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Hospitais violam direito a acompanhante
Instituições descumprem lei federal que garante à mulher o direito de ter companhia de sua escolha durante o parto
Pesquisas sugerem que, se está acompanhada, a mulher sente menos dor e caem os índices de cesáreas e de depressão pós-parto
Eduardo Knapp/Folha Imagem
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A administradora Sydharta Cavalcanti, 33, que teve sua filha, Luana, sem a presença do marido, Anderson Sousa, 30, em SP
FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL
Quatro anos após entrar em
vigor a lei que garante à mulher
o direito de ter um acompanhante no parto, vários hospitais brasileiros ainda negam essa possibilidade às gestantes.
A lei, válida para todo o país,
afirma que os serviços ligados
ao SUS são obrigados a permitir a presença de um acompanhante -indicado pela parturiente- em todo o período de
trabalho de parto, parto e pós-parto imediato.
Segundo a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e
o Ministério da Saúde, a regra
inclui partos via convênio médico e do setor privado. Há um
ano, uma resolução da Anvisa
reforçou esse direito.
Na prática, não é o que acontece. A pedagoga Thaís Stella,
32, é uma das que tiveram o filho sozinha contra a vontade.
Seu marido, Antonio Araújo,
32, foi com ela ao Hospital Sorocabana, em São Paulo, mas
teve que ficar na recepção. "Parecia que eu ia ser presa. Tive
que entregar tudo, até meus
óculos. Tenho oito graus de
miopia, nem consegui ver meu
filho quando ele nasceu."
Antonio só ficou sabendo do
que estava acontecendo depois
que João nasceu, assim como
os outros pais presentes, conta
Thaís. Só pôde ver a mulher e o
filho na tarde seguinte, no horário de visitas.
Quando terminou o horário
de visitas, Thaís "implorou" ao
marido que não saísse. "Estava
me recuperando de uma cesárea, com dor, lutando para
amamentar. Não conseguia
cuidar bem do meu filho."
Ele chegou com a lei do
acompanhante impressa e disse que não sairia de lá. Após
muita resistência, segundo
Thaís, acabou ficando -e a outra paciente que dividia o quarto com ela pediu ao marido que
voltasse e ficasse também.
"Deu para ver que era uma
prática comum lá. Eles não têm
nem cadeiras para os acompanhantes", diz a pedagoga, que
ainda não obteve resposta para
a reclamação que fez na ouvidoria do hospital.
Benefícios à saúde
Pesquisas sugerem que diversos indicadores melhoram
com a presença do acompanhante no parto: a mulher sente menos dor, o bebê nasce em
menos tempo e mais saudável,
diminuem os índices de cesáreas e de depressão pós-parto e
há três vezes menos chance de
morte materna.
"O cidadão brasileiro já nasce
com seu direito desrespeitado.
É um vexame", diz Simone Diniz, professora da Faculdade de
Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo).
Em uma pesquisa com 1.673
mulheres que tiveram filho pela rede pública, ela constatou
que quase todas querem ter um
acompanhante e que muitas sabem da lei. "Elas não exigem
porque têm medo de retaliação,
de serem mais maltratadas."
Diniz diz que, mesmo quando o parto é de risco, o acompanhante não atrapalha o médico.
"E, para o bem-estar da mulher,
é melhor que ela tenha alguém
em quem confia do seu lado."
Hospitais afirmam que, como há várias mulheres por
quarto, a presença de um
acompanhante do sexo masculino pode atrapalhar a privacidade das pacientes.
Mas, segundo Lena Peres,
coordenadora da área de saúde
da mulher do Ministério da
Saúde, um levantamento em
um grande hospital mostrou
que, em 10 mil partos, só houve
três problemas com o acompanhante. "A lei é contundente: o
hospital tem que oferecer essa
possibilidade à mulher."
Ela diz que foi dado um prazo
de seis meses para que os serviços se adaptassem e que o Ministério tem recursos para
ações como colocação de biombos, cortinas e poltronas.
Marta Oliveira, gerente-geral
técnico-assistencial de produtos da ANS, diz que, se a enfermaria não comportar o acompanhante, o hospital deverá se
organizar para fazer isso.
No caso dos planos de saúde,
é obrigatório deixar o acompanhante com a mulher no mínimo por 24 horas após o parto.
Para o SUS, não há período definido -mas, segundo Peres,
dura todo o tempo de recuperação da mãe. "Pai não é visita."
Não foi o que aconteceu com
a administradora Sydharta Cavalcanti, 33, que teve sua filha,
Luana, hoje com um ano e dez
meses, no hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo.
Além de não permitirem que
seu marido ficasse com ela no
pré-parto e no nascimento, ele
só pôde vê-las horas depois, no
período de visitas.
"Era um sonho dele estar lá.
Ele pediu, mas achou que no
SUS não havia esse direito. O
parto não foi mais mágico porque ele não estava", diz ela.
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