São Paulo, quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

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Para estudo, estresse antes da concepção adianta parto

Tensão excessiva nos 6 meses anteriores à gravidez eleva risco de prematuridade

Pesquisa foi feita com dados de 1,35 milhão de mães; hormônios estressores podem alterar ovulação e formação da placenta

Marlene Bergamo/Folha Imagem
Carla Rangel, que sofreu forte estresse antes da gravidez, com a filha Bárbara, de nove meses

JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma pesquisa realizada com base em dados de mulheres que deram à luz uma criança viva na Dinamarca de 1979 a 2002, o que equivale a 1,35 milhão de mães, mostrou que o estresse severo até seis meses antes da concepção pode levar a um parto prematuro. Pesquisadores da Universidade de Manchester, no Reino Unido, constataram que problemas importantes com algum parente próximo aumentaram o risco de parto prematuro em 16%. Problemas sérios com o filho mais velho aumentaram as chances de nascimento até 37 semanas de gestação em 23% e de parto antes da 33ª semana em 59%.
"Definimos estresse como morte ou doença séria em um parente próximo. Esses eventos são objetivos e puderam ser extraídos dos registros dinamarqueses com precisão. Mas outros estressores, como trabalho e problemas financeiros, podem ter efeitos semelhantes, mas são mais difíceis de medir em nível populacional", disse à Folha Ali Kashan, responsável pela pesquisa.

Pesquisas
Há poucos estudos que trazem essa relação, de acordo com especialistas. "Um trabalho científico [relacionando estresse antes da concepção e prematuridade] é algo novo, mas o tema está muito em alta porque, apesar do aumento da qualidade do pré-natal, o número de prematuros aumentou em diversos países -o estresse é um dos fatores. Estresse com marido e familiares, gravidez indesejada e agressão física também têm sido relacionados à gravidez pré-termo", diz Ricardo de Carvalho Cavalli, professor do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da USP (Universidade de São Paulo) de Ribeirão Preto.
Para o ginecologista Roberto Bittar, membro da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) e da comissão científica da Sogesp (Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Estado de São Paulo), o trabalho é relevante. "A amostra é grande e isso é importante em ciência." No entanto, ele acredita que outras causas também possam ter contribuído para os partos prematuros entre as mulheres estudadas. "Na metodologia, não foram afastadas as outras causas de parto prematuro, então fica muito difícil afirmar que os partos ocorreram [prematuramente] por um estresse preconcepção." Mesmo assim, é possível dizer que o estresse pouco antes de engravidar e nos dois primeiros trimestres de gravidez pode aumentar as chances de prematuridade -e também de abortamento e pré-eclampsia.
"Ainda estamos estudando, mas há indícios de que o estresse libera substâncias que provavelmente causariam contrações uterinas e parto antes da hora e pressão alta na gravidez", diz Cavalli.
Hipótese semelhante têm os pesquisadores do estudo. Para eles, o estresse causado por eventos severos pode aumentar a liberação do hormônio corticotropina e aumentar a produção de cortisol. "Fatores estressantes severos próximos ao tempo de concepção podem alterar os níveis de cortisol maternos e a produção de corticotropina, que regula ovulação, implantação e placentação [formação da placenta]. Também foi observada, em mulheres que pariram prematuramente, elevação precoce de corticotropina na placenta", afirmou Kashan.

Planejamento
Para minimizar riscos, é importante planejar a gravidez com atenção. "O grosso da população não tem idéia de que tem de passar no obstetra para avaliar se é o melhor momento para ter um filho. Na consulta preconcepcional, é pedido um histórico da atividade profissional da mulher. É muito importante dizer à mulher que deve resolver os problemas no casamento e no emprego antes. Não dá para querer engravidar no meio de uma crise", aconselha Bittar.
Buscar melhor qualidade de vida ajuda a evitar não somente a prematuridade como outros problemas da gravidez. "Estar bem dentro de casa é um dos tratamentos contra nascimento prematuro e até contra abortos de repetição. Há mulheres que sofreram mais de dois abortos, fizeram vários exames e nenhuma causa foi encontrada. Qual é o tratamento? Viver bem, diminuir as causas do estresse", diz Cavalli.
A preparação que deve ocorrer antes da gravidez também aborda outras questões que influenciam na gestação, como alimentação, tratamento de uma eventual doença sexualmente transmissível, controle de peso, de diabetes e de pressão arterial. "Tudo isso influencia a gravidez. A pessoa deve ser vista como um todo. Se fosse feito um acompanhamento geral, teríamos muito menos complicações hoje", diz Bittar.


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