São Paulo, domingo, 19 de dezembro de 2010

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CAPA

Amy ou deixe-a

por IVAN FINOTTI, de LONDRES

Com um histórico de escândalos na bagagem, a britânica Amy Winehouse desembarca no Brasil em janeiro. Serafina foi até o fundo do poço em Londres no rastro da cantora mais maldita e querida do mundo

São 16h39, 0˚C e já é noite no inverno londrino. As pessoas estão encapotadas em Camden Town, região da zona norte central. Camden é o bairro doidão da cidade, onde circulam os punks que não morreram. E onde você pode encontrar Amy Winehouse.
Logo que você sai da estação de metrô de Camden Town, vira à direita, passa por cima do rio congelado, anda por baixo do viaduto do trem e cá está o Hawley Arms. É o pub preferido de Winehouse, sua segunda casa. Na entrada, uma ameaçadora placa informa: "Drogas não são bem-vindas no Hawley Arms. Qualquer pessoa usando drogas será ejetada". Ah, o humor inglês...
É no Hawley Arms que a cantora de 27 anos e 1m59 mantém um quarto secreto –e pela primeira vez visitado por estranhos–, com sofás de couro, cortinas negras, uma cabeça de cervo prateada na parede e um jukebox privado, com 204 de suas canções preferidas. Entre elas: "Dedicated Follower of Fashion", dos Kinks, "Rock the Casbash", do Clash, "Waiting on a Friend", dos Stones, e "Rocket Man", de Elton John.
O maior desejo de Winehouse é que o "staff" do pub providencie uma mesa de bilhar no quartinho, mas o gerente Craig Seymour já explicou mil vezes: "Não cabe, Amy". Enquanto Craig não dá um jeito, Winehouse cuida de outras coisinhas. Como seus dentes, que, após um mergulho brutal na heroína em 2007 e 2008, começaram a cair. No ano passado, ela arrancou e implantou alguns, sofreu com dores fortes (interrompeu um show por causa delas), mas já mastiga uma boa torta de rim novamente.
Filha judia de um motorista de táxi com uma farmacêutica (cujos irmãos eram músicos profissionais de jazz), Winehouse aprendeu a cantar com o pai, Mitchell. Ele adorava crooners e vivia ecoando o "songbook" americano pela casa, além de submeter os passageiros de seu táxi a um karaokê com playbacks de Frank Sinatra. Mitchell se tornou uma figura midiática. Se já não saía da imprensa para defender a filha, agora aparece porque lançou um disco de standards, "Rush of Love", que inclui versão em inglês de "Insensatez", de Tom Jobim.
Winehouse começou cedo a se virar para a ribalta. Frequentou diversas escolas de teatro em Londres, como a Susi Earnshaw Theatre School. "Amy esteve aqui dos oito aos 12 anos. Uma menina muito pequena, magra e muito, muito ambiciosa", contou Earnshaw à Serafina. "Ela praticava muito em casa e diariamente perguntava aos professores se havia melhorado. Uma das peças que participou aqui foi 'A Pequena Loja dos Horrores'. Tinha uma bela voz, mas não sabia dançar."

AMORES EXPRESSOS
Uma coisa que ocupou Winehouse nos últimos tempos foi o amor. Deu um pé no marido Blake Fielder-Civil, companheiro de baladas sangrentas, e andou saindo com um diretor de cinema estiloso, que só anda de terno e gravata, chamado Reg Traviss. Há um falatório recente em torno de um novo namorado em Camden Town, mas ele tem permanecido longe da imprensa. E tem mais novidades: em outubro, ela lançou uma linha de roupas em conjunto com a marca inglesa Fred Perry. E, há dez dias, aterrissou em Londres, vinda de suas tradicionais férias de verão no Caribe. Desta vez não houve escândalos públicos por lá, ao contrário de 2008 (quando foi filmada dançando pelada no hotel) e de 2009 (quando foi acusada de furtar drinques após os bartenders se recusarem a servi-la).
Também anda ensaiando com a banda, apesar de aparentemente ainda não ter gravado nada para seu terceiro disco, cuja data de lançamento havia sido prometida para o mês que vem. Mas os fãs puderam comemorar, no mês passado, o lançamento de "It's My Party", cover da clássica canção com Lesley Gore, que Amy gravou para um disco tributo ao produtor Quincy Jones. Com produção de Mark Ronson, o mesmo de seu disco "Back to Black", a versão permite vislumbrar a volta da grande Winehouse. Sua voz está mais rasgada do que nunca e parece ainda mais forte e segura.
Winehouse lançou apenas dois álbuns em sua tumultuada carreira, "Frank", em 2003, e "Back to Black", em 2006. Esse último vendeu estimadas 32 milhões de cópias no mundo até agora e ganhou, em 2008, seis prêmios Grammy: gravação do ano (canção "Rehab"), canção do ano (composição de "Rehab"), melhor interpretação feminina pop ("Rehab"), artista revelação e melhor álbum pop ("Back to Black"). A voz de Amy ascende até as grandes cantoras do jazz norte-americano, como Billie Holiday, Sarah Vaughan ou Ella Fitzgerald, e o som das músicas é retrô dançante. Ela não é apenas cantora, também compôs suas canções, com belas melodias e (ótimas) letras autobiográficas. Algumas são divertidas ("Tentaram me mandar pra clínica de reabilitação/ Eu disse 'não, não, não'"), outras seguem o esquema da mulher abandonada ("Dissemos adeus com palavras/ Morri uma centena de vezes/ Você volta pra ela/ E eu volto para a escuridão"), mas são relevantes ao atualizarem a solidão do blues para as metrópoles dos anos 2000, falando, por exemplo, de camisetas de caveira.

