São Paulo, terça-feira, 21 de dezembro de 2004

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educação

Conheça livros que apresentam, em linguagem acessível, conceitos fundamentais da filosofia ocidental

Platão na praia

Fábio Chiossi
Coordenador de Artigos e Eventos

Embora o senso comum reze que o assunto é difícil e, ao primeiro contato, ele possa parecer muito pouco atraente, existe literatura leve e acessível para quem quer, nestas férias, saber um pouco do que trata a filosofia. No dicionário "Aurélio", a primeira definição de "filosofia" é "estudo que se caracteriza pela intenção de ampliar incessantemente a compreensão da realidade, no sentido de apreendê-la na sua totalidade" -o que sugere uma disciplina obtusa e muito longe de um tema apropriado para uma leitura de praia. Mas isso não é verdade. É possível começar a conhecer a filosofia contornando o palavreado rebuscado e intimidatório direcionado aos iniciados no assunto.
Os livros que visam introduzir ao tema aqueles que não estudam filosofia podem ser divididos, de modo geral, entre os que contam os problemas filosóficos e os que contam a história da filosofia -ou seja, as soluções que os pensadores apresentaram para esses problemas.
Uma opção bem convidativa para começar, entre os do primeiro tipo, é o livro "Os Arquivos Filosóficos" (Martins Fontes, 248 págs., R$ 29,80), do inglês Stephen Law, professor de filosofia na Universidade de Londres e editor da revista "Think", um periódico do inglês Instituto Real de Filosofia voltado para o público não-especializado.
Escrito com a intenção de despertar nas crianças o interesse pela filosofia, o livro é recheado de desenhos e dividido em oito capítulos, ou "arquivos". Cada capítulo apresenta um problema filosófico por meio de diálogos entre personagens que vivem certos dilemas ou com pequenas histórias, permeadas por comentários do autor e sem apelar a jargão ou palavreado técnico.
Embora Law afirme que escreveu o livro pensando também nos mais velhos, o nível dele é bem básico e pode não agradar a quem procura uma prosa um pouco mais sofisticada. Nesse caso, a dica é "Uma Breve Introdução à Filosofia" (Martins Fontes, 107 págs., R$ 19), escrito pelo filósofo Thomas Nagel, docente na Universidade de Nova York.
Nagel, que nasceu em Belgrado (Sérvia e Montenegro, antiga Iugoslávia) e se educou nos EUA e na Inglaterra, ganhou notoriedade após a publicação de um artigo acadêmico intitulado "What Is it Like to Be a Bat?" (Como é ser um morcego?), no qual aborda o problema da consciência. Em resumo, ele argumenta que, embora possamos compreender cientificamente o mecanismo de um morcego para enxergar, nunca poderemos ter a experiência de enxergar como um morcego. Ou seja, não é possível ter uma idéia objetiva do que é a consciência.
Esse artigo, publicado na década de 1970, é para iniciados, mas Nagel torna o problema da consciência algo palatável e perfeitamente compreensível nos três primeiros capítulos de "Uma Breve Introdução...". Além de tratar dessa questão, Nagel apresenta nesse livro, com clareza e simplicidade, sua visão sobre outros problemas filosóficos. São nove ao todo, incluindo o que define "o certo e o errado" e "o significado da vida" -questões essas que, admite, são "apenas uma seleção", não esgotando os assuntos que a filosofia aborda.
Apesar de Thomas Nagel afirmar no início de seu livro que se trata de uma obra dedicada àqueles "que não conhecem nada sobre o assunto", há um título ainda mais suave sobre filosofia. Trata-se do best-seller "O Mundo de Sofia" (Companhia das Letras, 560 págs., R$ 43), lançado no Brasil em 1995 e já na sua 55ª reimpressão.
Escrito pelo norueguês Jostein Gaarder, o livro enquadra-se numa categoria diferente da dos dois acima mencionados. Não só por ser um romance -conta um mistério, que uma garota chamada Sofia tenta resolver, acerca de quem está enviando à protagonista uma série de cartas- mas também por relatar, na busca pela identidade do missivista, um pouco da história da filosofia. Ou seja, "O Mundo de Sofia" focaliza-se no pensamento de alguns filósofos, dos pré-socráticos ao francês Jean-Paul Sartre, com capítulos exclusivos até mesmo para o naturalista Charles Darwin e para o pai da psicanálise, Sigmund Freud.
O texto não se concentra em questões filosóficas propriamente ditas; elas surgem sempre vinculadas ao que pensa algum filósofo sobre elas.
Mais descritivo, tem a virtude de apresentar ao leitor os personagens que construíram a história da filosofia.
Se a leitura de alguma dessas obras tiver despertado seu interesse, há como dar um passo adiante sem enveredar -ainda- por textos áridos. Para tanto, a sugestão é ler "História do Pensamento Ocidental" (Ediouro, 512 págs., R$ 54,80). Escrito pelo britânico Bertrand Russell (1872-1970), filósofo e Prêmio Nobel de Literatura, é uma versão "light" de sua "História da Filosofia Ocidental" e foi publicado pela primeira vez em 1959. Ele requer um pouco mais de fôlego do leitor, pois é mais analítico e detalhista do que outras obras para não-iniciados. Mas Russell não usa termos técnicos excessivamente e procura contar a história da filosofia relacionando as idéias dos filósofos com os problemas que tentaram resolver -um "mix" de história da filosofia com apresentação das questões filosóficas.
Um dos méritos do livro, além do esforço didático de Russell -ele mesmo um pensador que entrou para o panteão da filosofia-, é o panorama histórico e cultural que acompanha a história das idéias. Mérito esse que tem como contraponto a tentativa do autor de colocar muita informação num texto um tanto curto para dar conta de tudo.
Tendo lido Russell, o próximo da lista seria um livro que, infelizmente, está esgotado. Mas vale uma menção. Isso porque "Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres" (Editora UnB, 347 págs.), de Diógenes Laêrtios, não só é uma biografia dos primeiros pensadores gregos como propicia o contato com um elemento que acompanhará sempre quem for se dedicar ao estudo da filosofia: a linguagem não-contemporânea.
O livro de Laêrtios, escrito no século 3º, é em quase sua totalidade uma compilação de registros de passagens da vida de filósofos gregos feitos por autores anteriores ao próprio Laêrtios.
Apesar de tratar de um período restrito, dos primórdios da filosofia a Platão e seus discípulos, é uma preciosa fonte de informações sobre a filosofia grega -nada do que escreveram as fontes de Laêrtios sobreviveu. E há espaço em seu texto para relatar, além de passagens da vida de Sócrates, Aristóteles e companhia -o que dá um caráter narrativo fluido ao texto-, pitadas da doutrina de cada um desses personagens.
A quantidade de citações e referências que Laêrtios faz pode tornar a obra um pouco cansativa, mas isso é minimizado pelas saborosas passagens sobre detalhes da vida dos pensadores. De acordo com a Editora UnB, o livro está numa lista esperando reedição.
Todos esses livros carregam as particularidades do olhar de seus autores sobre a história da disciplina, os pensadores que consideram mais importantes, as questões humanas e as respostas que consideram relevantes ou não. Como não deixar que isso limite sua visão da filosofia? Lendo o máximo de livros sobre o assunto que puder (e quiser). Aproveitando um passeio por livrarias ou bibliotecas, é possível, já longe da praia, descobrir algo que o interesse entre os vários livros nas estantes e os diversos tópicos que ela abrange. Mas, como introdução, o cardápio acima dá conta. E não é pesado.


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