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Diagnóstico de deficit de atenção divide especialistas
Parte dos psiquiatras diz que números do transtorno são superestimados
Segundo psicólogo holandês que veio ao Brasil discutir o tema, não tratar a doença traz riscos para crianças
GUILHERME GENESTRETI
DE SÃO PAULO
O transtorno de deficit de
atenção e hiperatividade
(TDAH), distúrbio que prejudica o aprendizado de crianças, tem provocado intensa
polêmica no meio médico.
Segundo estimativas publicadas pela ABDA (Associação Brasileira de Deficit de
Atenção), cerca de 5% dos jovens são portadores do distúrbio, mas um grupo de especialistas critica o que chama de "superdiagnóstico da
doença" e as formas de lidar
com os sintomas.
Convidado para um simpósio internacional sobre
TDAH realizado neste mês
pela Universidade Federal de
São Paulo, o psicólogo Joseph Sergeant, da Universidade Vrije, Holanda, afirma
que o transtorno deve ser tratado o mais rápido possível.
"Um jovem portador de
TDAH que não desenvolveu
todos os seus potenciais por
falta de tratamento pode
nunca atingir objetivos como
ingressar numa universidade", afirma.
Sergeant diz que os médicos são mal preparados para
detectar o transtorno. "A medicina é setorizada e o transtorno é multifatorial. Não há
especialidade que domine
todas as áreas envolvidas no
problema."
SUPERDIAGNÓSTICOS
Para Marilene Proença,
conselheira-presidente do
Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, o problema é outro. Ela diz que há
uma "onda de superdiagnósticos" em curso, "feitos de
forma subjetiva e sem comprovação científica".
Segundo a psicóloga, muitos dos sintomas atribuídos
ao transtorno, como agitação, distração e dificuldade
de planejamento, são respostas da criança ao ambiente
ou até uma inadequação aos
métodos de ensino da escola.
Maria Aparecida Moysés,
professora de pediatria da
Unicamp, engrossa o coro:
"Eu não estou nem mesmo
convencida de que [o TDAH]
seja uma doença. Não há nenhuma comprovação neurológica disso", afirma.
Mas, para um grupo considerável de psiquiatras, não
se pode duvidar da existência do distúrbio e nem mesmo desprezar seus sinais.
O psicólogo holandês Sergeant afirma que o diagnóstico correto não leva em conta
só a presença dos sintomas,
mas o quanto eles prejudicam a vida da pessoa.
"Há pesquisas indicando
que portadores do transtorno
têm tendência de se tornar alcoólatras ou se envolver com
drogas e criminalidade."
Para Maria Conceição do
Rosário, professora de psiquiatria da Unifesp, as posições contrárias à caracterização da doença não passam
de escolhas políticas: "Existem mais de 17 mil artigos
científicos publicados sobre
o transtorno. Não dá pra dizer que não existe".
SUBMISSÃO QUÍMICA
Raul Gorayeb, colega de
Rosário no Departamento de
Psiquiatria da Unifesp, discorda dessa opinião.
"A atenção das pessoas varia conforme o interesse delas e querer transformar isso
no diagnóstico de uma doença é um absurdo", afirma.
Gorayeb vê problemas na
prescrição da Ritalina, remédio usado no tratamento do
transtorno, que pode ter efeitos colaterais graves: "O metilfenidato [componente da
Ritalina] é derivado da anfetamina, tem todos os efeitos
da anfetamina".
Sergeant rebate: "A medicação não é a única forma
possível de tratamento, mas
em casos mais severos, é a
mais recomendada".
A pediatra Maria Aparecida Moysés vê na medicação
uma forma de controlar as
crianças: "Aqueles que têm
comportamentos diferentes
passam a ser contidos, nem
que seja quimicamente", diz.
Segundo ela, os efeitos dos
remédios nas crianças são,
na verdade, reações adversas
a eles: "A criança fica tranquila, quieta, presta atenção,
mas isso é sinal de toxicidade
da medicação e não um efeito terapêutico".
Para Rosário, da Unifesp,
não é possível desprezar os
fatores biológicos do transtorno, ainda que o ambiente
exerça influência sobre o
comportamento da criança.
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