São Paulo, terça-feira, 27 de abril de 2010

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ANÁLISE

Não há autonomia pela metade

HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Embora os médicos tenham exaltado seu novo Código de Ética como uma vitória da autonomia do paciente, trata-se de propaganda enganosa.
Numa redação aliás bastante semelhante à do diploma anterior, o artigo 31 do novo estatuto, que vigora desde o último dia 13, veda ao médico "desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte".
Não é preciso mais do que um nanograma da boa e velha lógica aristotélica para perceber que a inclusão do "salvo em caso iminente de morte" anula tudo o que vem antes.
Não existe meia autonomia. Ou o cidadão tem o direito de decidir soberanamente os tratamentos que acatará, independentemente das consequências, ou não tem. Não dá para limitar a autonomia à retirada de joanetes e outras situações que não ameacem a vida.
Nesse contexto, faz sentido a decisão do Estado do Rio de Janeiro de permitir que membros plenamente capazes da igreja Testemunhas de Jeová recusem transfusões de sangue, como determinam os dogmas dessa religião.
O direito de recusa a tratamentos deriva diretamente da Constituição, tanto do inciso VI do artigo 5º, que assegura a liberdade religiosa, quanto do inciso II, pelo qual ninguém está obrigado a fazer nada que não esteja fixado em lei. E, exceto em raríssimos casos como os de internações psiquiátricas involuntárias, não há leis que obriguem uma pessoa a aceitar terapias que não queira.
De resto, essa discussão chega ao Brasil com pelo menos uma década de atraso. Na maioria das democracias ocidentais, é reconhecido o direito de recusar transfusões. A situação muda no caso de menores. Aí é comum que médicos e hospitais recorram à Justiça para realizar o procedimento à revelia dos pais. O pressuposto é que a adesão religiosa precisa ser fruto de uma decisão livre do indivíduo, não de seus pais.


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