São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FINO

Su casa

por GUSTAVO FIORATTI

Os brinquedos de Houssein Jarouche, o criador da loja de móveis que mistura alto design internacional com banquetas de papelão

A receita se resume a um traço: o espírito de caçar novidades para vender um banquinho de papelão kraft por R$ 50 ao lado de um sofá Polder de R$ 36.800. Foi essa versatilidade de um olhar que varre com igual distância o design de luxo internacional e criações de brasileiros que mal saíram do papel que colocou a loja Micasa em destaque desde sua abertura -primeiro em 1998, em São Bernardo (Grande SP); depois, em 2004, na rua Estados Unidos, nos Jardins.

São dez anos de história conduzidos pelo empresário e designer Houssein Jarouche, 34, o proprietário desse pequeno espaço de decoração. Um cara meio descolado, meio jovem, meio empreendedor e meio várias outras coisas.

Autor de um barril de latão que, após passar por polimento, vira uma mesa de R$ 2.500, ele tem a pompa de um "bon vivant", mania de colecionar coisas -principalmente carros e brinquedos- e concilia toda essa fachada moderna com uma formação muçulmana tradicional, herdada de pais libaneses que chegaram ao Brasil nos anos 50.

É o segundo filho mais novo de nove irmãos. Quase todos se dedicam ao mesmo ofício: vender móveis. Guarda nas lembranças a infância em Santo André, embebida por hábitos religiosos, numa casa de classe média de três quartos.

Atualmente, conhece as baladas do circuito mais moderno de São Paulo. Freqüenta clubes como o Vegas e o D-Edge e aberturas de exposições nas galerias Vermelho, Leme e Triângulo. Mas não abandona o hábito de se apresentar, ao menos uma vez por semana, às reuniões de uma mesquita em São Bernardo do Campo.

À ESPERA DO FILHO

Casou-se em cerimônia muçulmana com a estilista Adriana Barra, que tem formação católica. "Minha religião permite que eu me case com uma mulher de qualquer outra crença, com a condição de que seja uma religião monoteísta", explica. Talvez ela se converta, acha ele. Mas ela, com cuidado, restringe-se a dizer que "está estudando a cultura, lendo sobre o assunto".

Adriana está no quinto mês de gravidez. É o segundo filho de Jarouche, e Aly é um nome provável. O primeiro filho é uma menina de 11 anos que mora nos EUA. Jarouche evita falar sobre a mãe dela.

Ter morado no Líbano é outro elo de sua história. Diz que conheceu e amou Beirute tanto quanto São Paulo e que vê muita similaridade entre as duas cidades, que "têm coisas muito modernas e ritmos de metrópole".

Foi aos 14 anos que partiu em direção à terra de seus pais, quando eles resolveram deixar o Brasil e voltar ao país de origem. Fez colegial em escola tradicional religiosa e começou um curso superior em administração. Largou a faculdade com a idéia de investir em design de ponta.

Voltou para o Brasil com 22 anos e, aos 25, abriu a Micasa em São Bernardo do Campo. Tinha o apoio financeiro dos pais, que continuam no Líbano até hoje, e uma idéia em mente: definir um showroom que misturasse tendências. Até hoje insiste na busca de versatilidade. "Acho legal colocar junto um sofá estilo anos 50 ao lado de um Philippe Starck, de um tapete persa e de um banquinho de plástico", diz.

Em 2004, essa aposta no retalho moderno trouxe os primeiros sinais de uma rápida expansão. A loja deixou a sede no ABC para reabrir no endereço onde está hoje, na rua Estados Unidos. "Meus clientes eram dessa região. Dos Jardins, de Pinheiros, de Higienópolis. Eu trouxe minha loja para cá para poupá-los do trabalho de ir até o ABC", diz. Em seguida, investiu em uma clientela jovem, sintonizada com arte e moda. Diz que metade de seus clientes tem entre 30 e 40 anos.

Em 2007, a Micasa agregou um novo showroom, adaptável para festas e exposições, o chamado Vol. B, com projeto de Márcio Kogan, outro arquiteto renomado. Agora em agosto, mais uma investida: Jarouche vai inaugurar a Casa do Lado, um espaço provisório a ser ocupado por uma exposição de artes plásticas por algumas semanas. A inauguração acontece no próximo sábado, dia 9. Em seguida, diz que vai demolir a Casa do Lado para construir uma outra residência, uma espécie de hotel particular, para receber amigos, com projeto de seu parceiro Marcelo Rosenbaum.

DJ DE OCASIÃO

Desde a mudança para São Paulo, também costuma dar boas festas em seu apartamento, que enxerga como uma espécie de refúgio, "um lugar para receber amigos". A sala tem pick-ups -ele "brinca de ser DJ"- e uma estante imensa ocupada por brinquedos de todos os tipos e tamanhos, carrinhos-miniatura, uma coleção de garrafas de Coca-Cola de todo o mundo, peças de toy art.

Uma das preciosidades é o Robô Arthur (quem foi criança nos anos 80 há de se lembrar desse simpático brinquedo). Outras pérolas, um pouco mais caras, estão em garagens e galpões alugados por toda a cidade. Jarouche tem uma coleção de carros raros e/ou importados e/ou antigos, que lista, entre outros, um Fusca 1965, quatro Mustangs, um Mini Cooper e um Opala 1974. Ele não diz o número exato da coleção.

A lista de jóias não termina na garagem. Distribuídos pelos 310 m2 de seu apê, móveis assinados por Paulo Mendes da Rocha, Sérgio Rodrigues e outros nomes consagrados, misturados a peças desenhadas por jovens designers, como uma poltrona com "shapes" (tábuas) de skate, assinada pelo jovem Zanini de Zanine.

Jarouche tem um apreço por objetos que se relacionam a sua memória afetiva. "Para ele, pão-de-mel tem que ser Pan, e videogame é Atari", diz Adriana.

A estante que guarda suas coleções só pode ser limpa quando ele próprio retira os objetos, para depois colocá-los de volta ao lugar. Um domingo por mês ele dedica à manutenção desses pertences. Passa horas com um paninho na mão. As roupas também são separadas por cores. Os livros, por temas.

Segundo bem define sua mulher, "as coisas pequenas têm muita importância para ele". Mas o próprio Jarouche se defende de um possível perfil metódico sugerido pelo repórter. "Sou míope, mas não uso óculos". A não ser que seja por estilo, claro.


Texto Anterior: QUE FIM LEVOU: Pedrinho Aguinaga, por Paulo Sampaio
Próximo Texto: FINA: Isis Baldini, por Ronaldo Bressane
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.