São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2010

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O curioso caso de David Fincher

por TETÉ RIBEIRO, de Paris

O diretor de "A Rede Social" dá sua receita para fazer cinema e influenciar pessoas

David Fincher não está no Facebook. Nunca teve perfil no Orkut. Não está no LinkedIn. Não se interessa pelas listas dos mais ricos e poderosos do mundo e diz que não quer nem saber quais livros estão em primeiro lugar na lista de mais vendidos. Ainda assim, nosso encontro acontece em Paris justamente porque ele acabava de vir da Suécia, onde está filmando um longa baseado em um dos maiores best-sellers dos últimos tempos, "Os Homens que Não Amavam as Mulheres", o primeiro livro da trilogia "Millenium". Mas esse é um projeto para o ano que vem. Nossa pauta era "A Rede Social", trama que conta a turbulenta criação do Facebook. Você pode não reconhecer nem o nome nem o rosto desse cineasta norte-americano, que odeia ser fotografado, mas é quase certo que ele já deixou o seu estômago embrulhado. Seja nas cenas de violência de seu segundo filme, "Se7en", seja nas brigas do terceiro, "Clube da Luta", seja por causa da tensão do penúltimo, "Zodíaco", a história de um "serial killer". A exceção foi seu último trabalho antes de "A Rede Social", "O Curioso Caso de Benjamin Button", que marcou a terceira colaboração dele com Brad Pitt e é a história de amor mais romântica do cinema recente desde "O Segredo de Brokeback Mountain". "Não escolho os filmes que dirijo porque eles têm a ver com minha vida ou minhas preferências pessoais. Não fiz 'Benjamin Button' porque estou envelhecendo ao contrário", diz, no hotel Le Bristol, um dos mais exclusivos de Paris. Ele não tem o menor ar de diretor de Hollywood, parece um americano comum, daqueles que vestem calça cáqui e camisa azul, tênis e boné. Podia ser qualquer um, não fosse sua pele e seus dentes tão obviamente muito bem tratados. "O que me interessa é o cinema. Se um roteiro me faz pensar que aquela é uma história que gostaria de ver, ele vira um filme que eu gostaria de dirigir." No caso de "A Rede Social", o que o moveu foi o roteiro recheado de diálogos no estilo metralhadora de Aaron Sorkin (dos seriados "The West Wing" e "Studio 60 on the Sunset Strip") aplicado a uma história de jovens amigos (que eram mais jovens que amigos) enquanto criavam uma ferramenta que mudaria para sempre a maneira de as pessoas se comunicarem. "No filme, Mark Zuckerberg é uma espécie de cidadão Kane do mundo de John Hughes", diz, comparando o rei da mídia do clássico de Orson Welles com o diretor dos hits adolescentes dos anos 80 "Curtindo a Vida Adoidado" e "A Garota de Rosa-Choque".

No princípio, era Harvard. O ano era 2003, e o garoto prodígio, mas socialmente inadequado, Mark Zuckerberg, então com 19 anos e no segundo ano da faculdade, junta seu talento para criar programas de computador à raiva por ter levado um pé na bunda da namorada que ele considerava menos inteligente (aluna da Universidade Boston, bem menos exclusiva). Durante uma noite regada a vodca com suco de laranja, cria um jogo em que as pessoas comparam os rostos das meninas do campus e votam nas mais bonitas.
Ele batiza o embrião do Facebook de FaceMash. É um sucesso imediato, provoca a ira das meninas, a admiração dos colegas e o espanto dos diretores de Harvard, já que o trânsito virtual faz cair todo o sistema de computadores da universidade mais prestigiosa do mundo. Naquela época –apenas sete anos atrás, mas um tempo quase obscuro, pois, antes do Facebook, afinal de contas–, os servidores eram mais lentos, e um site com 22 mil hits em menos de duas horas não era tão comum como hoje.
Depois, aprimora a ideia, pede ajuda ao amigo Eduardo Saverin (de família brasileira, nascido em São Paulo, criado em Miami), que lhe empresta mil dólares para começar o projeto, e os dois viram sócios. No caminho, Mark é procurado por três colegas que estão pensando em criar uma rede social para ficar em contato com a turma de Harvard. São os gêmeos Cameron e Tyler Winklevoss, meninos ricos, atletas e inteligentes, mais Divya Narendra, que o encontram depois do sucesso do FaceMash.
Mark aceita o convite, mas não faz o trabalho. Nem avisa que não fará, apenas procrastina o próximo encontro, a próxima reunião, a próxima resposta de e-mail. Enquanto enrola os três, mergulha na criação do The Facebook, como era chamado então, sozinho em seu quarto. Depois, é processado pelos quatro, em duas ações diversas, resolvidas em acordos extrajudiciais.
"Mark Zuckerberg criou uma ferramenta de que precisava", diagnostica Aaron Sorkin, o roteirista. "Era como se ele estivesse do lado de fora de uma grande festa, com seu nariz prensado na porta de vidro, tentando entrar. Como não tinha como passar pelo segurança, abriu uma nova entrada." Simples assim.
Para o diretor, a tensão entre jovens talentosos e empreendedores, os caras mais inteligentes da turma que se juntam para dominar o mundo, era um terreno conhecido. "Entendo bem essa situação. Já fui o sacaneado em uma história e já fui o cara que ficou com fama de ter sido o traidor. "Algumas amizades minhas acabaram com um mandando o outro se foder", admite.

