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Sociais & cias.
Vítimas de furacões, terremotos, tsunamis
e outras tragédias da natureza, refugiados ambientais devem ser cerca de 50 milhões até 2010, segundo estimativas da ONU
Sem pátria, sem direitos
Denise Ribeiro
colaboração para a Folha
Hoje, pouco se ouve falar dos efeitos do furacão Katrina, que
inundou Nova Orleans e deixou milhares de desabrigados.
Quem são essas pessoas? Em que condições elas sobrevivem?
Em relação ao tsunami asiático, quantas pessoas retornaram
às suas casas? Assim como elas, que destino terão os 11 mil habitantes
das ilhas de Tuvalu, no oceano Pacífico, quando seu pequeno país for
engolido pelo mar e não lhes restar outra opção que não a de emigrar
para as vizinhas Austrália ou Nova Zelândia? Nos dois casos, as vítimas
de catástrofes naturais, obrigadas a abandonar suas casas, têm nome:
refugiados ambientais.
A mesma ONU (Organização das Nações Unidas) que deu o sinal de
alerta para Tuvalu -prevê-se o aumento de um metro no nível do mar
na região nos próximos cem anos, em razão do efeito estufa- calcula
que, até 2010, o número de refugiados ambientais chegará a 50 milhões.
Já em 1999, o Conselho Mundial da Água advertia para o fato de que
esse contingente vinha superando o de refugiados tradicionais, aqueles
que cruzam as fronteiras porque em seu país sofrem perseguição política, étnica ou religiosa.
A diferença é que os novos refugiados, também conhecidos como
"deslocados internos" (no caso daqueles que mudam de cidade, mas
permanecem no país), ainda não têm amparo legal, embora o Pnuma
(Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) tenha reconhecido a existência deles em 1985. Um ano depois, a radiação nuclear causaria morte e devastação em Chernobyl, na Ucrânia, inutilizando 140
mil quilômetros quadrados, área equivalente a um Portugal e meio, e
provocaria a debandada dos habitantes da região para outros pontos da
antiga União Soviética.
Para dar conta dessa demanda de sem-tetos ambientais e lutar por
seus direitos, foi criada, em 2002, na Holanda, a Fundação Liser (Living
Space for Environmental Refugees ou espaço de convivência para refugiados ambientais). Segundo o site www.liser.org, a ONG congrega refugiados e pessoas ligadas a organizações ambientais, direitos
humanos e desenvolvimento "no Terceiro Mundo". Entre seus objetivos, a entidade se propõe a "fortalecer a posição dos refugiados ambientais, tanto no terreno judicial como nas condições de vida necessárias a que têm direito legalmente". No curto prazo, a Liser pretende fazer o perfil dos refugiados e suas necessidades e incluir o tema nas agendas de organizações humanitárias em todo o mundo.
No Brasil, a seca no semi-árido nordestino tem obrigado
milhares de pessoas a migrarem sistematicamente para outras cidades.
"O problema se arrasta desde os tempos da Coroa portuguesa. Sem
chuva, os moradores não produzem comida e têm de migrar. Para colher um quilo de grãos, é preciso uma tonelada de água", afirma Eneas
Salati, diretor técnico da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento
Sustentável e um dos maiores especialistas em água do país. Segundo
ele, o século 21 vai ser o século da água, um privilégio para o Brasil, que
pode contar com uma bacia volumosa como a amazônica, cuja vazão
de 209 mil metros cúbicos por segundo representa 18% da soma de todas as bacias hidrográficas do mundo. "Água é uma coisa valiosa. Os
árabes foram buscar um iceberg nas proximidades da Antártica. A
maior parte da desgraça do mundo é causada pela falta de água", diz.
Que o diga o exemplo africano, onde a desertificação do solo -etapa
final da erosão- tem produzido um número alarmante de refugiados
ambientais e também de guerras civis. "Na Etiópia, grande parte da população fugiu para o Sudão, no final dos anos 80, porque a agricultura
tornou-se impraticável. Os sudaneses viam os etíopes como concorrentes na disputa pelos parcos recursos do país, o que gerou tensões muito
grandes", explica Haroldo Mattos de Lemos, presidente do Comitê Brasileiro do Pnuma e coordenador do curso de Especialização em Gestão
Ambiental da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Na Nigéria, cerca de 3.500 quilômetros quadrados de área transformam-se em deserto anualmente. A desertificação também rouba territórios na China: 4.000 vilas estão ameaçadas -e, com elas, milhares de
refugiados ambientais, à espera de reconhecimento e proteção.
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