São Paulo, domingo, 29 de novembro de 2009 |
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CAPA Na garupa do multiartista David Byrnepor TETÉ RIBEIRO, de Nova York CABEÇA FALANTE Ele ainda carrega o mesmo aposto -ex-Talking Heads-, mas não vive nem um pouco do passado, ao contrário: acaba de encerrar mais uma turnê mundial e lança seu novo livro, "Diários de Bicicleta", no Brasil David Byrne não fala português. Mas seu escritório, onde me recebe O ex-Talking Heads usa bicicletas como principal meio de transporte desde os anos 80. Sua experiência sobre duas rodas se espalha por todo o planeta e por mais de duas décadas. Aonde quer que vá, para shows, exposições, lançamentos de livro ou apenas por conta de sua infinita curiosidade, em uma de suas malas vai uma bicicleta dobrável. E é de cima dela que o escocês radicado em Nova York observa o mundo, as pessoas e os costumes dos lugares que conhece. Pedalar tem ainda mais uma função para o artista: "É o momento ideal para ouvir música sem interrupções, resolver problemas e perdoar pessoas. Depois de 20 minutos, qualquer chatice do dia a dia fica menos importante". O Brasil é mencionado várias vezes no livro. "Verdade Tropical", de Caetano Veloso, é citado na introdução como uma de suas maiores inspirações. Uma dica de viagem a Salvador, em que ele aluga uma bicicleta para um passeio pela cidade, fecha "Diários de Bicicleta" (Amarilys Editora, 336 págs., R$ 49). Os capítulos são nomeados a partir de cidades, muitas americanas agrupadas e outras, espalhadas pelo planeta. Tem Berlim, Istambul, Buenos Aires, Manila, Sydney, Londres, São Francisco e Nova York. Nada de Rio, São Paulo, Florianópolis… Será que todo esse amor pelo Brasil que a gente acredita que ele sente é de verdade? Chego a Todomundo uns três minutos adiantada e entro na sala ao mesmo tempo que ele, o que causa um surto breve e mútuo de timidez. O escritório fi ca no terceiro andar de um prédio com um elevador que não vi, chego bufando e torcendo para que quem quer que atenda a porta me ofereça um copo d'água antes de me encaminhar até ele. Da parte dele, imagino, tudo poderia acontecer, menos ser flagrado saindo do banheiro, que fi ca do lado de fora do escritório, no final de um corredor. Mas é assim que acontece. Não ajuda o fato de ele estar de aparelho na parte de baixo dos dentes e obviamente incomodado com isso. Quando ri, tende a botar a mão na frente da boca, depois desgrudar o lábio inferior da linha de metal e plástico transparente que cobre metade de seu sorriso. O MAGRINHO E A MAGRELA Por exemplo: "Como escolheu as cidades do livro? São suas preferidas ou as melhores para pedalar?", perguntei. E ele: "Nenhuma coisa nem outra. Usei cidades que eu conhecia e que podiam servir de gancho para falar de outros assuntos". Aí ele começa a interpretar o raciocínio: " Posso usar Berlim para falar de história, Buenos Aires será ideal para costumes sociais e músicos que conheço. Poderia usar Curitiba para falar das mudanças na estrutura da cidade, mas fui até lá só uma vez e não achei muito divertida, não gostaria de voltar". No capítulo de Buenos Aires, que segundo ele é ótima para pedalar apesar de não se ver bicicletas pelas ruas, escreve que os argentinos se acham meio europeus e, portanto, mais sofisticados que os brasileiros. Com vontade de que ele elabore essa tese incendiária, pergunto por que acha os argentinos tão esnobes. E aí ele faz outra coisa muito divertida e com um jeito parecido com o do personagem Mr. Bean quando é pego em uma traquinagem, pergunta: "Meu Deus, o que eu disse sobre os argentinos?" Eu conto e ele refuta: "Mas não é assim também no sul do Brasil?". TURNÊ NATUREBA CINEASTA ESCRITOR PRODUTOR MUSICAL DESENHISTA MÚSICO ARTISTA PLÁSTICO TRECHO DE "DIÁRIOS DE BICICLETA" Se impediu que ele namorasse alguém nos anos 80, o hábito certamente já pagou qualquer dívida emocional. Há mais ou menos dois anos, David Byrne namora a fotógrafa conceitual Cindy Sherman, uma de suas companhias mais frequentes nas pedaladas retratadas no livro. Ela aparece como "minha amiga C" várias vezes no texto, mas, nos agradecimentos, está como "minha namorada Cindy". Pergunto