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Governo susta proposta de distribuir droga para AVC
Amplamente usado em hospitais privados, remédio reduz sequelas do derrame
Ministério diz que projeto de melhorar tratamento da doença continua, mas que "não se discute a inclusão de novos medicamentos"
FLÁVIA MANTOVANI
EDITORA-ASSISTENTE DO EQUILÍBRIO
O Ministério da Saúde interrompeu uma iniciativa que iria
implementar a distribuição,
pelo SUS, do único medicamento que trata o AVC (acidente vascular cerebral), a principal causa de morte no país.
Aprovado em 2001, o remédio é um tipo de trombolítico
(droga que dissolve coágulos)
cujo princípio ativo é a alteplase. Produzido pela empresa farmacêutica alemã Boehringer
Ingelheim, ele é hoje a única alternativa para tratar o AVC isquêmico, que representa 80%
dos casos no mundo.
De cada quatro pacientes tratados com o remédio até três
horas após o derrame, um sobrevive. Sua maior vantagem
está em reduzir as sequelas:
quando administrado em até
três horas após o derrame, aumenta em até três vezes a chance de recuperação completa,
sem problemas como incapacidade de fala e locomoção e distúrbios de memória.
Muito usado em hospitais
privados, o remédio só é distribuído em alguns centros públicos, como os hospitais universitários, que se dispõem a pagar
por ele, já que não o recebem do
SUS. Em alguns casos, as secretarias municipais e estaduais
bancam sua distribuição. Na cidade de São Paulo, nove hospitais públicos o oferecem, por
meio desse tipo de parceria.
O Ministério da Saúde afirma
que o Projeto Nacional de
Atendimento ao AVC, que visa
melhorar a atenção à doença,
continua em andamento e inclui ações como a agilização do
acesso desses pacientes às unidades de urgência, mas disse
que "no momento, não se discute a inclusão de novos medicamentos". Respondeu, ainda,
que, numa reunião na semana
passada, "reforçou o convite às
sociedades médicas (...) para
que participem do processo de
implantação dessa política".
Médicos que participaram
dessa reunião dizem que ficaram desapontados após o Secretário de Atenção à Saúde, Alberto Beltrame, dizer que distribuir a alteplase era "inviável". "Já tinham me dito que estavam mudando as prioridades.
Mas como pode a doença que
mais mata no país não ser prioridade?", questiona a neurologista Sheila Martins, presidente da ONG Rede Brasil AVC.
Ela foi contratada pelo ministério para ser consultora do
projeto, cargo que manteve até
março. Diz que foi chamada para implantar a distribuição do
trombolítico pelo SUS. "Eu é
que propus ampliar o projeto
para incluir outras ações, como
o treinamento dos hospitais
que receberiam o remédio."
O projeto vinha sendo desenvolvido em parceria com entidades como as sociedades brasileira e iberoamericana de
doenças cerebrovasculares, a
Academia Brasileira de Neurologia e a Associação Médica
Brasileira. Desde o ano passado, o sistema de saúde de diversos municípios vinha sendo organizado para receber os remédios e melhorar o atendimento.
Foi desenvolvido um projeto
piloto em Porto Alegre, que
mostrou que, após a distribuição do trombolítico, o índice de
pacientes de AVC que saíram
do hospital sem sequelas subiu
de 32% para 54%.
Elza Tosta, presidente da
Academia Brasileira de Neurologia, que estava na reunião da
semana passada no ministério,
diz que a notícia de que o trombolítico não seria mais distribuído foi uma surpresa. "Quem
conhece o AVC sabe que é um
remédio importantíssimo."
Ela afirma, porém, que sentiu que as portas continuam
abertas a outras contribuições
ao projeto. "Percebemos que a
distribuição do trombolítico
não está nos planos do governo,
mas que o restante poderia ser
feito. Estamos abertos a colaborar", diz a neurologista.
Ayrton Massaro, presidente
da Sociedade Iberoamericana
de Doenças Cerebrovasculares,
diz que agora não sabe como
orientar os médicos. "Não
adianta o paciente chegar à
emergência cedo se não podemos dar o remédio. Nos hospitais privados ele já é usado. Como as sociedades médicas vão
orientar os profissionais e os
pacientes se temos que trabalhar com dois sistemas opostos? Não dá para fazer duas medicinas", afirma.
Hospitais de referência
O projeto envolvia a escolha
de alguns hospitais de referência em cada região com estrutura para receber o trombolítico.
"Não podemos simplesmente
largar o remédio nos hospitais.
Se o médico não tiver cuidado,
pode ocorrer sangramento no
cérebro", diz Sheila Martins.
Os demais hospitais vinham
sendo treinados para implantar
outras medidas simples que,
segundo ela, não são seguidas,
como não deixar o paciente ter
febre ou glicemia muito alta.
Também vinha sendo criado,
em alguns pronto-atendimentos, um serviço apenas para o
atendimento de doenças circulatórias, como infarto e AVC. O
projeto envolvia, ainda, sistemas de telemedicina para a comunicação de locais mais distantes com especialistas treinados e ações de prevenção e educação da população.
Custo
Segundo Sheila Martins, o
custo anual de distribuir os
trombolíticos seria de R$ 5 milhões nos primeiros anos
-quando parte da rede pública
seria beneficiada.
Cloer Vescia Alves, que foi
coordenador-geral de Urgência
e Emergência do ministério até
março deste ano, diz que vários
estudos estavam avaliando o
custo-benefício da distribuição
do remédio. "Eles apontam que
é positivo. O custo do remédio
não se compara ao custo social
e econômico das sequelas que
ficam em quem não o utiliza. É
uma legião de pessoas que passa a depender da previdência."
Martins diz que vai continuar o projeto, tentando parcerias com as secretarias estaduais e municipais de saúde.
"Mas não é o ideal. Tem locais
que não vão conseguir comprar
o remédio por conta própria. É
o tipo de medicamento que tem
que vir do ministério, o SUS
tem que pagar."
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