Fincher nasceu em Denver, no Colorado, em 1962. Pegou sua primeira câmera na mão aos oito anos de idade, inspirado pelo filme "Butch Cassidy and the Sundance Kid". Começou a trabalhar como estagiário aos 18 com o diretor e animador John Korty, carregando fios e levando as câmeras de um lugar ao outro. Em 1980, foi contratado pela Industrial Light and Magic, a lendária companhia de efeitos especiais criada por George Lucas em 1975 para produzir o visual überinovador do primeiro filme da série "Guerra nas Estrelas", de 1977.
Aos 21 anos, com três anos de experiência prática e nenhuma teórica, saiu do emprego mais invejado por jovens aspirantes a cineastas para dirigir um comercial para a American Cancer Society que mostrava um feto fumando um cigarro. A ousadia da ideia, o perfeccionismo na realização e a capacidade de defender seu ponto de vista fizeram com que, em pouco tempo, ele fosse o nome preferido pelas empresas mais antenadas e exigentes.
Todas queriam seus comerciais feitos pelo "enfant terrible" da propaganda. Coca-Cola, Budweiser, Pepsi, Nike, Heineken, Levi's, Converse e Chanel foram algumas das que conseguiram. Outras tantas foram rejeitadas por Fincher. "Nunca me interessei por vender os produtos, meus comerciais nunca são do tipo 'compre isso e vão gostar mais de você'. Gosto de pensar em temas mais universais. E gosto de pensar que eles estão em tudo que eu faço."
Alternava os trabalhos sérios com outros mais artísticos. Assim, para cada comercial de TV, fazia vários videoclipes de artistas que admirava ou que o instigavam. E essa lista é ainda mais diversa e impressionante: Michael Jackson ("Who Is It?"), Madonna ("Vogue", "Express Yourself", "Oh Father", Bad Girl"), Patti Smith ("Downtown Train"), The Rolling Stones ("Love Is Strong"), Aerosmith ("Janie's Got a Gun"), Sting ("Englishman in New York"), George Michael ("Freedom '90"), The Wallflowers ("6th Avenue Heartache"), Billy Idol ("L.A. Woman"), Paula Abdul ("Straight up"), Gypsy Kings ("Bamboleo", segunda versão), Nine Inch Nails ("Only").
Era assim, em fogo alto, que ia cozinhando sua vontade de virar diretor de cinema, o que finalmente aconteceu em 1992, quando ele tinha 30 anos de idade e mais de dez de experiência. Foi em "Alien 3", o terceiro de uma franquia que já tinha Ridley Scott e James Cameron por trás dos dois primeiros. Fincher não seria o terceiro de uma lista sem grandes nomes nas primeiras posições. O filme foi indicado ao Oscar de efeitos especiais no ano seguinte.

O primeiro longa de David Fincher com estilo David Fincher foi "Se7en", de 1995. Foi também a primeira colaboração com Brad Pitt, "um grande ator que acabou ficando amigo. Não teria trabalhado de novo com ele se não fosse talentoso; meus amigos não ganham papéis em meus filmes", afirma.
Botar uma das maiores estrelas de Hollywood como protagonista teve outras vantagens além da mais óbvia. A história do "serial killer" que baseia seus assassinatos nos sete pecados capitais termina com uma cena absolutamente chocante, que o estúdio queria cortar. Brad Pitt disse que sairia da produção se a visão do diretor não fosse respeitada. Foi esse o início de uma bela amizade e um grande sucesso de crítica e público.
Em "A Rede Social" o cineasta volta a um tema presente em quase toda a sua obra: homens jovens e seus conflitos inexplicáveis. É mais ou menos esse o perfil de seus personagens mais marcantes, seja o irmão espírito de porco de "O Jogo", vivido por Sean Penn, seja o insone de dupla personalidade de "Clube da Luta", seja o assaltante de Jared Leto em "Quarto do Pânico", seja o assassino de "Zodíaco".
A diferença, desta vez, é que o tal jovem cheio de conflitos é também um bilionário poderoso, mostrado no filme de uma forma, no mínimo, pouco elogiosa. E que não foge de briga, ainda que seja aquela do tipo em que um advogado está junto. Pergunto se ele tem medo de Mark Zuckerberg. Ele diz: "Não, ele deve estar mais ocupado com outras coisas". Checando seu Facebook? Ele ri. "Esses meninos muito jovens ainda não sabem que o tempo caminha em uma só direção. E que o Facebook é uma das maneiras mais eficientes de deixar a vida passar sem fazer nada que preste."

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