São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2010

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FINO

Ensaio sobre Saramago

por ALICE GRANATO, do rio

O cineasta português miguel gonçalves mendes, diretor do filme "josé & pilar", revela a intimidade do Nobel morto em junho

Era uma vez um garoto português encantado pela literatura de seu país. Desde pequeno, Miguel Gonçalves Mendes amava as histórias de José Saramago e as poesias de Mário Cesariny.
O tempo passou, o garoto cresceu e virou cineasta. E lança agora, aos 32 anos, seu filme mais ousado, o documentário "José & Pilar", sobre a vida e a história de amor do único Nobel da literatura portuguesa com sua mulher, a jornalista espanhola Pilar Del Rio, 28 anos mais nova que ele. Os dois viveram juntos por 25 anos.
Para fazer o filme, produzido pela sua JumpCut, a brasileira O2 e a espanhola El Deseo, Miguel passou quatro anos registrando de perto o cotidiano do casal. Valia tudo, momentos de relaxamento em casa, palestras, conferências, viagens, quartos de hotel, conversas no carro, no avião, em jantares íntimos.
Coletou 250 horas de filmagem, com acesso (quase) irrestrito a Saramago e Del Rio. O resultado é um filme de 125 minutos com os momentos mais doces e surpreendentes. "Tenho um lado arqueológico, quero estudar e preservar as coisas que vão desaparecer", afirma. "Não teríamos outro jeito de conhecer a pessoa generosa que ele era e o humor maravilhoso que ele tinha."
Miguel cursou dois anos da faculdade de arqueologia ao mesmo tempo em que estudava cinema em Lisboa. Optou pelo cinema, e o cinema por ele. Em 2004, ganhou o prêmio de melhor documentário português com "Autografia", sobre o poeta e pintor Mário Cesariny. "Queria muito conciliar meus interesses e conhecer de perto essas duas pessoas que eu admirava tanto."
Foi depois de ver "Autografia" que Saramago decidiu abrir as portas de sua intimidade para o diretor. "Ele me disse uma das coisas mais bonitas que já ouvi: 'faz o que quiser, mas tenho medo de não dizer coisas tão interessantes como o Cesariny", lembra o diretor. "Quis mostrar que ele não era o cara que as pessoas achavam que era, antipático, polêmico. Era humano. Todos nós temos nossas pequenas esquizofrenias", explica.
O lançamento mundial do longa-metragem "José & Pilar" aconteceu em setembro no Festival do Rio, três meses depois da morte de Saramago, aos 87 anos. A viúva Pilar acompanhou o diretor na viagem ao Brasil e fez questão de que ele vestisse, na noite de estréia, um terno e uma gravata de seu marido.
Antes de morrer o escritor assistiu a uma versão do filme, ainda sem os cortes finais. "Fiquei muito nervoso nesse dia", lembra Miguel. "Mas ele gostou muito pois falava da vida, dos valores, do amor. No final, virou-se para Pilar e disse que o filme era uma carta de amor a ela, que respondeu que a vida dela também era uma carta de amor a ele."

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