São Paulo, domingo, 17 de janeiro de 2010

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HISTÓRIA

É preciso aprender a sofrer

Médico que operou a apresentadora Hebe Camargo conta como é lidar com a pressão do trabalho e o apelo dos famosos

LeonardoWen/Folha Imagem
O cirurgião Antonio Macedo no hospital Albert Einstein, em SP, onde tem consultório

JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

O cirurgião-geral Antonio Luiz de Vasconcellos Macedo, 59, faz cerca de cinco cirurgias todos os dias desde que se formou na Faculdade de Medicina da USP, há 36 anos.
Já passaram por sua mesa de cirurgia Sílvio Santos, Dercy Gonçalves e vários políticos. "Mas a Hebe deu mais trabalho, porque a procura por ela foi muito maior", compara o médico. Ele liderou na semana passada a equipe que operou a apresentadora Hebe Camargo, no hospital Albert Einstein, e descobriu o câncer de peritônio (membrana que envolve órgãos na cavidade abdominal). Para lidar com a pressão do trabalho e do apelo dos famosos, Macedo faz exercícios físicos cinco vezes por semana e busca equilíbrio psicológico. "Você tem de ter um treinamento intelectual como o de um chinês. É preciso aprender a sofrer." Leia a seguir trechos da entrevista.

 


FOLHA - Por que se decidiu pela medicina e pela cirurgia?
ANTONIO MACEDO - Um tombo de cavalo que resultou em uma paralisia do lado direito do rosto quando eu tinha uns 12 anos me ajudou a decidir. Alguns achavam que eu estava imitando o John Wayne. Fiz tratamento, muitos exames, isso me trouxe para perto dos médicos. Os médicos falaram que eu teria graves problemas de visão e que eu até poderia ser médico, mas nunca de uma especialidade como a cirurgia.

FOLHA - Houve sequelas importantes? A família buscou alternativas?
MACEDO - Não tive nada e faço exames de visão sempre. Nunca procurei corrigir o defeito do rosto -e poderia fazer plástica com quem quisesse. Estou no 36º ano de formado, fazendo quatro ou cinco cirurgias todos os dias, e a vista nunca deu problema. Imagina se eu mexo no defeito e dá alguma coisa?

FOLHA - Como é atender os pacientes com câncer?
MACEDO - Há dois aspectos. O primeiro é dar ao paciente o máximo de tratamento possível, com o que há de mais moderno. O outro é dar a ele a dimensão do problema. Tento não dar um diagnóstico muito pessimista, senão o paciente se entrega e não ajuda. Ele é o grande colaborador do médico.

FOLHA - Como ocorre a conversa?
MACEDO - Tem de ser calma, transparente. O médico tem de mostrar uma luz no fim do túnel, nem que isso só conduza a melhor qualidade de vida. Sobretudo com pacientes idosos, a família pode tomar para ela a responsabilidade do diagnóstico completo, e o paciente recebe uma notícia mais amena.

FOLHA - O sobrinho da Hebe não queria que ela ficasse sabendo da doença pela imprensa...
MACEDO - A entrevista coletiva foi ótima. Agora ela lê revistas, porque já sabe o que tem. Ela sabe que há uma luz. Pode ser que dê certo, ou não, mas a chance maior é de que dê certo. Ela está confortável.

FOLHA - Como é lidar com a pressão quando a família de um famoso não quer comentar nada do caso?
MACEDO - É complicado lidar com os dois lados. Porque a família não quer que a gente fale nada, mas eles falam entre si e os repórteres acabam sabendo. E o médico é pressionado. O que a família da Hebe fez foi fantástico. Segurou as informações até ter o diagnóstico. Quando saiu, o sobrinho dela falou. Para mim, foi o melhor, porque aí não tem perigo de o médico falar o que a família não quer nem ocorre especulação.

FOLHA - Por isso, existe diferença entre tratar alguém com grande apelo público e um anônimo?
MACEDO - É mais ou menos a mesma coisa. Nas primeiras vezes, fiquei preocupado. Mas vemos que as pessoas procuram sempre o bem do paciente. Então, fico confortável de informar aos fãs e à imprensa. Antes, a relação com a imprensa não era tão amigável; no passado, a imprensa era mais agressiva, eles exigiam informação, não eram tão educados. Os repórteres não entendiam nada, hoje vêm perguntar sabendo tudo.

FOLHA - Quando ficou ansioso? Quem foram os famosos que lhe deram mais trabalho?
MACEDO - Quando um vice-presidente [Aureliano Chaves] ia ser operado no abdômen e eu fui chamado a Minas Gerais para dar opinião. Estava no começo de carreira e fiquei um pouco tenso. Quando operei o Sílvio Santos, há uns 20 anos, senti uma pressão muito grande, porque ele é imensamente popular. Mas ela [Hebe] é mais, viu? Deu mais trabalho, porque a procura por ela foi muito maior. E também porque o caso do Sílvio era mais simples. A Dercy Gonçalves também deu trabalho quando a operei de câncer de estômago, em 1990. A doença era grave, perigosa, ela estava bem debilitada e corria risco de morte muito sério. Era muita imprensa em cima.

FOLHA - Como separar essa pressão na mesa de cirurgia?
MACEDO - É preciso um preparo psicológico para não se estressar, seja em famoso, seja em anônimo. A respiração bem lenta é importante, para perder a ansiedade. Tem hora que nem posso respirar muito para não tremer. Um ser humano respira até 25 vezes por minuto. O cirurgião tem de baixar isso para 12, 14. As primeira sete horas, a saúde garante. Depois, só a cabeça manda. Para a cirurgia longa ser benfeita, você tem de ter um treinamento intelectual como o de um chinês. É preciso aprender a sofrer.

FOLHA - A cirurgia da Hebe foi muito longa?
MACEDO - A Hebe fez uma laparoscopia simples, durou umas três horas. Os colegas discutiam, eu tirava um nódulo e mandava para exame. Tirava outro e mandava para exame. No caso dela, não retiramos todos os nódulos, porque seria uma cirurgia muito grande e pouco eficiente, e atrasaria a químio. E o tratamento dela é basicamente de quimioterapia.

FOLHA - O sr. atende muitos pacientes idosos?
MACEDO - Hoje operamos muitos pacientes com câncer com mais de 80 anos. Quando me formei, não se operavam pacientes após os 70. Mas agora os resultados são melhores, e o médico pode causar um trauma menor, com técnicas como a laparoscopia com robô.

FOLHA - A técnica com robô é tão eficaz quanto a cirurgia aberta?
MACEDO - Vivi três fases da cirurgia. Primeiro abríamos toda a barriga, com bisturi. Em 1990, começou a laparoscopia, que não abria mais nada. Hoje, 90% das minhas cirurgias são laparoscópicas. Do último ano para cá, dedico-me intensamente ao robô, que faz cirurgias minimamente invasivas, mas mais profundas do que a laparoscopia. Nos próximos dez anos, seu impacto nos resultados de cirurgia será enorme.

FOLHA - Os pacientes já conhecem essa técnica?
MACEDO - Os doentes de hoje são diferentes. No passado, já vinham resignados a uma incisão enorme. Hoje, já chegam dizendo "eu vi no seu site que você opera pâncreas com robô. Dá para você operar o meu câncer com robô? Porque eu não quero ficar com uma cicatriz enorme para o resto da vida."


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