São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2008

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FINA

Planeta Ana Paula Junqueira

por Eliane Trindade, de Londres e Saint-Tropez

Ela caminha de Havaianas pela calçada da fama de sua casa em Saint-Tropez. Percorre com seus pés número 36 o passeio do hall de entrada repleto de estrelas em bronze que levam os nomes de Liza Minelli, Duke Ellington, Jack Nicholson e Frank Sinatra. É uma reprodução caseira do "Walk of Fame" de Hollywood em homenagem aos astros que foram hóspedes da Maison du Cap, quando ali residia o lendário produtor francês Eddie Barclay, morto em 2005.

Esse hoje é o endereço da brasileira Ana Paula Junqueira no verão europeu. A vila, que está ganhando novos 1.600 m de área construída, parece feita sob medida para abrigá-la.

Na última semana de junho, Ana Paula jantou com Nelson Mandela, dançou na festa de Elton John e foi recebida na residência do primeiro-ministro da Islândia. Badalou ainda no barco do milionário russo Vladimir Doronin, namorado da amiga, Naomi Campbell.

Essa brasileira de 37 anos -que até os 15 viveu na fazenda dos pais em Santa Rita do Passa Quatro, município paulista de 27 mil habitantes a 253 km da capital- vive hoje entre Londres, Paris, Nova York, Saint-Tropez e São Paulo.

Ainda mantém laços com a cidade natal, "terra do imortal compositor Zequinha de Abreu". "Tenho saudade da adolescência em um ambiente simples e com muita liberdade." A mãe, Ana Maria, também. "Ela vivia descalça em cima da jabuticabeira e era gorducha, pois comia na colônia com os empregados e depois, em casa", conta a matriarca dos tradicionais Junqueira, 69 anos, que hoje mora em Ribeirão Preto. A família se desfez da fazenda Aurora, em Santa Rita, onde criou os quatro filhos. "Aos 14 anos, a lagarta virou borboleta", brinca Ana Maria sobre a caçula.

Ana Paula saiu do casulo para vôos maiores. A distância que a separa da vida simples no interior é hoje percorrida em jatinhos. Não há como evitar o clichê, mas a filha do fazendeiro Lincoln Azevedo Neto é mesmo uma princesa moderna que, com seus olhos verdes e um jeito de menina, conquistou o bilionário sueco Johan Eliasch, 46.

Ele ganhou a primeira página dos jornais depois de ter os seus negócios na Amazônia, onde adquiriu 140 mil hectares de terra, investigados pelo governo brasileiro (leia texto à pág. 23).

Ana Paula e Eliasch se conheceram em Saint-Tropez, em maio de 2002, no aniversário de Naomi e do brasileiro Pedro Paulo Diniz (herdeiro do grupo Pão de Açúcar e primeiro namorado dela).

Depois de seis anos, Eliasch e Ana Paula decidiram oficializar a união neste mês em um cartório londrino. "Não vai mudar nada", diz ela, que não vai adotar o sobrenome do marido, dono de uma fortuna avaliada em R$ 1,4 bi. Ana Maria abençoa o casamento: "Ele é sério, não é de oba-oba. Por isso, os brasileiros estranham".

O casamento sem festa destoa do estilo de vida do casal. Festança é o que se espera de uma socialite, aposto que vem sempre colado ao nome de Ana Paula, mas que ela odeia. "Não sou socialite. Trabalho, tenho outros interesses."

Sua rotina é, de fato, mais rica do que a de mulheres que vivem só para se enfeitar, ainda que dedique boa parte do seu tempo à tarefa. "Não vou às festas para falar de cabelo e manicure", afirma Ana Paula. "Alimento meu cérebro." Era boa aluna, nota oito, segundo a mãe, embora a CDF fosse a irmã, Renata, que sempre tirava dez.

BILL CLINTON E MANDELA

O almoço está marcado para as 13h30 no Cipriani, restaurante badalado no elegante bairro de Mayfair, em Londres. Ana Paula veste um "maxipull" Stella McCartney e bolsa Chanel prata.

É recebida com a intimidade reservada aos habitués. Um dos donos se aproxima. "Você vai para Saint-Tropez?", pergunta Fabrizio. "Vou no sábado", responde ela, em um italiano perfeito, uma das quatro línguas que domina, além do inglês, o francês e o português.

