|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Não há autonomia pela metade
HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
Embora os médicos tenham
exaltado seu novo Código de
Ética como uma vitória da autonomia do paciente, trata-se
de propaganda enganosa.
Numa redação aliás bastante
semelhante à do diploma anterior, o artigo 31 do novo estatuto, que vigora desde o último
dia 13, veda ao médico "desrespeitar o direito do paciente ou
de seu representante legal de
decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas
ou terapêuticas, salvo em caso
de iminente risco de morte".
Não é preciso mais do que
um nanograma da boa e velha
lógica aristotélica para perceber que a inclusão do "salvo em
caso iminente de morte" anula
tudo o que vem antes.
Não existe meia autonomia.
Ou o cidadão tem o direito de
decidir soberanamente os tratamentos que acatará, independentemente das consequências, ou não tem. Não dá
para limitar a autonomia à retirada de joanetes e outras situações que não ameacem a vida.
Nesse contexto, faz sentido a
decisão do Estado do Rio de Janeiro de permitir que membros
plenamente capazes da igreja
Testemunhas de Jeová recusem transfusões de sangue, como determinam os dogmas
dessa religião.
O direito de recusa a tratamentos deriva diretamente da
Constituição, tanto do inciso
VI do artigo 5º, que assegura a
liberdade religiosa, quanto do
inciso II, pelo qual ninguém está obrigado a fazer nada que
não esteja fixado em lei. E, exceto em raríssimos casos como
os de internações psiquiátricas
involuntárias, não há leis que
obriguem uma pessoa a aceitar
terapias que não queira.
De resto, essa discussão chega ao Brasil com pelo menos
uma década de atraso. Na
maioria das democracias ocidentais, é reconhecido o direito
de recusar transfusões. A situação muda no caso de menores.
Aí é comum que médicos e hospitais recorram à Justiça para
realizar o procedimento à revelia dos pais. O pressuposto é
que a adesão religiosa precisa
ser fruto de uma decisão livre
do indivíduo, não de seus pais.
Texto Anterior: Conselho diz que risco de morte é limite Próximo Texto: Foco: Doença rara faz menino envelhecer mais rápido Índice
|