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Entrevista
Neurocientista explica como as recém-descobertas transformações cerebrais na juventude - e não apenas os hormônios, como se imaginava - podem ser responsáveis por tornar os jovens mais independentes e dispostos a correr riscos
Neurônios em ebulição
Fernando Vives
colaboração para a Folha
Há mais coisas entre o seu vizinho birrento de 15 anos e o cérebro dele do que pode imaginar a nossa nada vã endocrinologia. Pelo menos, é isso o que revelam as pesquisas em neurociência realizadas nesta década. Esqueça aquela teoria de que o cérebro já está pronto no final da infância, quando, então, passa a ser invadido por hormônios, o que explicaria todas as atitudes típicas desse
seu vizinho adolescente. Não. Na verdade, tudo indica que o cérebro
também passa por transformações físicas fundamentais até os 20 anos
-e elas influenciam no desenvolvimento humano muito mais do que
os próprios hormônios. Essa é uma das novidades que traz "O Cérebro em Transformação" (Objetiva, 224 págs., R$ 34,90), que chega às
livrarias na primeira semana de outubro. Em seu terceiro livro, Suzana Herculano-Houzel, doutora em neurociência pela Universidade de
Sorbonne, em Paris, explica, de maneira simples e bem-humorada, os
avanços das pesquisas sobre o cérebro e conta por que os adolescentes
sentem tédio -e como isso é importante para todo mundo.
Folha - O que as pesquisas mais recentes apontam de novidades a
respeito do cérebro dos adolescentes?
Suzana Herculano-Houzel - Primeiro, a relação entre hormônios e
comportamento foi colocada em dúvida. O que costuma ser associado ao comportamento sexual e à motivação, que surgem na adolescência, realmente tem uma relação com os hormônios, mas nem isso
pode ser explicado somente por eles. É o cérebro quem ativa esses
hormônios. Mudou aquela idéia de que o cérebro já está pronto no final da infância: dos 10 aos 13 anos, a densidade de sinapses no cérebro
parece aumentar novamente, ao invés de diminuir até a idade adulta,
como se acreditava antes. Isso mostra que o cérebro passa por muitas
transformações fundamentais também durante a juventude.
Folha - Que mudanças ocorrem no cérebro de um adolescente?
Suzana - A mais nítida é a mudança sensorial. A proporção do corpo muda, os pés crescem e o corpo estica, então o cérebro precisa
criar um novo mapa corporal. Ainda observamos grandes mudanças
associadas à capacidade de raciocínio abstrato, de atenção e de memória. É nessa fase que nos interessamos por filosofia, política, essas
coisas, simplesmente porque o cérebro se torna capaz de lidar com
essas informações. Depois, mudam as regiões relacionadas com a capacidade do pensamento conseqüente -é quando o jovem consegue tomar decisões antecipando o que pode acontecer de bom e de
ruim se ele fizer determinada coisa, um dos marcos do "virar adulto".
Com isso, ele deixa para trás a impulsividade adolescente. Há também mudanças no sistema de recompensa, a grande característica do
comportamento dessa fase da vida: é o que dá a motivação, o que faz a
gente gostar das coisas e querer fazer mais do que é bom. O sistema
de recompensa na criança é extremamente sensível. Com o tempo,
esse sistema perde a sensibilidade e tudo aquilo que era bom, que
causava a ativação do sistema de recompensa, agora não consegue
mais dar prazer. Isso tudo está na origem do tédio, que marca o começo da adolescência. É quando a criança estava contente brincando
com o carrinho ou a boneca e, de repente, se desencanta.
Folha - O tédio nasce na adolescência?
Suzana - A origem também está, provavelmente, nessas alterações
do cérebro. O adolescente começa a ficar entediado. Isso é estupidamente importante porque é isso que põe a gente para fora de casa,
que nos faz buscar outros interesses, prazeres e atividades. É uma
ruptura necessária com o mundo da infância e que aproxima a gente
das novidades do mundo dos adultos.
Folha - E quanto ao número de sinapses, as conexões que o cérebro faz, que concepções mudaram após esses estudos?
Suzana - Já sabíamos que nascemos, mais ou menos, com o mesmo
número de sinapses que teremos na idade adulta. Só que entre o nascimento e a idade adulta, esse número aumenta no nosso primeiro
ano de vida e depois diminui bastante. Posteriormente, e era isso que
não se sabia, o número dessas conexões parece aumentar de novo lá
pelos dez anos de idade. Isso tem implicações muito importantes. A
maior de todas é que, antes, considerava-se que o cérebro, no fim da
infância, estava pronto para a vida inteira e que, de repente, ele era
inundado por hormônios. Isso não é verdade. Hoje, a neurociência
mostra que há uma nova fase de exuberância de sinapses. Só que, durante a adolescência, o excesso dessas conexões precisa ser esculpido.
O cérebro é um bloco de mármore com todas as possibilidades. Todas as esculturas possíveis estão ali dentro. Essa conexão só passa a
fazer sentido depois que se esculpe, tira o excesso. Logo, a adolescência é um período onde o ambiente tem uma importância muito grande em moldar o amadurecimento do cérebro. Isso casa com a progressão do amadurecimento do comportamento de uma pessoa.
Folha - Que mitos essas pesquisas derrubaram?
Suzana - Um mito importante que ficou para trás -muito comum
em livros de auto-ajuda e sobre psicologia adolescente- é a idéia de
que a adolescência é uma coisa indesejável, que temos de tampar o
nariz e esperar passar. Isso não é verdade. Quando você a entende pelo lado do amadurecimento do cérebro, a adolescência pode ser vista
como um período necessário, desejável.
Folha - A revista "Science" divulgou, recentemente, que o cérebro
ainda está em desenvolvimento. O que ainda pode acontecer?
Suzana - Há alterações genéticas nas espécies desde sempre. A idéia
é que aconteçam alterações benignas, por exemplo, para o caso de o
cérebro ficar maior, o que poderia gerar uma maior capacidade cognitiva. Isso seria muito interessante para a espécie. Uma alteração pequena em um único gene pode causar mudanças drásticas no cérebro. É claro que isso também gera mudanças ruins, que ficam para
trás na seleção natural.
Folha - Qual a opinião da academia sobre a divulgação científica?
Suzana - Na neurociência, em particular, o tema é muito próximo
do cotidiano. Então, há uma aceitação por parte do público, o que
torna muito mais fácil a aceitação por parte da academia, uma vez
que é desejável interpretar o que descobrimos dentro do laboratório e
ajustar essas informações à vida cotidiana. Não tem mais esse negócio de que o cérebro é misterioso. Acho que a academia está percebendo que tem muito a ganhar com a divulgação científica, que o interesse do público aumenta, que as pessoas passam a se interessar por
questões da ciência, não só por aplicações clínicas.
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