São Paulo, terça-feira, 27 de setembro de 2005

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Entrevista

Neurocientista explica como as recém-descobertas transformações cerebrais na juventude - e não apenas os hormônios, como se imaginava - podem ser responsáveis por tornar os jovens mais independentes e dispostos a correr riscos

Neurônios em ebulição

Fernando Vives
colaboração para a Folha

Há mais coisas entre o seu vizinho birrento de 15 anos e o cérebro dele do que pode imaginar a nossa nada vã endocrinologia. Pelo menos, é isso o que revelam as pesquisas em neurociência realizadas nesta década. Esqueça aquela teoria de que o cérebro já está pronto no final da infância, quando, então, passa a ser invadido por hormônios, o que explicaria todas as atitudes típicas desse seu vizinho adolescente. Não. Na verdade, tudo indica que o cérebro também passa por transformações físicas fundamentais até os 20 anos -e elas influenciam no desenvolvimento humano muito mais do que os próprios hormônios. Essa é uma das novidades que traz "O Cérebro em Transformação" (Objetiva, 224 págs., R$ 34,90), que chega às livrarias na primeira semana de outubro. Em seu terceiro livro, Suzana Herculano-Houzel, doutora em neurociência pela Universidade de Sorbonne, em Paris, explica, de maneira simples e bem-humorada, os avanços das pesquisas sobre o cérebro e conta por que os adolescentes sentem tédio -e como isso é importante para todo mundo.
 

Folha - O que as pesquisas mais recentes apontam de novidades a respeito do cérebro dos adolescentes?
Suzana Herculano-Houzel -
Primeiro, a relação entre hormônios e comportamento foi colocada em dúvida. O que costuma ser associado ao comportamento sexual e à motivação, que surgem na adolescência, realmente tem uma relação com os hormônios, mas nem isso pode ser explicado somente por eles. É o cérebro quem ativa esses hormônios. Mudou aquela idéia de que o cérebro já está pronto no final da infância: dos 10 aos 13 anos, a densidade de sinapses no cérebro parece aumentar novamente, ao invés de diminuir até a idade adulta, como se acreditava antes. Isso mostra que o cérebro passa por muitas transformações fundamentais também durante a juventude.

Folha - Que mudanças ocorrem no cérebro de um adolescente?
Suzana -
A mais nítida é a mudança sensorial. A proporção do corpo muda, os pés crescem e o corpo estica, então o cérebro precisa criar um novo mapa corporal. Ainda observamos grandes mudanças associadas à capacidade de raciocínio abstrato, de atenção e de memória. É nessa fase que nos interessamos por filosofia, política, essas coisas, simplesmente porque o cérebro se torna capaz de lidar com essas informações. Depois, mudam as regiões relacionadas com a capacidade do pensamento conseqüente -é quando o jovem consegue tomar decisões antecipando o que pode acontecer de bom e de ruim se ele fizer determinada coisa, um dos marcos do "virar adulto". Com isso, ele deixa para trás a impulsividade adolescente. Há também mudanças no sistema de recompensa, a grande característica do comportamento dessa fase da vida: é o que dá a motivação, o que faz a gente gostar das coisas e querer fazer mais do que é bom. O sistema de recompensa na criança é extremamente sensível. Com o tempo, esse sistema perde a sensibilidade e tudo aquilo que era bom, que causava a ativação do sistema de recompensa, agora não consegue mais dar prazer. Isso tudo está na origem do tédio, que marca o começo da adolescência. É quando a criança estava contente brincando com o carrinho ou a boneca e, de repente, se desencanta.

Folha - O tédio nasce na adolescência?
Suzana -
A origem também está, provavelmente, nessas alterações do cérebro. O adolescente começa a ficar entediado. Isso é estupidamente importante porque é isso que põe a gente para fora de casa, que nos faz buscar outros interesses, prazeres e atividades. É uma ruptura necessária com o mundo da infância e que aproxima a gente das novidades do mundo dos adultos.

Folha - E quanto ao número de sinapses, as conexões que o cérebro faz, que concepções mudaram após esses estudos?
Suzana -
Já sabíamos que nascemos, mais ou menos, com o mesmo número de sinapses que teremos na idade adulta. Só que entre o nascimento e a idade adulta, esse número aumenta no nosso primeiro ano de vida e depois diminui bastante. Posteriormente, e era isso que não se sabia, o número dessas conexões parece aumentar de novo lá pelos dez anos de idade. Isso tem implicações muito importantes. A maior de todas é que, antes, considerava-se que o cérebro, no fim da infância, estava pronto para a vida inteira e que, de repente, ele era inundado por hormônios. Isso não é verdade. Hoje, a neurociência mostra que há uma nova fase de exuberância de sinapses. Só que, durante a adolescência, o excesso dessas conexões precisa ser esculpido. O cérebro é um bloco de mármore com todas as possibilidades. Todas as esculturas possíveis estão ali dentro. Essa conexão só passa a fazer sentido depois que se esculpe, tira o excesso. Logo, a adolescência é um período onde o ambiente tem uma importância muito grande em moldar o amadurecimento do cérebro. Isso casa com a progressão do amadurecimento do comportamento de uma pessoa.

Folha - Que mitos essas pesquisas derrubaram?
Suzana -
Um mito importante que ficou para trás -muito comum em livros de auto-ajuda e sobre psicologia adolescente- é a idéia de que a adolescência é uma coisa indesejável, que temos de tampar o nariz e esperar passar. Isso não é verdade. Quando você a entende pelo lado do amadurecimento do cérebro, a adolescência pode ser vista como um período necessário, desejável.

Folha - A revista "Science" divulgou, recentemente, que o cérebro ainda está em desenvolvimento. O que ainda pode acontecer?
Suzana -
Há alterações genéticas nas espécies desde sempre. A idéia é que aconteçam alterações benignas, por exemplo, para o caso de o cérebro ficar maior, o que poderia gerar uma maior capacidade cognitiva. Isso seria muito interessante para a espécie. Uma alteração pequena em um único gene pode causar mudanças drásticas no cérebro. É claro que isso também gera mudanças ruins, que ficam para trás na seleção natural.

Folha - Qual a opinião da academia sobre a divulgação científica?
Suzana -
Na neurociência, em particular, o tema é muito próximo do cotidiano. Então, há uma aceitação por parte do público, o que torna muito mais fácil a aceitação por parte da academia, uma vez que é desejável interpretar o que descobrimos dentro do laboratório e ajustar essas informações à vida cotidiana. Não tem mais esse negócio de que o cérebro é misterioso. Acho que a academia está percebendo que tem muito a ganhar com a divulgação científica, que o interesse do público aumenta, que as pessoas passam a se interessar por questões da ciência, não só por aplicações clínicas.


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