São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2011

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DEPOIMENTOS

'Meus pais dizem que é frescura'

DE SÃO PAULO

Há dois anos, A.P., 26, riscou no antebraço "help me" e foi flagrada pelo filho, então com oito anos. A marca custou a sair, mas foi substituída por outra: "Inútil".
"Porque é como eu me sentia na época", relata a paulista de Batatais, que já foi operadora de telemarketing mas hoje está desempregada. Ela afirma que começou se espetando com agulhas aos oito e até os 12 as feridas passaram despercebidas pelos pais, com quem mora até hoje.
Desde então, faz terapia com psicólogo uma vez por semana e toma drogas indicadas pelo psiquiatra: antidepressivo e antiepilético.
Depois dos 20 anos, ela passou a se cortar com gilete, faca, espátula de unha e caco de vidro. Até cartão de crédito ela já raspou no braço.
"Meus pais não entendem, dizem que é frescura. Minha família é dividida, sou única filha do segundo casamento do meu pai. Meus meio-irmãos não me aceitam."
"Tenho medo de algo dar errado. Aí me corto."

'Quando o sangue sai, sai tudo'

DE SÃO PAULO

A estudante paranaense E.F., 20, de Campo Mourão, criou uma comunidade no Orkut sobre o "cutting", para ajudar gente como ela, que se autoflagela há sete anos.
"Faço cortes com gilete. Dependendo do meu estado, pego o que vem pela frente: tesoura, caco de garrafa."
"Consigo ficar até um mês sem fazer, mas os dias vão passando, a pressão vai aumentando e acabo fazendo."
E.F. diz que briga muito com a mãe. O pai morreu quando tinha seis anos.
"Parece que quando o sangue sai, sai tudo." Enquanto se corta, ela diz que às vezes chora, às vezes ouve música.
Por cinco anos, ninguém percebeu que ela se cortava nos pulsos e coxas. "Sempre usei munhequeira, acham que é porque eu sou gótica."
A mãe só foi descobrir o problema quando a filha, aos 18, cravou a gilete mais fundo no pulso. "Sangrou bastante, fiquei desesperada." Teve de ser levada ao hospital, passou por psiquiatra. Há um ano tenta parar.

'A dor maior é quando cicatriza'

DE SÃO PAULO

O estudante T.S, 25, diz que se corta para se sentir vivo. A primeira vez, aos 14, foi sem querer. Durante uma briga com o irmão mais velho, agarrou o canivete e feriu a palma da mão. "Aliviou."
"Foi como se eu tivesse dado o soco nele e a humilhação tivesse acabado."
Passou a se cortar sempre que sentia angústia. Escondia as marcas com polainas.
"Eu saía à noite, transava com outros caras e aí me sentia culpado." Contou aos pais que era bissexual e fazia automutilação na mesma ocasião, aos 20."Hoje já é conhecido. Se estou de moletom, eles sabem que me cortei."
No Orkut, ele postou fotos de seus pulsos cortados.
Dois anos atrás, diz que chegava a se cortar todo dia.
A última vez que se cortou foi há um mês, depois de brigar com o rapaz com quem está saindo. "Eu me envolvo, fico dependente, e aí já era."
"Na hora não dói. A dor maior é quando cicatriza, coça e você fica pensando no porquê de ter sido fraco", diz.

'Depois tudo volta. Isso cansa'

DE SÃO PAULO

Os finais de semana de F.S., 18, são seus piores momentos. "É tudo monótono e eu fico péssimo", diz o programador de rádio de uma cidade no interior do Ceará.
Desde os 15 anos, quando começou, ele conta que só conseguiu se abster de se cortar por duas semanas.
Antes, já se queixava de depressão e apresentava manias, como a de só ver TV com o volume em um número múltiplo de cinco.
O rapaz é o único filho adotivo de uma família com quatro filhas biológicas. O pai trabalha em outra cidade.
"Eu queria ver sangue", diz sobre o seu primeiro corte, hoje uma marca no pulso esquerdo. "Me sentia culpado, me cortando aliviava. Tive criação perfeita e queria retribuir, mas não consigo."
Três meses atrás ele cortou a perna na região da coxa. "Não conseguia nem andar."
F.S. diz não ter esperança de parar. "O médico só vai me dar remédios, fazem bem por um momento, depois tudo volta. Isso cansa demais."


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