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Projeto de lei cria polêmica entre categorias da saúde
Especialistas acham que definição estrita de atribuições não é de interesse da população e veem corporativismo
Conselho de médicos diz que lei preencherá lacuna ao regulamentar o exercício da profissão no país; outras categorias contestam
CLÁUDIA COLLUCCI
MÁRCIO PINHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Médicos e outras categorias
da área da saúde vêm travando
uma queda-de-braço desde o
último dia 21 de outubro, quando a Câmara dos Deputados
aprovou um projeto de lei conhecido por "ato médico" e que
agora tramita no Senado.
Pelo projeto, apenas médicos
estão autorizados a diagnosticar doenças e prescrever tratamentos. As outras 13 categorias
da área da saúde, não.
Fisioterapeutas, biomédicos,
enfermeiros e psicólogos, entre
outros, afirmam que perderão
sua autonomia de atuação caso
o projeto seja aprovado e sancionado pelo presidente Lula.
A versão é rebatida pelo CFM
(Conselho Federal de Medicina). O órgão alega que a lei
preencherá uma lacuna ao regulamentar o exercício da medicina, definindo os atos privativos dos médicos e resguardando as competências específicas das 13 profissões.
No entanto, para Gil Almeida, presidente do Conselho de
Fisioterapia do Estado de São
Paulo e integrante do movimento "Ato Médico Não", esse
"resguardo" é vago e vai gerar
discussão na Justiça.
Ele afirma que a lei proposta
engessará o desenvolvimento
das profissões e poderá dificultar o acesso à saúde caso seja
instituída uma triagem médica.
Pesquisadores da área da
saúde pública entendem que é
legítimo o projeto definir as
competências exclusivas dos
médicos, mas veem corporativismo. "Para os idosos, os doentes crônicos, é impossível a
gente pensar em cuidado integral sem a colaboração de uma
equipe multidisciplinar", diz
Lígia Bahia, professora de saúde pública da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Na avaliação de Luís Eugênio
Fernandes de Souza, professor
do Instituto de Saúde Coletiva
da Universidade Federal da Bahia, as disputas são legítimas,
mas o que está em jogo é uma
reserva de mercado. Ele diz que
não é interesse da sociedade
nem viável economicamente a
definição estrita de atribuições
para cada profissão.
"Temos uma série de programas de saúde pública, como o
da hanseníase, para os quais
existem protocolos bem definidos em que outros profissionais da saúde podem fazer, inclusive, a prescrição de medicamentos. Se o projeto proíbe isso, vai criar um obstáculo. E os
pacientes de cidades que não
têm médico? Deixarão de ser
atendidos?", questiona.
Souza lembra que há uma má
distribuição de médicos no
país. "No interior da Bahia, tem
prefeitura que precisa de médico, oferece salário de R$ 17 mil
e não encontra profissional."
Na opinião do desembargador do Tribunal de Justiça de
São Paulo Erickson Gavazza
Marques, a prioridade deve ser
sempre o atendimento à pessoa. "Nosso objetivo não é ser
guardião de profissão nenhuma. Se o médico não é capaz de
prestar determinado serviço,
não há razão para que outros
profissionais não possam prestar a assistência desde que isso
esteja bem regulamentado."
Falsa polêmica
Segundo o presidente do
CFM, Roberto d'Ávila, "no
mundo todo", o que caracteriza
a profissão médica é o diagnóstico e o tratamento de doenças.
"É só isso que queremos garantir. Está no senso comum, na
história da medicina. O resto é
falsa polêmica. Não há nada de
corporativismo."
Ele diz que em relação aos
programas de saúde que envolvam doenças crônicas -em que
enfermeiros prescrevem remédios, por exemplo-, nada vai
mudar. "O paciente só precisa
fazer o diagnóstico e receber a
primeira receita do médico."
Ávila afirma que há gestores
públicos que vêm delegando
competências médicas a outros
profissionais para baratear o
custo da saúde. "Há equipes de
saúde sem médicos, onde enfermeiros e outros profissionais estão fazendo diagnósticos, prescrevendo. Isso é inaceitável. Lutamos por equipes
completas, multidisciplinares,
onde cada um tenha sua função
específica", diz ele.
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