Fabrizio é sócio de Flavio Briatore, o manda-chuva da Renault na F-1, a quem conhece desde o namoro com o então piloto italiano Gianni Morbidelli. Começava ali, aos 21 anos, a rotina de Ana Paula no jet-set. "Tinha glamour, mas não foi nada fácil", lembra. "Afinal, saí de casa cedo e estava longe de pai e mãe, me virando sozinha."

A brasileira passou seis anos ao lado do piloto. Desistiu da faculdade de administração e se estabeleceu na Itália. Na verdade, vivia pelo mundo seguindo o circo da F-1.

Magérrima (50 kg, 1m65) e com os cabelos no tom castanho natural, Ana Paula tem a pele perfeita de mulher bem cuidada. Foi contaminada pela onda que faz as bocas inflarem, graças às técnicas de preenchimento labial.

Sem afetação, ela fala de um mundo povoado de personalidades da política, do cinema, da moda e dos esportes. "Trato todos como pessoas e não como celebridades", diz, referindo-se a Uma Thurman, Bill Clinton e Nelson Mandela. "Sou privilegiada por estar em contato com gente que faz coisas importantes para mudar o mundo."

No dia seguinte, ela seria uma das convidadas do jantar pelos 90 anos do homem que venceu o apartheid. De última hora, decidiu mudar o traje. Uma costureira da Dolce & Gabbana vai até a suíte que Ana Paula e o marido ocupam no tradicional hotel Claridge's, residência provisória do casal. O tomara-que-caia cereja precisa de ajuste na barra e na cauda.

Nos cabides do closet, uma infinidade de opções, com etiquetas tão caras quanto Chanel e Valentino, não agradou à dona, que tem roupas espalhadas pelas quatro residências. "É mais fácil comprar um novo do que ela lembrar do que tem em casa", diz Mônica Cardoso, ex-modelo e uma das amigas mais próximas de Ana Paula, que acompanha a prova do vestido.

Temporada de liquidação

Do Cipriani, Ana Paula segue para a Gagosian Gallery. Vai ser apresentada a obras que poderão enfeitar as paredes de sua nova casa em Londres, cuja reforma já dura quatro anos. "Era para ficar pronta em agosto, mas só vamos nos mudar em novembro", resigna-se, com a fleuma de quem vive com conforto em qualquer lugar.

Viu quadros de até 1 milhão de libras (R$ 3,5 milhões). Divertiu-se com o trabalho do americano Tom Friedman, entre eles, uma instalação com meleca de nariz e um quadro que reproduzia a árvore da vida com o dedo médio em riste, imitando um falo em várias posições.

Antes de fechar qualquer compra, iria consultar o marido. O endereço da família Eliasch em Londres será numa antiga propriedade do duque de Westminster, de cinco andares, tombada pelo patrimônio histórico. A casa virou um canteiro de obras interminável. Cada mudança precisa de prévia aprovação. O projeto é do arquiteto francês Tristan Aurer, que conduziu a última reforma de Mick Jagger.

Com tantas paredes para decorar, Ana Paula foi recebida na porta pela marchand, ciente do potencial da cliente. E que potencial. Nos arredores da Oxford Street, Ana Paula faz a alegria dos vendedores. "A gente briga por ela", entrega o português Paulo, atendente da loja de Stella McCartney.

"Não vou às festas para falar de cabelo e manicure; alimento meu cérebro"

Afinal, a cliente tem uma agenda social que passa pelo tapete vermelho de Cannes (Eliasch é sócio da produtora London Films) e pelas áreas VIPs dos torneios mais importantes de tênis (o marido é dono também da Head, gigante de produtos esportivos que patrocina tenistas como Marat Safin).

Ela se encanta por um vestido da promoção de verão da estilista Stella McCartney. "Ana Paula, você não é mulher de liquidação", esnoba o vendedor. Ledo engano. "No Brasil, as roupas estão caras. Tem jovem estilista que cobra mais caro por um vestido do que uma Stella McCartney", critica, enquanto paga com seu cartão de crédito

790 libras (cerca de R$ 2.500) por um longo com 50% de desconto.

