São Paulo, terça-feira, 29 de março de 2005

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experimentar

Gilberto Dimenstein
colunista da Folha

Prazeres de Wanessa Camargo

O prazer de Wanessa Camargo pela leitura surgiu graças ao maior desprazer de sua vida: um seqüestro na família obrigou a cantora pop a deixar o Brasil e morar nos Estados Unidos, numa espécie de auto-exílio. "Até então, nunca tinha experimentado, com tamanha intensidade, a mistura de medo e solidão."
A adolescente bonita e rica, cheia de amigos e filha de uma celebridade (o cantor Zezé di Camargo) viu-se, anônima, num país em que não entendia direito a língua nem os costumes. Na escola, foi-lhe exigida a leitura de livros clássicos de autores norte-americanos. "Meu inglês não era bom o suficiente para que eu entendesse aqueles livros." A verdade é que ela não tinha o hábito da leitura nem mesmo em português.
Wanessa contratou uma professora particular para ajudá-la nas lições das aulas de literatura. "A professora foi mostrando o encanto daquelas obras e traduzindo os livros para o meu cotidiano." O trauma do seqüestro familiar, a distância do Brasil e a solidão produziram na cantora a percepção da complexidade dos personagens literários. "Comecei a sentir prazer com os livros."
Passou a ler com mais freqüência e a escrever. "Vi também que era gostoso escrever." Ela imagina que, com isso, despertou para novos interesses musicais. Filha e sobrinha de cantores de dupla sertaneja, Wanessa -fã de música pop e classificada por muitos como "brega"- percebeu-se gostando de Tom Jobim e aprendeu a apreciar Beethoven, depois de conhecer a "Nona Sinfonia". Terminado o exílio, Wanessa voltou ao Brasil e fez sucesso como cantora pop, com melosas baladas românticas. Por isso, muitos estranharam que ela fosse convidada para ser a garota-símbolo da campanha de estímulo à leitura entre jovens. Não faltou quem considerasse a escolha inapropriada. "Acho que tenho mais a dizer sobre como encantar jovens pela leitura do que muitos intelectuais ou gente cheia de títulos acadêmicos." Já está em seus planos uma experiência mais profunda no campo literário, dessa vez não só como leitora. A idéia de Wanessa é escrever sobre como, aos poucos, foi aprendendo a gostar de ler, a partir de romances que, inicialmente, não lhe diziam nada. "Talvez isso possa seduzir os jovens que ouvem minhas músicas." Gente que, como ela achava no passado, vê no livro apenas uma chatice escolar.


Gilberto Dimenstein, 47, é jornalista, membro do Conselho Editorial da Folha e faz parte do board do programa de Direitos Humanos da Universidade de Columbia (EUA). Criou a ONG Cidade Escola Aprendiz, em São Paulo.
@ - gdimen@uol.com.br



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