São Paulo, Domingo, 27 de Maio de 2012

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CAPA

O ESTRANHO MUNDO DE TIM BURTON

por adriana küchler, de Los Angeles

O esquisitão-mor de Hollywood, que lança dois filmes neste ano, relembra as histórias assustadoras de sua infância e conta como conseguiu transformá-las em vários sucessos nas telas

“Quando eu era criança, todo mundo me chamava de esquisito. O tempo todo. Só pelo fato de eu gostar de assistir a filmes de monstro já ganhava esse rótulo. Ver filmes de monstro não me parece nada estranho... Parece pra vocês?”

O menino Tim Burton cresceu e se especializou não em assistir, mas em criar monstros para os outros assistirem.

Criou um menino com mãos de tesoura, um cavaleiro sem cabeça, uma noiva morta, um fantasma “bioexorcista”. E inventou reinos sombrios de enorme apelo visual, com monstros simpáticos e debochados, belezas mórbidas e fantásticas coisas assustadoras que não assustam.

Em sua campanha de vida pela popularização do estilo esquisitão, Tim dirigiu 16 longas, produziu 12, ganhou milhões de fãs e outros adjetivos, como visionário, e se tornou um dos nomes mais badalados de Hollywood. E, a cada lançamento, parece repetir a pergunta: “Não me parece estranho... Parece pra vocês?”

Depois do sucesso de bilheteria de sua versão para “Alice no País das Maravilhas” (2010), vem com duas novidades-esquisitices neste ano.

Em “Sombras da Noite”, que vai ser lançado no Brasil no dia 22 de junho, o monstro da vez é um vampiro do século 18 que acorda nos loucos anos 1970. Barnabas Collins, vivido por Johnny Depp, retorna à mansão de sua família, hoje problemática e decadente, e tem que se adaptar ao novo mundo de sexo, drogas e rock’n’roll.

Adaptação da série americana “Dark Shadows”, exibida por lá nos anos 1960 e 1970, traz no elenco também a mulher de Tim, a atriz inglesa Helena Bonham Carter, além de Michelle Pfeiffer, Eva Green e Alice Cooper.

Já “Frankenweenie”, um dos filmes “mais pessoais” de Tim, é uma animação em “stop motion” (feita com bonequinhos) e em 3D. Seu monstro é um cachorro ressuscitado pelo menino Victor, em formato Frankenstein.

Neste longa, com lançamento no Brasil previsto para novembro, o diretor americano retoma um curta-metragem, feito com atores, em 1984, e nunca lançado comercialmente.

“Meus pais ficavam surpresos porque eu assistia a filmes de terror e não tinha medo nenhum. Nunca tive medo de vampiros ou de Frankenstein. As pessoas reais é que são assustadoras. Ter que ir à escola, ao trabalho, ter alguém no trabalho que é um babaca... Isso dá medo”, afirma Tim, 53, em uma das três entrevistas com ele de que a Serafina participou em Los Angeles, no começo de maio.

Tim ataca!

Um Tim de cabelo desgrenhado, vestido de preto e usando óculos escuros (você o imaginaria de outro jeito?) fala sobre a infância do pequeno Tim, que passava o dia desenhando e vendo filmes e era um protótipo de cientista maluco, na tediosa Burbank, na Califórnia.

“Eu era muito legal com os animais, mas com as coisas... Era queime, baby, queime! Botava fogo e gostava de experimentar. E fazer pequenos filmes em super-8 era sempre um experimento. Você explode um pequeno edifício, faz um foguete voar... Era tudo uma grande feira de ciências.”

Depois da fase explosiva, Tim foi estudar animação no Instituto de Artes da Califórnia e logo se viu como animador dos estúdios Disney. Ali, ganhou destaque com “Vincent”, um curta sobre um garoto (já com o rosto comprido e os olhos bem esbugalhados que marcariam as animações de Tim) que queria ser Vincent Price (astro de filmes de terror e grande ídolo do diretor).

Logo depois, veio o projeto de “Frankenweenie”, que foi concebido como animação, mas desenvolvido como “live action” (com atores) –e engavetado por ter sido considerado muito “dark” para crianças.

MONSTROS S.A.

Então, lançou seu primeiro longa, já fora da Disney, “As Grandes Aventuras de Pee-Wee” (1985), uma comédia sobre um “homem-criança” que atravessa o país em busca de sua bicicleta roubada.