Em 26 de junho, os jornais ingleses estampavam as fotos de Mandela e seus convidados. Na lista dos 520 presentes no Hyde Park na noite anterior, Ana Paula dividiu a mesa com o marido e Naomi Campbell, acompanhada do namorado. Logo na chegada, encontrou o ex-tenista Boris Becker que lhe cobrou uma promessa: a de lhe arrumar uma namorada brasileira.

Mas ela prestou um favor mesmo ao bilionário russo, em fase de encantamento por Naomi. O fez desistir de uma obra com as mãos de Mandela, peça do leilão beneficente que a top desejava levar para casa. "Quando Vlad ofereceu 1,7 milhão de libras, disse que era loucura e que devia ajudar a ONG do Mandela de outra forma", conta.

Ana Paula não pagou as 10 mil libras (cerca de R$ 31.800) pelo convite. Foi como convidada de Naomi. Eliasch decidiu ir na última hora. "Foi ótimo. Ele nos levou até a mesa do Gordon Brown", diz Ana Paula, referindo-se ao primeiro-ministro britânico, de quem o marido é conselheiro para assuntos ambientais.

Ela transita entre as diversas rodas com desenvoltura, mesmo quando a sisudez do companheiro se impõe. "Normalmente, o Johan é amigo dos pais dos nossos amigo e eu, dos filhos."

Ana Paula sonha com um lugar de destaque na política. Em 1994, lançou-se deputada federal pelo PMDB. Teve 40 mil votos e levou uma suplência. Em 2006, candidatou-se a deputada estadual pelo PF. Conseguiu 32 mil votos também insuficientes para elegê-la.

Enquanto não chega lá, ocupa cargos como a presidência da Associação das Nações Unidas no Brasil e da seção paulista da Liga das Mulheres Eleitoras. "Ana Paula poderia viver sem se preocupar com o outro, mas pensa na coletividade", diz Guiomar Oricchio, 79, presidente de honra da entidade. "É inteligente, de boa família e não faz distinção entre o rico e o pobre."

Antes de subir de novo no palanque, Ana Paula precisa convencer o marido. "O último lugar que o Johan quer me ver é envolvida em política", diz ela, que contou com o entusiasmo dele em 2006, quando o sueco percorreu o interior de São Paulo. Distribuía santinhos e se empanturrava de picolé.

Naquela tarde, o casal tratava de assuntos mais amenos. Ana Paula ligou para o marido para informá-lo sobre a ninhada da cadela Linda, uma golden que fica na casa deles em São Paulo: "Nasceram seus nove filhinhos". Eliasch, pai de dois adolescentes do primeiro casamento, não conta com o entusiasmo da mulher para lhe dar um herdeiro brasileiro. "Não sei se quero ter filho", diz ela. "Não precisamos de uma criança para dar sentido ao fato de estarmos juntos."

Livre para se dedicar a um estilo de vida que não combina com choro de bebê, Ana Paula precisa correr. Não quer se atrasar para o jantar que Elton John realiza há dez anos em prol das vítimas da Aids em sua propriedade, em Windsor.

Tira da bolsa Balenciaga um par de Havaianas. Desce do salto 12 da Prada e acelera o passo rumo à loja de departamentos Selfridges. Vai direto ao estande da M.A.C. se informar sobre os serviços gratuitos para clientes da marca.

Não foi a única entre as 600 convidadas de Elton John a ter a mesma idéia. Enquanto a maquiadora caprichava no contorno dos olhos de Ana Paula, entusiasmada com a cliente que iria à festa mais comentada da cidade, chega a designer Melissa Odabash. As duas se cumprimentam efusivamente, falam do compromisso de logo mais e a inglesa entra na fila. "Pago 7 pounds (cerca de R$ 22) por um produtinho e faço um make ótimo", explica Melissa.

"Ela vivia descalça em cima da jabuticabeira e era gorducha"(Ana Maria, a mãe)

Ana Paula ficou satisfeita com o resultado da maquiagem feita em pé no balcão. São 16h30 e o cabeleireiro a espera no hotel. Tinha novas opções que chegaram pelo correio na tarde anterior: três vestidos da última coleção de alta-costura assinada por Valentino.

