São Paulo, domingo, 29 de novembro de 2009

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PESSOA FÍSICA

As peripécias do francês Jean Thomas Bernardini

por MICHELINE ALVES

MULTIHOMEM

O curioso caso de Jean Thomas Bernardini, o Francês que é dono do cinema Reserva Cultural, da distribuidora Imovision, já fabricou calças jeans, jogou futebol, tem uma padaria em São Paulo e um barco-hotel na Amazônia

Longe é um lugar que não existe para Jean Thomas Bernardini. Em uma mesma semana, ele pode passar por Alter do Chão, no Pará, e por Toronto, no Canadá, sem deixar nenhum dos compromissos que tem em São Paulo, onde mora. E sem reclamar. Francês radicado no Brasil desde o início dos anos 1980, Bernardini, que estudou psicologia apenas porque o pai comerciante exigia que os filhos frequentassem uma faculdade, é produtor e distribuidor de cinema, dono do complexo de salas Reserva Cultural e da boulangerie Pain de France na capital paulista e ainda do Amazon Dream, barco-hotel na margem direita do rio Tapajós. "Viajo mais que aeromoça, mesmo detestando aeroporto", diz o empresário, em sotaque francês firme e forte. "Quando se está motivado, é gostoso fazer as coisas. Sou capaz de trabalhar um dia inteiro no Pará, pegar um vôo de madrugada e chegar pronto para uma reunião em São Paulo. Quem acredita em astrologia diz que é porque sou de Gêmeos: eu me adapto."

A história de Bernardini com o Brasil começou no Rio. Em 1978, ele comandava uma brasserie perto da cidade natal, Aix-en-Provence, no sul da França, quando o sócio o convidou para fechar o que parecia ser o negócio do século: a compra de um hotel à beira-mar, na capital fluminense, por um preço irrisório. Foi só ao desembarcar no Rio com uma mala de dinheiro que ele descobriu que o amigo errara a cifra. Faltava um zero. "Não dava nem para negociar", lembra. Na época, ele não achou graça, mas decidiu esticar a temporada na cidade. Ficou mais de um mês, tempo suficiente para se chocar com descobertas como a de que no bairro do Flamengo, onde procurou o famoso time de Zico, o clube mais próximo é o Fluminense (futebol é coisa séria para ele, que jogou no Olympique de Marselha na juventude).

Da mesma época são histórias que ele até hoje adora contar –como a provocada pela impossibilidade de conseguir um cofre em bancos brasileiros, então acessíveis apenas a portadores de CPF. Com medo de deixar tanto dinheiro (o da compra frustrada) no apartamento alugado, Jean Thomas ia diariamente à praia levando uma pequena fortuna na bolsa. Se queria nadar, o amigo tomava conta. A rotina se tornou natural para a dupla, até o dia em que a bolsa foi esquecida em uma lanchonete. "Percebi dez minutos depois, já longe. Voltei a mil por hora, em pânico, quase morri. Mas o balconista tinha guardado –detalhe: ele não havia aberto a bolsa."

Uma segunda temporada de turismo no Brasil aconteceu dois anos depois. Entre um drinque e outro nas areias de Búzios, ouviu falar de uma marca de jeans que os brasileiros estavam comprando aos montes, em Saint-Tropez. Pouco tempo depois, fixava residência no Rio, já no papel de representante da marca, a McKeen. Quando chegou a vender 120 mil peças em uma feira de moda, recebeu o conselho de se mudar para São Paulo, um lugar "mais sério", nas palavras de seu interlocutor. Foi o que fez. A fábrica de jeans funcionou até 89, ano em que a equipe econômica de Fernando Collor tomou "emprestado" o conteúdo das cadernetas de poupança em todo o país. Ano em que Bernardini, não atingido pelo confisco, entrou em outro negócio: cinema.

"ONDE É MAIS BONITO"
Naquele ano, depois de investir no filme de um amigo francês –"Inverno 54", de Denis Amar– o empresário teve a ideia de lançá-lo no Brasil. Como para isso era preciso abrir uma distribuidora, ele criou a Imovision, que traria ao país filmes que até então só eram vistos em eventos como a Mostra de Cinema de São Paulo. "Percebi que havia um público imenso para esse tipo de filme, que é o gênero que eu gosto", diz ele, fã desde a adolescência de Henri Georges Clouzot. "Todos os filmes dele eu adorava, até os fracassos eu achava geniais."

Em 2005, virou também exibidor ao abrir o Reserva Cultural, com quatro salas de projeção na avenida Paulista e programação voltada para o mesmo público culturete –hoje em queda, o que o obriga a lançar um número cada vez maior de filmes que ficam cada vez menos tempo em cartaz. "Gostaria de distribuir no máximo dez filmes por ano e de ter tempo para trabalhar cada um, mas estou fazendo 20, 25 ao ano. Mantenho o faturamento, mas trabalho muito mais", observa.

O faro para bons negócios e a saudade dos pães da terra natal o fizeram investir na Pain de France, boulangerie que abriu em 1995 com o padeiro Olivier Anquier, seu sócio durante dois anos. Hoje, o negócio é tocado em parceria com Denise Pompeu de Toledo, sua mulher há 20 anos –antes dela, foi casado com a ex-modelo Marilene Maggione, mãe de seu único filho, o cientista político Jean Philippe Bernardini, 26.

O mesmo faro, associado à paixão por viagens, o levaram a ancorar o Amazon Dream na área que é chamada de "Caribe brasileiro" e que ainda recebe mais turistas estrangeiros do que nativos, quadro que ele sonha em modificar. Para Jean Thomas, que não diz a idade (consta que teria nascido em 1948), pratica corrida e assiste a pelo menos dois filmes em DVD todos os dias, trabalho é diversão. E a maior satisfação, ele diz, é ganhar dinheiro só com coisas que adora fazer: "Só vendo filmes que acho bons. Na boulangerie, poderia fazer pão congelado, mas quero vender pão artesanal. Também poderia ter botado meu barco em Manaus, que é mais turístico. Mas eu prefiro estar onde é mais bonito".

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