São Paulo, domingo, 25 de abril de 2010

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GASTRONOMIA

Direto da terrinha, o restaurante mais antigo de Portugal e seu chef moderninho

por JOSIMAR MELO, DE LISBOA

RESTAURANTE TAVARES

Passado moderno

O mais antigo restaurante de Portugal recupera o brilho após uma meticulosa restauração e a chegada de um jovem chef

Uma nuvem cinza de fuligem ainda cobria a Europa e enchia os aeroportos de gente e apreensão no início desta semana. Mas, em Portugal, país em que a nuvem passava ao largo e não teve fechado seu tráfego aéreo, o tempo estava radiante.

O sol banhava as ladeiras da bela e singela Lisboa, onde eu, na incerteza de encontrar ou não voos para Paris e Londres, meus próximos destinos, flanava entre portinhas de um comércio antepassado, enquanto procurava a discreta, porém nobre, entrada do restaurante mais antigo do país: o Tavares.

Falar em coisa antiga em Portugal é quase redundância. E o Tavares, talvez o segundo mais velho restaurante da Europa, faz jus à sua idade provecta: fundado em 1784, mantém o essencial de sua arquitetura inalterado, bem como a pompa dos seus tempos de glória. Mas, nos últimos anos, nem sempre foi assim.

A novidade é que, hoje, seus majestosos espelhos bisotados, seus lustres imponentes, suas louças de época não testemunham mais uma cozinha do passado, envelhecida e cansada. Depois de um período de lenta (e que parecia inexorável) decadência, o restaurante foi adquirido por investidores que resolvera lhe devolver o brilho, por meio de um meticuloso trabalho de restauração, concluído há dois anos; e, também, repetindo propositadamente as palavras, conferir novo brilho à sua restauração - agora no sentido gastronômico.

Para trazer novos ares a uma cozinha como a portuguesa, que tem sua principal força na tradição, foi chamado um jovem chef, José Avillez, que, aos 30 anos, parece resumir em si mesmo a empreitada que assumiu em janeiro de 2008: membro de uma família tradicional - a cara do Tavares, depois de ter um restaurante próprio, ele vinha trabalhando seu aprendizado em estágios com chefs modernos, inclusive o mais vanguardista de todos, Ferran Adrià, do restaurante El Bulli, na Catalunha.

Esse bafejo dos novos tempos - em um restaurante que, nos últimos 200 anos, é personagem da literatura de autores como Eça de Queirós - não deixou de ser um passo arriscado. A gastronomia portuguesa é aferrada às tradições, e nem sempre o público aceita novas experiências. Mas, pouco a pouco, o espaço se abre, e o prestígio de uma casa como o Tavares ajuda a vencer resistências - especialmente agora que recebeu uma estrela do guia Michelin na sua edição de 2010, conferindo-lhe visibilidade internacional. (Detalhe: não há em Portugal nenhum restaurante com duas ou três estrelas.)

COZINHA TECNO-EMOCIONAL
Não que a cozinha de Avillez seja revolucionária. Servida ainda num gestual meio duro, excessivamente pomposo por parte da turma do salão, os pratos do Tavares são hoje desabridamente modernos - mesmo que não revolucionários. Não se equiparam à chamada cozinha molecular, mas usam parcimoniosamente suas técnicas. E se fixam na qualidade dos produtos, patrimônio da cozinha lusitana. Resume o chef: Faço uma cozinha contemporânea de inspiração portuguesa.

Foi, aliás, o que se verificou em sua aula no Peixe em Lisboa, evento voltado aos pescados locais onde estiveram, até domingo passado, os principais chefs portugueses e convidados de fora (o Brasil foi homenageado, com a presença de seis chefs - Alex Atala, Bel Coelho, Beto Pimentel, Claude Troisgros, Mara Salles e Tsuyoshi Murakami).

A renovação da cozinha portuguesa começou nos últimos 15 anos, diz Avillez, pelas mãos de chefs como Vitor Sobral, Luis Baena, Joaquim Figueiredo - na época, influenciados pela cozinha francesa. Hoje, ele admite uma influência maior da cozinha tecno-emocional (como os espanhóis chamam a corrente que lideram, em lugar de cozinha molecular, termo que não lhes agrada).

Um menu-degustação proporcionado pelo chef (ao preço de ¤ 80, bem barato para o padrão europeu), tem pratos vistosos como o Cascais (terra do chef) à beira-mar: uma plataforma de vidro envolta pelos vapores de algas depositadas abaixo, e sobre a qual, cozidos cuidadosamente cada qual a seu tempo e em seu ponto, repousam artisticamente frutos do mar como camarões, percebes, mariscos e ouriço-do-mar, entremeados por suco de maçã verde, algas e merengue de limão.

O mar impera ainda em pratos como a ostra petrificada (coberta por uma crosta madrepérola), com creme de funcho, brotos e algas. Mas há também a terra, presente nos pés de vitelo, cortados em delicados quadradinhos e servidos com aspargos e trufas.

Cabelos desalinhados, ousadia para enfrentar o conservadorismo ainda dominante, Avillez simboliza um interessante caminho de modernização que, sem significar negação das caras tradições locais, ajuda a arejar a cozinha portuguesa.

www.restaurantetavares.pt

O jornalista Josimar Melo viajou a Portugal a convite do evento Peixe em Lisboa

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