Foi em um look preto Dolce & Gabbana que ela desfilou pelo evento. De novo, cruzou com Bill Clinton. Preço do convite: 3.000 libras (R$ 9.500, aproximadamente).

O fim de semana em Saint-Tropez promete ser mais calmo. Na Maison du Cap, Ana Paula conta com o apoio de um belo staff, boa parte vinda do Brasil. É o caso do "faz-tudo" Guilherme, ex-garçom do Copacabana Palace que encantou o casal Eliasch por seus modos educados. Foi trabalhar no iate de Ana Paula, com seus seis quartos, salões sofisticados e heliponto.

Como o megabarco Moecca está alugado nesta temporada, ele faz as vezes de motorista. "Foi a oportunidade da minha vida", diz Guilherme, que comprou apartamento e vai se casar com uma francesa. Ana Paula também convidou um cabeleireiro de São Paulo para se mudar para Saint-Tropez. "Fica mais barato mantê-lo direto do que pagar por escovas e manicure."

Apesar de fazer contas, ela é conhecida pela generosidade. "Ana Paula tem um coração enorme", diz Naomi. As duas se falam várias vezes ao dia e desfrutam daquela intimidade entre amigas que dividem até suspeitíssimas pílulas para emagrecer, receitadas pela manicure da brasileira.

Virginiana, Ana Paula se tornou mestre na arte de se equilibrar entre vários mundos. "Seria um desperdício não aproveitar as oportunidades que tenho para fazer coisas sérias", afirma ela, que espera o apoio de grandes nomes em um projeto da Head de espalhar quadras de tênis por favelas.

Está articulando trazer ao Brasil o Fashion Rocks, evento que mistura música e moda com renda revertida para causas sociais. Será também a patronesse da festa beneficente dos 40 anos da loja inglesa de bijuterias finas Butler & Wilson, que era uma das preferidas da princesa Diana. Ocupará o papel que na versão anterior foi de um membro da realeza, a princesa Anne.

Supersticiosa, ela diz que vai preparar sal grosso para se defender dos invejosos que vão ler a

Serafina. Ainda mais quando virem nas revistas de celebridade as imagens de Ana Paula recebendo Michael Douglas e Catherine Zeta-Jones para um almoço na Maison du Cap, na última quarta-feira, dia 30 de julho, em Saint-Tropez.

"A Amazônia é um santuário", diz Eliasch

De família tradicional sueca, Johan Eliasch deixou a confortável posição no próprio país para imigrar para a Inglaterra, onde aos 46 anos figura na lista dos 50 homens mais ricos. Só vai herdar a fortuna familiar daqui a quatro anos. Aluno exemplar, ele se formou em economia em dois anos e aposta em um leque de negócios.

No Brasil, a compra da Gethal e, por tabela, de duas grandes áreas na Amazônia só lhe trouxe dores de cabeça. A Justiça Federal do Amazonas determinou a indisponibilidade dos bens, contas bancárias e parte das terras da empresa. O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) multou a Gethal em R$ 381,2 milhões, acusando-a de explorar, comercializar e transportar madeira nobre da floresta.

A defesa de Eliasch argumenta que tais práticas diziam respeito ao passado da empresa. "Ele ficou chateado com toda essa história, pois a ONG tem gente muito séria", diz Ana Paula Junqueira, se referindo à Cool Earth, fundada pelo marido em parceria com Frank Field, ex-ministro britânico. No site da organização, os dois são apresentados como homens influentes que propõem formas modernas de proteger as florestas tropicais e combater o aquecimento global.

Eliasch concordou em responder, por e-mail, a algumas questões sobre as influências que a mulher brasileira agregou à sua vida.

Música: "Meu preferido é Gilberto Gil. Já vi um show dele na França"
Português: "A primeira frase que aprendi a falar foi 'Eu te amo'"
Futebol: "Gosto do São Paulo. Na Inglaterra, torço pelo Chelsea"
Jogador: "Ronaldo, Fenômeno, com quem jogo golfe"
Comida: "Feijoada e churrasco"
Ana Paula: "É uma mulher forte e de ideais fortes"
Amazônia: "É um santuário"
Mulher brasileira: "Bastante difícil de lidar"

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