No filme seguinte, “Os Fantasmas se Divertem” (1988), embarcou de vez na onda de “filmes de monstro” e fez sucesso com um elenco estrelado (Michael Keaton, Geena Davis e Alec Baldwin).

Com os “Fantasmas” –cuja sequência está em estudo–, ganhou crédito para fazer seu primeiro “Batman” (1989), com o mesmo Keaton, além de Jack Nicholson e Kim Basinger. Virou sucesso de bilheteria. De diretor cult passou a mainstream, e de esquisito virou excêntrico.

Tim diz que todas as suas criações têm um toque autobiográfico e que não revê nenhum filme “porque é doloroso”. Não quer também contar qual é o preferido, mas coça a barba e deixa escapar “Edward Mãos de Tesoura” (1990), com um suspiro, quando insisto na pergunta.

Nessa fantasia, começou a celebrada parceria com o ator Johnny Depp, estrela de oito de seus filmes (veja pág. 39) e padrinho de seus dois filhos.

Foi numa conversa de compadres que surgiu a ideia de filmar “Sombras da Noite”. “Estava conversando com Tim e falei: ‘Precisamos fazer um filme de vampiros qualquer dia desses’”, conta Johnny, como quem combina um churrasco.

O diretor gosta de repetir: sua mulher, Helena, também está em quase todos os seus filmes, o compositor Danny Elfman faz as trilhas sonoras para todas as suas criações (pág. 41) e ele já se envolveu com um segundo filme de vampiros: é produtor de “Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros”.

Tem ator que implora por um papel em seus filmes, como fez Michelle Pfeiffer para garantir estar em “Sombras da Noite”. “Implorei mesmo. Não me orgulho disso”, ri Michelle, na entrevista de lançamento do longa. “Mas fazia 20 anos que não filmava com

Tim [desde que foi a Mulher-Gato em ‘Batman – O Retorno’]...”

“Gosto de trabalhar com as mesmas pessoas, mas, às vezes, quando eu ligo, elas já estão ocupadas”, esclarece ele.

país das maravilhas

Quase todas as pessoas que formam a gangue de Tim dizem que, depois que se convive muito tempo com ele, a fala é quase desnecessária. Ele acha outras formas de se comunicar.

O desenho foi a primeira delas. “Eu não falava muito quando era novo. Mas trabalhar com atores me forçou a isso.” Mesmo aprendendo a falar, Tim segue desenhando e abriu o baú de suas criações, entre desenhos, pinturas e rabiscos, além de seus filmes, para a retrospectiva dedicada a ele no museu MoMA, de Nova York, entre 2009 e 2010.

A mostra, com 700 peças do diretor, já rodou por Los Angeles, Austrália e Canadá e está em cartaz em Paris.

Como sempre, Tim atraiu fãs e muitas críticas, que julgaram que o material era memorabilia e não arte digna de ser exibida num museu.

“Não fui ao MoMA dizer que adoraria fazer uma exposição. Eles vieram até mim”, justifica. “E a coisa mais legal é que eles nunca me apresentaram como um grande artista.”

Se o sucesso de Tim representa, para muitos, a vingança final dos nerds, ele garante que fama e fortuna não resolveram os problemas do menino esquisito lá do primeiro parágrafo.

“As pessoas reclamam que eu repito certas temáticas, como a da solidão: ‘Você faz sucesso, não pode ser tão sozinho’”, relata o diretor.

“Você pode ter uma família, sucesso, pode ter um milhão de amigos... Mas, se você já se sentiu desse jeito um dia, vai sempre se sentir assim.”

A noiva Bonham Carter

Tim vive uma espécie de solidão acompanhada da mulher, Helena, que conheceu nas filmagens de “Planeta dos Macacos”, dirigido por ele (2001).

Os dois vivem em Londres, com os filhos, Billy Ray, 8, e Nell, 4, em casas separadas, mas interligadas.

Em entrevista à Serafina, em 2010, Helena, 46, contou que seu cantinho é decorado com flores e corações, enquanto o do companheiro tem duendes e esqueletos.

O tema esquisitice x normalidade acaba sempre voltando à tona nas conversas com Tim. Indagado sobre quando começou a se sentir uma pessoa normal, explica que essa é uma questão muito complexa.

