sangue. "Nenhum médico prescreve essa substância para quem não tem anemia. Do contrário, é um uso irregular da medicação."
Quando uma pessoa saudável injeta a substância, há produção excessiva de glóbulos vermelhos, o sangue se torna mais espesso e, com isso, há riscos de coagulação sanguínea.
"Pode ocorrer obstrução dos vasos e haver problemas cardiovasculares [como infarto e derrames]", explica a médica.

Alteração vascular
O hematologista Garles Vieira, do Hospital A.C. Camargo, explica que, além de aumentar a viscosidade do sangue, a utilização da EPO sem necessidade pode gerar alterações vasculares na microcirculação que podem desencadear uma propensão maior a tromboses.
"O atleta pode estar bem, 100% "fit", musculoso, correndo, mas, se tiver um histórico familiar de doença cardiovascular, corre riscos [usando o hormônio sintético]. E a gente não tem como saber."
De acordo com a literatura médica mundial, tudo indica que o abuso da eritropoietina teria causado a morte súbita de 18 ciclistas belgas e holandeses, entre 1987 e 1990.
Com a intensificação dos testes antidoping, muitos atletas têm adotado o hormônio sintético nos treinos. Depois, param de usá-lo para chegar "limpos" à competição. "Mas os efeitos prejudiciais permanecem", alerta Vieira.


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