TIRANDO CHOPE
É claro que Winehouse ainda é chegada num "mé". Ela parece ter parado com as drogas pesadas e engordou no último ano. Mas seu site, por exemplo, vende camisetas e coqueteleiras. Para os camarins dos shows no Brasil, pediu nada menos do que quatro tipos de bebidas diferentes: vinhos franceses, cervejas mexicanas, vodcas russas e champanhes também francesas. "O que ela gosta mesmo é de vodca", resume Lucas Barnfield, que a serve no balcão do Hawley Arms. "E Jack Daniels com Diet Coke", completa ele. "E todo o resto também", arremata.
Isso quando a própria Winehouse não serve Lucas, já que um de seus esportes preferidos é correr para trás do balcão e tirar chope para amigos e também para desconhecidos. "Ela chega com amigos, geralmente nas quartas-feiras, e, quando fica muito lotado, vai lá pra cima, no quarto privado. Paga tudo em dinheiro. Quando é muito tarde e não há mais ônibus, vou junto para a casa dela e durmo lá. Sem problemas", conta.
Quando não está no pub, é muito provável encontrar Winehouse no Jazz After Dark, um clube inferninho no Soho, dirigido pelo egípcio Sam Shaker. Artista plástico duvidoso, Sam tortura sua clientela espalhando pela casa suas pinturas estilo fotográficas de artistas como Brad Pitt, Kevin Spacey, Michael Jackson, Marilyn Monroe e, é claro, Amy Winehouse. A cantora foi agraciada com nada menos que 30 telas, todas copiadas de fotos que Sam baixa da internet e escolhe junto com a cantora. "Demoro quatro semanas em cada pintura", revela. Seu maior orgulho foi vender para Pete Doherty, outro frequentador do local, um quadro de Kate Moss por 5 mil libras (mais de R$ 13 mil). Pete queria ser perdoado pela namorada após ter feito alguma das suas. Não conseguiu…
Sam se considera um segundo pai de Winehouse, porque, afinal, foi lá que ela deu seus primeiros passos em um palco, no início dos anos 2000. Início comedido, é verdade, porque não é possível dar mais do que dois passos lá em cima. Seja como for, Winehouse vive aparecendo para comer asinhas de frango e beber. Quase sempre acaba se empolgando. Em junho, subiu ao palquito onde já tocava um músico brasileiro e tentou cantar "Garota de Ipanema". Não conseguiu…
O guitarrista Robin Banerjee sabe bem como são esses momentos de Winehouse. Em 2007, ele participou de algumas gravações de "Back to Black" (que acabaram incluídas apenas na versão de luxo do CD), e em seguida excursionou com a cantora pela Europa e Estados Unidos. Da metade para o final de 2008, todas as apresentações foram canceladas, quando mergulhou nas drogas –crack inclusive, segundo a imprensa londrina.
Robin decide não falar disso aqui, por uma razão muito simples. Ele cobra 125 libras para falar e, como a Folha não paga por entrevistas, preferiu passar. Mas o guitarrista muda de ideia logo depois. "Acho que vai ser bom para a minha carreira", pensa alto. "Amy é uma artista maravilhosa. Gravamos 'Cupid', de Sam Cooke, em um único "take". Chorei quando ela cantou 'A Song for You', na versão de Donny Hathaway. Mas acredito que a intrusão da mídia realmente foi demais para ela."

13 TATOOS
Entre os amigos que brigaram com a mídia para ficar ao lado de Winehouse está Henry Martinez, norte-americano radicado há 20 anos em Londres. Conhecido por sua fama de mau, e também pelo nome artístico Henry Hate (ou Henrique Ódio), ele é o tatuador oficial da cantora. E leão de chácara, se preciso. "Já chutei um ou dois fotógrafos da minha loja", comenta, dando uma olhada pra lá de séria.
Hate amou sua nova amiga quando ela entrou no estúdio de tatuagens e, sem conhecer ninguém, se engalfinhou com a buldogue Jolene pelos tapetes. "Jolene não gosta de estranhos, mas as duas se deram bem", aprova Hate. Desde 2003, Winehouse aparece ali para tatuar mulheres (algumas peladas), frases ("Daddy's girl") e símbolos (estranhos) no corpo. Enquanto tem a pele desenhada (já são 13 tattoos), a cantora fala da vida, reclama dos homens, conta intimidades. De repente, há cerca de dois anos, algumas dessas intimidades, sabe-se lá como, saíram publicadas nos jornais. Henry virou puro ódio e está processando o "The Sun" e o "Daily Mirror" por usarem fotos de seu website sem permissão.
Michele Attfield também gostou de Winehouse assim que colocou os olhos nela. "Ela veio comprar uma sapatilha de balé rosa, mas não tinha dinheiro suficiente. Fiz um desconto", diz a gerente da Freed of London, tradicional loja de sapatos de dança do centro de Londres. Ela experimentou um modelo de cetim rosa com sola de camurça de 11 libras (R$ 30) e nunca mais quis trocar. "O estranho é que deveria ser usado para dançar no palco. E Amy usa como se fossem sapatos", comenta Michele, há 45 anos na loja.
Atualmente Winehouse manda comprar as sapatilhas em pacotes de 20, sempre iguais. Há dois anos, no auge de seus escândalos, quando foi buscar um pacote, emocionou as senhoras da Freed of London ao ser perseguida por um batalhão de 45 fotógrafos, segundo a contagem de Michele. "Ficaram fotografando pelas janelas sem parar, mas ela parecia nem se importar. É apenas uma garota londrina."

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