São Paulo, domingo, 23 de maio de 2010

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FINO

Ambulante do Brasil

por CLAUDIA ANTUNES

O embaixador, conhecido por seu look gravatas-borboleta e por ser uma espécie de mascate do novo protagonismo internacional do país, afirma que "todo patriotismo tem certo ridículo"

O embaixador Marcos Castrioto de Azambuja invoca Policarpo Quaresma, o patriota ingênuo e caricato do romance de Lima Barreto, e tenta produzir, com a frase, o antídoto para a própria euforia. Pois, ao longo de duas conversas e vários cafezinhos –em seu apartamento de frente para o Aterro do Flamengo e num bar de hotel na orla de Copacabana–, ele também disse:

"Ver o Brasil chegar lá
me deu muito prazer."

"Hoje não se consegue
arrumar o mundo
sem o Brasil."

"O problema é que hoje,
se você não estiver
autoconfiante, não está
em contato com o Brasil,
que está num processo
de extroversão."

"Ser Bric [o fórum formado
por Brasil, Rússia, Índia e China] não é tão importante.
Não ser é uma tragédia."

É o momento brasileiro, tributário também da reviravolta produzida pela ascensão chinesa e a crise no mundo rico, que não deixa Azambuja viver uma aposentadoria pacata como a do conselheiro Aires –o diplomata da última obra de Machado de Assis, que volta ao Catete, miolo do velho Rio, após décadas no exterior, e declara que não morre "de saudades de nada".

Azambuja, aposentado há sete anos depois de 45 na ativa, diz que gostaria de ser visto como a "reencarnação" de Aires, à vontade no retorno à carioquice. Mas não lhe sobra tempo para saudades da carreira –foi secretário-geral do Itamaraty e embaixador em Buenos Aires e Paris.

Nos últimos anos, como vice-presidente do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), fez dos países emergentes uma de suas especialidades, e virou frequentador do circuito cada vez mais engarrafado dos seminários de "think-tanks" (literalmente, tanques de pensamento) sobre as mudanças globais.

Com artigos publicados sobre o Bric –"onde tamanho é documento", diz o título de um deles–, só no ano passado Azambuja levou seu 1,61m, destacado pela marca das gravatas-borboleta, a apresentações na África do Sul, na Índia, na Rússia, em Washington e em Paris. Nas duas últimas, falou sobre desarme nuclear, especialidade antiga.

Neste maio, acaba de voltar de encontro no Canadá sobre o "futuro das reuniões de cúpula" e se prepara para viajar para Cingapura e Indonésia, a convite de acadêmicos asiáticos. "Vou chegar para aqueles camaradas estupendos e terei que decodificar o Brasil. Não posso fazer propaganda porque eu perco crédito, mas também não posso deixar de refletir o que é, então é uma coisa difícil."

AQUARIANO DE SHORTS

Azambuja se define como um nacionalista cosmopolita – "Minha brasilidade não é oposição aos outros"– e destaca o signo, aquário, ao dizer a idade, 75. Discorrendo sobre tardes de juventude no estúdio de Di Cavalcanti, raro lugar em que podia ver mulheres peladas, afirma-se amante das artes e da boa mesa. "Defendo uma teoria falsa de que todo corpo celestial é esférico."

Sua família –pai e um avô eram da Marinha– integrava a burocracia civil-militar, tão dominante no Rio antes de a cidade perder o posto de capital para Brasília. Por isso, a escolha da praia do Flamengo, com seus apartamentos amplos, de pé-direito alto, para se instalar com Liliane, a segunda mulher. "Isso é muito Rio antigo."

Membro há anos do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), o embaixador agora faz parte do conselho da Federação do Comércio e de empresas, o que lhe garante vencimentos maiores do que quando estava no Itamaraty.

Mas diz que um prazer é sair de shorts e R$ 30 no bolso pelo Aterro, até o monumento aos Pracinhas, no centro. "Sou uma espécie de ambulante. Não sei se era Tom [Jobim] ou Vinicius [de Moraes] que dizia que o problema de São Paulo é que você anda, anda e nunca chega a Ipanema (a frase era de Vinicius)."

Ao entrar para o Itamaraty, em 1958, Azambuja teve como chefes e colegas os poetas Vinicius, Raul Bopp e João Cabral de Melo Neto, o escritor Guimarães Rosa e o ensaísta Gilberto Amado, seu "maître à penser". O ministério era "um clube de 300 e poucas pessoas, uma espécie de vitrine bem iluminada do que o Brasil a rigor não era".

Hoje, são 1.400 diplomatas e a área econômica-comercial parou de ser chamada de "secos e molhados". O embaixador destaca continuidades –o Palácio do Itamaraty foi o único que replicou o nome em Brasília–, mas acha que o Brasil real e o representado convergiram. "Há um ganho líquido de capacitação profissional, mas se perderam, se você me permite a nostalgia, aqueles atributos de personalidade que faziam o convívio mais encantador."

O Cebri, que Azambuja representa, foi criado há 12 anos por diplomatas egressos do governo FHC. Mas, mesmo famoso pela hipérbole e a ironia, ele se abstém de avançar em comentários sobre disputas da diplomacia.

Na estante de sua sala, à direita de um quadro de Di Cavalcanti, nota-se uma foto dele com FHC, autografada. Azambuja mostra, do outro lado, um retrato de Lula e dona Marisa, com a inscrição "sem medo de ser feliz".

E se os próximos presidentes não tiverem, como ele diz, o "dom de gentes"? "Claro que com alguém menos carismático [na Presidência]...", começa, e logo emenda: "Mas o Brasil já tem uma massa crítica que independe um pouco de personalidades".

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