“Sabe o que é estranho? É que sempre me achei normal quando era criança. Depois de um tempo, você começa a pensar que é maluco, porque todo mundo te chama assim. Aí, os anos passam e você se dá conta de que eles estavam certos, você era louco mesmo.”

Tim fez análise por um tempo, há dez anos, para tentar entender sua maluquês. Não gostou muito, mas diz que aprendeu o que deveria para poder controlar o processo do jeito que gosta, sozinho.

Faria um filme sobre o tema? “Não, porque aí seria um filme do Woody Allen, e esse já foi feito.”

Johnny Depp por Tim Burton

quando um ator é o alter ego do diretor

Edward

Na primeira parceria da dupla, Tim escolheu o então astro da série “Anjos da Lei” porque Johnny era do tipo que não precisava falar. “Percebi que ele projetava sentimentos com os olhos, como um ator de filmes mudos”

Ed Wood

Depp encarna o pior diretor de cinema de todos os tempos, que, de quebra, gostava de se vestir de mulher, principalmente se a roupa feminina fosse um suéter felpudo

Ichabod Crane

Depp é o detetive de Nova York que chega a um vilarejo para investigar os crimes do cavaleiro sem cabeça

VICTOR VAN DORT

Em versão “stop motion”, Depp se casa sem querer com uma noiva cadáver e acaba tragado pela terra dos mortos

Willy Wonka

Excêntrico industrial abre para visitação sua fábrica de chocolate, que emprega pequenos seres chamados Oompa Loompas

Sweeney Todd

Como o barbeiro demoníaco da rua Fleet, Depp transformava suas vítimas em torta de carne, algo semelhante ao que aconteceu em Garanhuns neste ano

Chapeleiro maluco

Um dos personagens mais intrigantes do já intrigante livro “Alice no País das Maravilhas” ganha aqui uma releitura lisérgica

Barnabas collins

Desenterrado 220 anos depois, vampiro bonzinho precisa se adaptar aos loucos anos 1970 e enfrentar bruxa malvada e sexy

A fantástica fábrica de trilhas

Ex-vocalista do Oingo Boingo, Danny Elfman compõe músicas para as viagens de Tim Burton

Nem Johnny Depp, nem Helena Bonham Carter. O relacionamento mais duradouro e produtivo de Tim Burton é com esse ruivo aí embaixo. Se o nome, a cara e os cabelos de fogo não te dizem nada, a música dele talvez soe a campainha.

Danny Elfman foi vocalista do grupo new wave Oingo Boingo e já compôs “umas 77” trilhas sonoras, entre elas o tema de abertura dos “Simpsons”. Em 26 anos, trabalhou em 14 filmes do diretor e amigo Tim. Pulou dois, um deles em tempos de crise na relação.

“Houve um curto período em que tentamos nos divorciar, mas nenhum de nós ficou feliz com a separação. Não trabalhei em um filme dele [“Ed Wood”, de 1994] e me senti muito mal por isso. Depois, a gente fez as pazes e estamos juntos desde então. Sem precisar de terapia de casal”, diz Danny, 58, à Serafina.

Para comemorar as bodas de prata, foi lançada no ano passado a “Danny Elfman & Tim Burton 25th Anniversary Music Box”, com CDs das trilhas, desenhos de Tim e vários extras. Entre as preferidas de Danny, estão a de “Edward Mãos de Tesoura” e “O Estranho Mundo de Jack”, em que ele também canta.

ESTILO

Com tantos anos de convivência, a dupla criou um processo especial de trabalhar. Danny sempre vai aos sets no meio das filmagens, passeia pelos cenários e assiste a trechos para ir se inspirando. Quando o primeiro corte está pronto, os dois sentam para ver o filme e Tim diz onde a música deve entrar e onde deve parar.

“Não falamos sobre como a música deve ser, só quando vai começar. Às vezes, ele me diz: ‘Quero que a gente se sinta triste nessa cena’ ou ‘Precisamos de tensão aqui’. Mas, normalmente, a gente não fala nada”, explica.

Assim como Tim, o tímido Danny também se sentia um esquisitão, ou um “alien” diz ele, quando era pequeno. Os dois não falam sobre o assunto. Não precisam. “É claramente implícito que a gente cresceu num ambiente em que achava que não pertencia. Sempre me senti como uma pessoa do século 19 vivendo no século 20, cem anos fora da época.”

