São Paulo, terça-feira, 27 de setembro de 2005

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Sociais & cias.

Pesquisa inédita revela que os consumidores reconhecem as empresas que investem em ação social e estão dispostos a pagar mais caro por seus produtos

Responsabilidade lucrativa

Luanda Nera
colaboração para a Folha

Pesquisa inédita encomendada pelo IDIS (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social) mostra por que um número cada vez maior de pessoas está escolhendo produtos não só pelo preço mas também pelo valor agregado. De acordo com o estudo, 74% dos consumidores preferem comprar produtos cujas vendas são destinadas a organizações não governamentais. Esse engajamento pelo consumo também é comprovado pela mais recente pesquisa divulgada pelo Instituto Akatu pelo Consumo Consciente, que ouviu 600 pessoas, consideradas pela entidade como conscientes e comprometidas, em São Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte.


Pesquisa aponta que índice de consumidores que deixam de consumir para punir as empresas é de 28%


Entre outras constatações, o estudo do Akatu concluiu que há uma equivalência entre valores e comportamentos: 41% dos entrevistados disseram ter o hábito de divulgar empresas que consideram socialmente responsáveis e 36% declararam incentivar outras pessoas a comprar produtos dessas companhias. Já o índice daqueles que deixam de consumir para punir as empresas é de 28%. "O consumidor passou da reação ao protagonismo. Ele já enxerga a empresa de forma humanizada, não só como um agente produtivo mas como um agente social", avalia Hélio Mattar, diretor-presidente do Instituto Akatu. Se há pouco tempo a preocupação das organizações que trabalham pela consolidação do chamado "consumo consciente" era a de incorporar valores, hoje o desafio é transformar a teoria em hábito e mostrar que os consumidores querem interferir na relação das empresas com a sociedade. Fora do Brasil isso já é comum. No início da década de 90, três grandes empresas foram punidas pelos consumidores por causa de suas práticas lesivas. A denúncia de uso de mão-de-obra infantil pelos fornecedores da Nike no Sudeste Asiático resultou em uma imediata perda de vendas da empresa nos Estados Unidos. Depois de ser acusada de racista pelos movimentos de consumidores por causa dos métodos adotados para contratações e promoções, a Coca-Cola se comprometeu a investir US$ 1 bilhão (R$ 2,3 bilhões, em valores de hoje) em programas de diversidade e combate ao racismo. A subsidiária da Mitsubishi no México mantinha um projeto de extração marítima de sal. Houve uma campanha de boicote aos produtos da empresa em função dos impactos dessa empreitada sobre a flora e a fauna dos mares mexicanos. A Mitsubishi desistiu do projeto.

O projeto Caras do Brasil, do Grupo Pão de Açúcar, foi lançado em dezembro de 2002 e funcionou durante um ano em apenas quatro lojas da rede. O objetivo do programa é oferece um lugar para que pequenas comunidades possam vender o que produzem. Em gôndolas especiais, o supermercado expõe produtos artesanais e explica para o consumidor a história de cada um deles. "Não sabíamos como os clientes reagiriam, já que os preços, por causa do valor agregado, são mais altos", preços, por causa do valor agregado, são mais altos", conta Beatriz Queiroz, gerente comercial do Grupo Pão de Açúcar. "Nosso líder de vendas é o pano de prato fabricado pela cooperativa Mãos que Brilham, do Mato Grosso do Sul." Cada pano de prato custa R$ 8,60, quase oito vezes mais caro do que o similar.
A percepção dos clientes a respeito das ações de cunho social aparece mesmo nos casos em que o consumidor final não tem autonomia total de compra. A farmacêutica Schering do Brasil percebeu que o sucesso de programas como o ATO (Atenção e Orientação à Saúde Sexual e Reprodutiva) contribui para o fortalecimento da marca e interfere no comportamento do consumidor. Pesquisa realizada antes e depois de seis meses de atividades do ATO mostrou que o número de adolescentes que procuraram um ginecologista aumentou de 30% para 39%. "Se a paciente já chega ao consultório informada por meio de um programa nosso, aumenta muito a simpatia do médico pela empresa e a chance de ele prescrever um remédio que fabricamos", diz Álvaro Menezes, gerente de planejamento familiar da Schering do Brasil.
Mas não só as iniciativas dirigidas à comunidade vêm sendo reconhecidas pelos consumidores. A pesquisa do Instituto Akatu também mostra que, das 11 ações mais valorizadas pelo público pesquisado, dez referem-se ao papel da empresa como empregadora. Caso exemplar é o da rede Magazine Luiza. Ao apostar na idéia de que a responsabilidade social começa "dentro de casa", a empresa virou referência no tratamento aos funcionários. Segundo Telma Geron, diretora de recursos humanos do Magazine Luisa, "uma recente pesquisa realizada pela Unesp de Franca mostra que somos uma das marcas mais lembradas pelo consumidor". O resultado, segundo a empresa, pode ser medido também pelo faturamento anual da rede de lojas, que, em 2005, deve atingir R$ 2 bilhões -o dobro do registrado em 2003.
Também há quem obtenha, por suas ações, resultados que não eram esperados. Se a relação com os funcionários interfere no comportamento do consumidor, a preocupação das empresas com seus clientes pode estimular o engajamento do público interno em programas sociais. A operadora Telemig Celular, por meio do Instituto Telemig Celular, prioriza o trabalho de divulgação dos direitos de crianças e adolescentes divulgando mensagens e alertas de cunho social em cartões para celulares e nas contas dos clientes. Uma das respostas a essa iniciativa foi o fortalecimento do programa de voluntariado interno: "A adesão dos funcionários cresce à medida que eles valorizam as ações sociais da empresa", explica Marcus Fuchs, diretor do instituto.


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