se o relacionamento fi cou mais sério desde a conclusão do livro e, de novo, ele acha muita graça. Depois explica: "Tirei a maioria dos nomes das pessoas que pedalaram comigo porque algumas passagens são mais antigas e eu tinha outra namorada antes. Pergunto se a vida de músico em turnê e de turista acidental em duas rodas são "combináveis". Ele conta que sim e que, antes de começar a volta ao mundo que deu com a turnê "Everything That Happens Will Happen on This Tour", no ano passado, fez uma oferta aos músicos que o acompanhavam. "Comprei sete bicicletas dobráveis e botei no bagageiro do ônibus. Disse a eles que estavam convidados a usar nas cidades em que parássemos, e quem gostasse podia levar a sua para casa depois." A ideia era incentivar que os músicos também preferissem a vida dos passeios diurnos à das bebedeiras pós-shows seguidas de dias inteiros de ressaca. "Ficou muito mais civilizado. Desse jeito não me sinto preso pelas turnês como acontecia antes." Byrne & Cia tocaram –e pedalaram– por EUA, Europa, Austrália e Ásia, de setembro de 2008 até agosto deste ano. Nos shows, todos vestiam roupas brancas, que ficavam rosa, azul, verde e outras cores conforme mudava a iluminação. Ele se apresentava à plateia como fazem os garçons em Nova York: "Sejam bem-vindos, meu nome é David e vou servi-los nesta noite". No 'cardápio', as músicas do novo disco e alguns 'especiais', como os hits "Once in a Lifetime", "Heaven", "And She Was" e "Nothing But Flowers", dos Talking Heads. No bis, apenas uma única mudança, um tutu de bailarina usado sobre o figurino inicial. O show não foi ao Brasil por falta de convite. "Não preciso nem que dê lucro, iria só pela oportunidade de tocar para os brasileiros." A produtora Paula Lavigne e a cantora Bebel Gilberto chegaram a ensaiar a ideia de trazer o show ao Brasil. "Cheguei a contatar pessoas para viabilizar esse show. Mas, a cada hora, era uma coisa que não dava certo", diz Paula Lavigne. "Eu acho que é um dos melhores da carreira dele. Quando fui conversar, a primeira coisa que perguntei é se o show viria ao Brasil, porque tem que ir! Falei: 'como posso ajudar?' Fui só a agitadora mesmo, porque não sou produtora", diz Bebel. DISCUTIR A RELAÇÃO Depois, teve o episódio do Tom Zé, que andava esquecido no Brasil até o selo de David Byrne, Luaka Bop, lançar uma coletânea dele no começo dos anos 90 em Nova York. "Os brasileiros que moravam aqui disseram que eu tinha escolhido um louco para representar a música brasileira." O sentimento passou quando o selo (que não é mais dele) continuou lançando outros artistas experimentais, como Os Mutantes e os +2, de Kassin, Domenico e Moreno Veloso. Pergunto se a relação é exclusiva, ele acha graça e confi rma do jeito dele. "Não tem ninguém na Alemanha achando que sou apaixonado pela cultura deles", brinca. Então se declara: "Descobri no Brasil uma riqueza que não descobri em nenhuma outra cultura. Isso mudou o meu jeito de fazer música. Mudou também o jeito como eu penso na vida, no amor e em todas as outras coisas." Consegue ouvir os violinos? TOM ZÉ: "EU ESTAVA TÃO NO FUNDO DO POÇO..." Mas David Byrne me conheceu antes. Em 86, ele estava no Rio, para um festival de cinema, e foi com uma sacola em lojas procurando música brasileira. Ele já conhecia Caetano, Milton, alguns sambistas do Rio. Aí ele viu a capa do meu disco ‘Estudando o Samba', que tinha a imagem de uma corda e um arame farpado embaixo. Ele ficou curioso com esse rodapé. Entrou em contato comigo quando veio fazer um filme sobre candomblé na Bahia [Ilé Aiyé, Tom Zé: "Eu estava tão no fundo do poço..." de 1989]. O próprio Suzuki promoveu nosso encontro. Liguei pra ele, e naquele tempo ninguém me atendia, eu estava esquecido, mas o Suzuki falou que poderia Essa história de fazer o prefácio do livro, foi ele que me pediu. Claro que eu fiz. Mas não tenho muita coragem de andar de bicicleta em São Paulo não. Eu andava muito em Irará, mas aqui é difícil. O curioso é que em Nova York pouca gente usa carro. As pessoas andam a pé, pegam metrô. Eu via ele sair de bicicleta e achava engraçado." TOM ZÉ, 73, É MÚSICO. 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