São Paulo, domingo, 23 de maio de 2010

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DESENHO

Tinta sobre carne

por IARA CREPALDI

Entre a carreira política e artística, está Alexandra Meade, uma jovem americana que faz arte no porão da casa dos pais

Alexandra Meade usa pincel e uma mistura de tintas não tóxicas para pintar natureza morta sobre natureza morta, pele sobre pele, roupa sobre roupa, parede sobre parede. E fotografa a cena pronta. As imagens finais lembram telas inertes. No entanto, alguma coisa parece ter vida. Os olhos, a fumaça… É tudo de verdade.

Assim que a primeira foto dela apareceu na internet, seu trabalho repercutiu viralmente. A cientista política de 23 anos foi blogada, "tuitada", entrevistada, publicada e convidada para expor no mundo todo. "Fiquei muito surpresa com a rapidez com que tudo aconteceu. Em 10 de março, alguém postou uma foto minha no blog Kottke.org e meu trabalho começou a aparecer em todo lugar", disse à Serafina por email, de Washington, às vésperas da abertura de uma mostra coletiva da qual ela fez parte, na galeria Postmasters, em Nova York, em abril.

Um dos links repassados chegou ao pintor inglês Christian Furr, que a selecionou para participar da mostra de caridade "Art of Giving" na galeria Saatchi, em Londres, em outubro. "Agora, tenho convites para futuras exposições em diversos países", conta –para alívio de seus pais, que não acreditaram quando, após se formar em ciências políticas e voltar para morar com eles em Washington em 2009, ela resolveu ser artista em vez de arrumar emprego.

Durante a faculdade, Meade chegou a passar quatro verões como trainee no governo e trabalhou na assessoria de imprensa da campanha de Obama em 2008. A arte não estava nas expectativas da família nem ter o porão transformado em ateliê. "Meus pais não costumam ir até lá frequentemente. Demorou mais de seis meses até eles descobrirem. E não ficaram nada contentes. Eles esperavam que eu arrumasse um emprego convencional, com benefícios, plano de saúde", lamenta.

Para agradá-los, Meade chegou a se candidatar para algumas vagas, mas sempre declinava das ofertas. Durante o verão, trabalhou em uma galeria de arte e decidiu ser artista profissional. "Eles ficaram muitos descrentes e odiaram a ideia. Mas sempre fui apaixonada por arte. Paralelamente ao colégio, estudei escultura, pintura. Mas nunca pensei que poderia seguir uma carreira como artista, trabalhar com política parecia bem mais prático. Mas chegou uma hora em que precisava seguir a minha vontade", afirma.

PINTURA VIVA

O début de Alexandra Meade foi acompanhado de muitas entrevistas e resenhas positivas na imprensa americana. Os críticos disseram que ela inovou a arte do retrato e que sua obra questionava a percepção. Ela não se leva tão a sério, diz que está experimentando e fica empolgada ao contar que desenvolveu uma combinação de materiais para pintar em superfícies diferentes. "Uso muita tinta acrílica e têmpera, mas também incorporo alguns materiais nada tradicionais. Já comi uma natureza morta após pintar e continuo viva", brinca.

A ideia surgiu quando ela pintava as sombras de pessoas projetadas no chão pelo sol. "O objetivo da experiência era pintar um coisa imóvel com uma luz móvel. Daí, eu pensei em fazer o oposto: pintar uma coisa móvel com uma luz imóvel, e comecei a pintar as pessoas."

Certa vez levou 70 horas para terminar uma cena. Primeiro, pinta os objetos e as roupas em um modelo com proporções similares às do modelo final. "Preciso pintar as roupas no corpo, para fazer as dobras do caimento." No dia da foto, o modelo real coloca a roupa pintada, e ela pinta apenas o rosto e a pele exposta. Normalmente, passa o dia cobrindo o modelo real. "Enquanto pinto, alguns gostam de falar como se eu fosse uma psicóloga, outros leem, navegam na internet, veem filmes", conta a jovem artista, que tem recusado propostas comerciais e colaborativas. "Quero manter o controle total de minha obra."

Enquanto monta a agenda para viajar expondo seu trabalho nos próximos meses, ela tenta adaptar sua técnica para filmar curtas-metragens. Ao contrário da maior parte dos fenômenos surgidos na web, Alexandra Meade dá sinais de que deve permanecer.

COLABOROU ÉRIKA GARRIDO

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