São Paulo, Domingo, 27 de Maio de 2012

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CONTOS CARIOCAS

A CLASSE A VAI AO CENTRO

por Antonia Pellegrino

Jovens da zona sul tentam levar “arte relacional” PARA AS MASSAS fazendo comida no meio da rua

Pia, vitrola, forno e fogão a lenha, mesa de jantar, cadeiras. Objetos de interiores deslocados para a rua. A praça Tiradentes, no centro do Rio de Janeiro, está ocupada pelo coletivo de arte Opavivará!. Um passante, gaúcho de Novo Hamburgo, representante do setor de sapatos, se aproxima e me pergunta o que está acontecendo:

— Uma performance artística.

— E que tipo de arte é?

— Relacional.

Ele reflete e diz:

— Minha esposa se formou na primeira turma desse tipo de arte. Mas, na época, se chamava arte na adversidade. Lidava com deficientes mentais. É isso?

Diz o folheto produzido pelo coletivo que “tomando a praça como casa, o programa se propõe a pensar a cidade a partir da potência criativa dos encontros”.

No centro do círculo-casa, sobre duas grandes mesas, jovens de classe média da zona sul, todos amigos dos seis integrantes do grupo –que preferem não ser identificados pelos nomes–, picam legumes e verduras no preparo de receitas vegetarianas. O clima é de piquenique no sábado de outono. Na vitrola, gira “Roberto Carlos em Ritmo de Aventura”. Alguns passantes da classe C param para olhar e arriscam:

— É almoço?

— Chega aí, meu amigo —convida um dos membros do coletivo.

— Tem que pagar?

— Não! É só ajudar!

Enquanto uns olham desconfiados, outros aceitam imediatamente o convite. Sentam-se à mesa, recebem faca, tábua e inhame para descascar. Moradores de rua lavam panelas e propõem receitas. Um bebum reclama que berinjela não é bife. Todos, igualmente, sentem fome. O alfabeto de classes sociais parece estar suspenso. O sentimento é de familiaridade. Até a comida sair do forno.

PALITINHOS

O coletivo produziu potinhos plásticos e hashis. Enquanto na zona sul não há quem desconheça o manejo dos palitinhos japoneses, no além-tunel eles são mistério. “Preferia uma colher”, diz um senhor que veio da Ilha do Governador para o evento. Não há.

Enquanto as mocinhas tatuadas caem de boca, a classe operária observa esfomeada. Brota a “potência criativa”: um rapaz jovem e tímido esconde seu potinho na altura da toalha plástica e se curva inteiro para comer sem ser notado. Outro leva o potinho próximo à boca e come com a desenvoltura de um chinês. Vencido o constrangimento, todos novamente são irmãos. Resta saber até quando.


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