São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2009

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Uma luta contra o câncer da família

Aos 40, economista retira os seios sem tumores para evitar risco de doença causada por mutação genética

Sergio Zacchi/Folha Imagem
A economista Maria Paula Merlotti em sua casa, em São Paulo

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Após ver a mãe e a irmã sucumbirem ao câncer de ovário, ter retirado um pequeno tumor no seio e acompanhado outros dois casos do mesmo tipo de câncer na família, a economista Maria Paula Merlotti tomou uma decisão radical: aos 40 anos, solteira e sem filhos, extirpou os seios há um ano e, até dezembro, retirará os ovários.
O fator decisivo para as cirurgias preventivas foi um teste genético que apontou que Maria Paula havia herdado da família da mãe uma alteração no gene BRCA-1, que a predispõe a tumores na mama e no ovário.
A retirada preventiva dos seios (mastectomia bilateral) e dos ovários (ooforectomia, que pode incluir a retirada do útero) em mulheres com alto risco de câncer, tem sido uma prática comum nos EUA e começa a se estabelecer também no Brasil.
No caso de Maria Paula, 41, o sinal vermelho se acendeu em 1986, quando a mãe descobriu, aos 54 anos, um câncer de ovário e morreu cinco anos depois, com metástase em outros órgãos. A vítima seguinte foi uma prima da economista, que teve câncer de mama há dez anos.
Em 2006, no período de um mês, Maria Paula e sua irmã mais velha, Maria Cristina, que vivia em Londres, tiveram o diagnóstico de câncer -no seio e no ovário, respectivamente.
"Eu fazia exames [entre eles, mamografia e ultrassonografia] anualmente. A sorte foi ter descoberto o tumor numa fase muito inicial, tinha menos de um milímetro. Fiz a quadrantectomia [cirurgia em que é removido um quarto da mama] e 40 sessões de radioterapia. Não precisei fazer quimio", conta.
A economista diz que, na época, encarou seu tumor como um aviso de que deveria mudar o seu estilo de vida. "Estava muito estressada, trabalhando demais. Quando descobri [o câncer], chorei, fiquei mal. Mas hoje vejo que a doença foi um sinal para eu mudar um pouco o foco das coisas. Depois da doença, o resto perde a importância porque você está preocupada em se curar, em ter saúde. Sinto-me melhor hoje."
A irmã de Maria Paula não teve a mesma sorte. O câncer de ovário é o tumor ginecológico mais difícil de ser diagnosticado e de maior letalidade: 70% dos casos são diagnosticados em estágio avançado e 80% das mulheres morrem em até cinco anos. Cristina morreu no mês passado, aos 51 anos, após dois anos de luta contra a doença.
O mau prognóstico da irmã, a morte da mãe e o teste genético positivo -feito em Londres, gratuitamente-, revelando que tinha a mutação do gene BRCA1, reforçaram a opção de Maria Paula pela mastectomia bilateral preventiva. A cirurgia, em janeiro de 2008, envolveu o esvaziamento das mamas e a imediata reconstrução com próteses de silicone.
"No começo foi muito difícil. No primeiro mês, sentia muita dor. Tinha dois drenos, que pareciam duas facas. Tive que diminuir o ritmo do trabalho. Mas eu não tinha outra opção. Ou encarava isso, com todos os riscos, ou ficava sempre com o fantasma do medo [de o câncer voltar] me assombrando."

Volta ao trabalho
Professora universitária e dona de um escritório de prestação de serviço, Maria Paula voltou ao trabalho um mês após a cirurgia. "Foi a melhor coisa. Até o exercício de escrever na lousa foi benéfico."
Ao retirar as duas mamas, a economista diz ter conseguido reduzir em 90% as chances de retorno do câncer. "Após perder a minha mãe e a minha irmã para o câncer, eu não iria ficar esperando para ver o que iria acontecer." No ano passado, outra prima da economista, da linhagem materna, teve câncer de mama aos 28 anos.
Agora, Maria Paula diz estar se preparando para retirar os ovários -a cirurgia ainda envolve a retirada do útero, também preventivamente. "Essa decisão está sendo mais difícil. Mas não vejo outra opção. O médico me disse que tenho 50% de chances de desenvolver o tumor ovariano", afirma ela, católica e devota de Nossa Senhora Aparecida.
Maria Paula é a única sobrevivente de uma família formada por pai, mãe e cinco filhos. O pai, três irmãos e uma irmã morreram em dois acidentes de carro, durante a infância e a adolescência da economista.
"De uma certa forma eu me sinto a última dos moicanos. Tenho tios, primos, amigos, mas, quando olho o porta-retrato, vejo que eu sou a última. Mesmo assim, eu mantenho acesa a chama da família, e a cirurgia foi uma forma de viabilizar isso, de me manter viva."


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