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HISTÓRIA
É preciso aprender a sofrer
Médico que operou a apresentadora Hebe Camargo conta como é lidar com a pressão do trabalho e o apelo dos famosos
LeonardoWen/Folha Imagem
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O cirurgião Antonio Macedo no hospital Albert Einstein, em SP, onde tem consultório
JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
O cirurgião-geral Antonio
Luiz de Vasconcellos Macedo,
59, faz cerca de cinco cirurgias
todos os dias desde que se formou na Faculdade de Medicina
da USP, há 36 anos.
Já passaram por sua mesa de
cirurgia Sílvio Santos, Dercy
Gonçalves e vários políticos.
"Mas a Hebe deu mais trabalho,
porque a procura por ela foi
muito maior", compara o médico. Ele liderou na semana passada a equipe que operou a
apresentadora Hebe Camargo,
no hospital Albert Einstein, e
descobriu o câncer de peritônio
(membrana que envolve órgãos
na cavidade abdominal).
Para lidar com a pressão do
trabalho e do apelo dos famosos, Macedo faz exercícios físicos cinco vezes por semana e busca equilíbrio psicológico.
"Você tem de ter um treinamento intelectual como o de
um chinês. É preciso aprender
a sofrer." Leia a seguir trechos
da entrevista.
FOLHA - Por que se decidiu pela
medicina e pela cirurgia?
ANTONIO MACEDO - Um tombo
de cavalo que resultou em uma
paralisia do lado direito do rosto quando eu tinha uns 12 anos
me ajudou a decidir. Alguns
achavam que eu estava imitando o John Wayne. Fiz tratamento, muitos exames, isso me
trouxe para perto dos médicos.
Os médicos falaram que eu teria graves problemas de visão e
que eu até poderia ser médico,
mas nunca de uma especialidade como a cirurgia.
FOLHA - Houve sequelas importantes? A família buscou alternativas?
MACEDO - Não tive nada e faço
exames de visão sempre. Nunca procurei corrigir o defeito do
rosto -e poderia fazer plástica
com quem quisesse. Estou no
36º ano de formado, fazendo
quatro ou cinco cirurgias todos
os dias, e a vista nunca deu problema. Imagina se eu mexo no
defeito e dá alguma coisa?
FOLHA - Como é atender os pacientes com câncer?
MACEDO - Há dois aspectos. O
primeiro é dar ao paciente o
máximo de tratamento possível, com o que há de mais moderno. O outro é dar a ele a dimensão do problema. Tento
não dar um diagnóstico muito
pessimista, senão o paciente se
entrega e não ajuda. Ele é o
grande colaborador do médico.
FOLHA - Como ocorre a conversa?
MACEDO - Tem de ser calma,
transparente. O médico tem de
mostrar uma luz no fim do túnel, nem que isso só conduza a
melhor qualidade de vida. Sobretudo com pacientes idosos,
a família pode tomar para ela a
responsabilidade do diagnóstico completo, e o paciente recebe uma notícia mais amena.
FOLHA - O sobrinho da Hebe não
queria que ela ficasse sabendo da
doença pela imprensa...
MACEDO - A entrevista coletiva
foi ótima. Agora ela lê revistas,
porque já sabe o que tem. Ela
sabe que há uma luz. Pode ser
que dê certo, ou não, mas a
chance maior é de que dê certo.
Ela está confortável.
FOLHA - Como é lidar com a pressão quando a família de um famoso
não quer comentar nada do caso?
MACEDO - É complicado lidar
com os dois lados. Porque a família não quer que a gente fale
nada, mas eles falam entre si e
os repórteres acabam sabendo.
E o médico é pressionado. O
que a família da Hebe fez foi
fantástico. Segurou as informações até ter o diagnóstico.
Quando saiu, o sobrinho dela
falou. Para mim, foi o melhor,
porque aí não tem perigo de o
médico falar o que a família não
quer nem ocorre especulação.
FOLHA - Por isso, existe diferença
entre tratar alguém com grande
apelo público e um anônimo?
MACEDO - É mais ou menos a
mesma coisa. Nas primeiras vezes, fiquei preocupado. Mas vemos que as pessoas procuram
sempre o bem do paciente. Então, fico confortável de informar aos fãs e à imprensa. Antes,
a relação com a imprensa não
era tão amigável; no passado, a
imprensa era mais agressiva,
eles exigiam informação, não
eram tão educados. Os repórteres não entendiam nada, hoje
vêm perguntar sabendo tudo.
FOLHA - Quando ficou ansioso?
Quem foram os famosos que lhe deram mais trabalho?
MACEDO - Quando um vice-presidente [Aureliano Chaves]
ia ser operado no abdômen e eu
fui chamado a Minas Gerais para dar opinião. Estava no começo de carreira e fiquei um pouco tenso. Quando operei o Sílvio Santos, há uns 20 anos, senti uma pressão muito grande,
porque ele é imensamente popular. Mas ela [Hebe] é mais,
viu? Deu mais trabalho, porque
a procura por ela foi muito
maior. E também porque o caso
do Sílvio era mais simples. A
Dercy Gonçalves também deu
trabalho quando a operei de
câncer de estômago, em 1990. A
doença era grave, perigosa, ela
estava bem debilitada e corria
risco de morte muito sério. Era
muita imprensa em cima.
FOLHA - Como separar essa pressão na mesa de cirurgia?
MACEDO - É preciso um preparo psicológico para não se estressar, seja em famoso, seja em
anônimo. A respiração bem
lenta é importante, para perder
a ansiedade. Tem hora que nem
posso respirar muito para não
tremer. Um ser humano respira até 25 vezes por minuto. O
cirurgião tem de baixar isso para 12, 14. As primeira sete horas, a saúde garante. Depois, só
a cabeça manda. Para a cirurgia
longa ser benfeita, você tem de
ter um treinamento intelectual
como o de um chinês. É preciso
aprender a sofrer.
FOLHA - A cirurgia da Hebe foi muito longa?
MACEDO - A Hebe fez uma laparoscopia simples, durou umas
três horas. Os colegas discutiam, eu tirava um nódulo e
mandava para exame. Tirava
outro e mandava para exame.
No caso dela, não retiramos todos os nódulos, porque seria
uma cirurgia muito grande e
pouco eficiente, e atrasaria a
químio. E o tratamento dela é
basicamente de quimioterapia.
FOLHA - O sr. atende muitos pacientes idosos?
MACEDO - Hoje operamos muitos pacientes com câncer com
mais de 80 anos. Quando me
formei, não se operavam pacientes após os 70. Mas agora
os resultados são melhores, e o
médico pode causar um trauma
menor, com técnicas como a laparoscopia com robô.
FOLHA - A técnica com robô é tão
eficaz quanto a cirurgia aberta?
MACEDO - Vivi três fases da cirurgia. Primeiro abríamos toda
a barriga, com bisturi. Em 1990,
começou a laparoscopia, que
não abria mais nada. Hoje, 90%
das minhas cirurgias são laparoscópicas. Do último ano para
cá, dedico-me intensamente ao
robô, que faz cirurgias minimamente invasivas, mas mais profundas do que a laparoscopia.
Nos próximos dez anos, seu impacto nos resultados de cirurgia será enorme.
FOLHA - Os pacientes já conhecem
essa técnica?
MACEDO - Os doentes de hoje
são diferentes. No passado, já
vinham resignados a uma incisão enorme. Hoje, já chegam
dizendo "eu vi no seu site que
você opera pâncreas com robô.
Dá para você operar o meu câncer com robô? Porque eu não
quero ficar com uma cicatriz
enorme para o resto da vida."
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