São Paulo, terça-feira, 21 de dezembro de 2004

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Quanto vale isso?

Ladislau Dowbor

Anos atrás, quando Arnaldo Salgado, então responsável pelos recursos humanos da Walita, decidiu avisar os quase 800 empregados, com um ano de antecedência, que a empresa ia fechar a planta de São Paulo, enfrentou dura resistência da diretoria: haveria turbulências, brigas, resistências. Arnaldo insistiu, ganhou a briga, colocou honestamente a situação aos trabalhadores e lançou um amplo programa de busca de requalificação em parceria com o Sebrae, o Senac e o Senai; contatou empresas da região para facilitar a recolocação, ajudou na elaboração de currículos e tomou outras medidas visando facilitar a transição e humanizar o processo.
Trata-se da mais elementar decência de comportamento empresarial. A esperteza pode economizar esforços e problemas, mas desgasta de maneira radical a credibilidade. Uma empresa que valoriza o seu nome e deseja desenvolver relações de confiança internamente passa a ser vista de outra maneira. Quanto vale isso? Tudo depende, naturalmente, da cultura empresarial.
Há segmentos empresariais que valorizam apenas a "bottom line", a taxa de lucro a curto prazo. O trabalhador aqui é visto como commodity, e calcula-se o seu custo-benefício como o de qualquer insumo do processo produtivo. A gestão "lean and mean", "enxuta e malvada", também tem seus custos e sofre um desgaste crescente, como se evidencia no documentário devastador "The Corporation" (www.thecorporation.tv).
Não muito melhor é o caso de empresas hipócritas: as demissões são delicadamente apresentadas como "downsizing" ou arquitetadas na linha da reengenharia, mas o resultado é semelhante: estamos na rua. O clima gerado encontra-se bem retratado no filme "Beleza Americana", em que o jovem consultor pede ao trabalhador que lhe dê razões para salvar o seu posto de trabalho. É amor ao próximo visto pelo prisma administrativo.
Temos no Brasil cerca de 115 milhões de pessoas em idade ativa (PIA, entre 16 e 64 anos), dos quais 80 milhões fazem parte da população economicamente ativa (PEA). Tirando os desempregados, segundo a metodologia do Dieese, temos cerca de 65 milhões de pessoas ocupadas. Ou seja, temos uma gigantesca população desempregada ou subempregada.
Pelo lado econômico, isso representa uma dramática subutilização da nossa força de trabalho, desperdício absurdo se considerarmos a quantidade de coisas que precisam ser feitas, como construir casas populares, adensar o saneamento básico e assim por diante.
Mas, pelo lado humano, o desemprego gera a angústia generalizada que se sente hoje em qualquer setor da economia. E a angústia, em vez de facilitar a flexibilização e os ajustes legítimos na contratação ou na demissão de mão-de-obra, provoca uma tensão permanente que torna tudo mais difícil. Apesar da cultura relativamente desrespeitosa que herdamos neste país, acho que há uma nova geração de empresários que pensa de maneira mais inteligente e, sobretudo, a longo prazo. Aliás, os próprios administradores que hoje programam demissões sumárias e truculentas podem se encontrar na mesma situação amanhã.
A visão que hoje tende a permear as relações de trabalho, com movimentos como o da responsabilidade social e ambiental, o do desenvolvimento do terceiro setor e o do fortalecimento de organizações como Ethos, Gife, PNBE e outras aponta para uma visão renovada, mais ética, mais transparente.


Ladislau Dowbor, professor de economia e administração da PUC-SP, é autor de "O Que Acontece com o Trabalho" (Editora Senac).Site: http://dowbor.org


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