O hipnotizante cabelo cor de abóbora (até hoje) não ajudava nada no processo de aceitação. “As crianças puxavam e gritavam: ‘É de verdade? Onde você conseguiu esse cabelo?’ Tudo o que eu mais queria na vida era ter cabelo preto. Queria parecer com o Sean Connery como James Bond, mas parecia um palhaço. Era muito frustrante”, diz, hoje mais bem resolvido e casado com a atriz Bridget Fonda.

oingo boingo

Danny concorreu a quatro prêmios Oscar pelas trilhas de “Gênio Indomável”, “MIB – Homens de Preto”, “Milk” e “Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas” –só o último é de seu parceiro.

Antes de Tim, houve ainda o Oingo Boingo (1972-1995), que Danny criou com o irmão, Richard, e que antes se chamava The Mystic Knights of the Oingo Boingo. Com hits como “Stay”, “Dead Man’s Party” e “Just Another Day”, a banda performática fez sucesso no Brasil.

Uma das grandes surpresas da carreira do grupo, diz Danny, foi a vinda ao país, em 1990. “Não sabíamos que éramos tão conhecidos e o show no Rio foi o maior que fizemos [para cerca de 40 mil pessoas]. Me apaixonei pelo Brasil e pelos brasileiros.”

Mesmo feliz com a aura vintage-cult que a banda ganhou hoje em dia, Danny tem arrepios ao pensar num possível revival. “Algumas bandas estão voltando, mas isso não quer dizer que elas deveriam”, diz, sempre retomando temas frequentes de seu trabalho com Tim Burton. “Uma vez que você morreu, deve continuar morto. É preciso deixar os zumbis embaixo da terra.”

Um passeio em preto e branco

vaguinaldo marinheiro especial para a Serafina

Tim Burton é um cara normal ou um personagem amalucado como a maioria dos que aparecem em seus filmes? Faço minha aposta no final deste texto.

No ano passado, participei de uma visita guiada pelo diretor ao Three Mills Studio, no leste de Londres. Na pitoresca construção de tijolos aparentes, que fica numa ilhota de um dos afluentes do rio Tâmisa, aconteciam as filmagens de “Frankenweenie”, história do próprio Tim sobre um menino que ressuscita seu cachorro após um acidente.

O primeiro “Frankenweenie”, um curta-metragem, foi feito em 1984, quando ele trabalhava como animador da Disney. O tom sombrio causou sua demissão.

Éramos um grupo de jornalistas, e o cineasta parecia uma versão de Willy Wonka, que mostraria às crianças (nós) sua fantástica fábrica de chocolate (filmes).

Ele surge de calça e camisa pretas e um cachecol (branco e preto) enrolado no pescoço. O cabelo despenteado e o cavanhaque (meio branco, meio preto) reforçam a aparência de um velho rock star.

Tim mistura timidez (tem dificuldade de olhar nos olhos das pessoas), profissionalismo (sabe que precisa “perder tempo” e “tolerar” jornalistas para divulgar seu filme) e ansiedade (fala e anda rapidamente e pontua quase tudo com a expressão “you know?”, “sabe?”).

Passa de estúdio em estúdio e explica um pouco do que será seu filme mais autobiográfico. Muito de sua vida está lá: a escola onde estudou quando criança nos EUA, as ruas de subúrbio (iguais às de “Edward Mãos de Tesoura”, seu filme de 1990), o estudante desajustado e incompreendido.

Um jornalista belga, baixo e gordo, questiona: “E esse cachorro realmente existiu?” Ele sorri, sem graça.

Todo o processo de filmagens segue o que aparece em desenhos (em preto e branco) feitos pelo próprio Tim.

Segundo um dos técnicos, o diretor é detalhista ao extremo e se preocupa até com os menores movimentos dos bonecos e com a textura dos cenários.

Tudo corre bem, mas, com o passar da visita, Tim demonstra impaciência com outras perguntas do belga: “Você poderia fazer um filme assim, de animação, nos EUA?” “Claro, mas eu moro aqui”, responde.

Até que chega a pergunta final, do mesmo jornalista. “Por que você quis fazer esse filme em preto e branco?”

Nosso Wonka parece pensar: “Será que ele não entendeu nada? Não percebeu minhas roupas? Não conhece meu estilo? Nunca assistiu ao ‘Frankenstein’ original?”

Respira fundo e diz: “Porque tem a ver com a história”.

Resposta à pergunta inicial: Tim é normal.

Já o jornalista belga...


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