São Paulo, terça-feira, 29 de novembro de 2005

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Sociais & cias.

Vítimas de furacões, terremotos, tsunamis e outras tragédias da natureza, refugiados ambientais devem ser cerca de 50 milhões até 2010, segundo estimativas da ONU

Sem pátria, sem direitos

Denise Ribeiro
colaboração para a Folha

Hoje, pouco se ouve falar dos efeitos do furacão Katrina, que inundou Nova Orleans e deixou milhares de desabrigados. Quem são essas pessoas? Em que condições elas sobrevivem? Em relação ao tsunami asiático, quantas pessoas retornaram às suas casas? Assim como elas, que destino terão os 11 mil habitantes das ilhas de Tuvalu, no oceano Pacífico, quando seu pequeno país for engolido pelo mar e não lhes restar outra opção que não a de emigrar para as vizinhas Austrália ou Nova Zelândia? Nos dois casos, as vítimas de catástrofes naturais, obrigadas a abandonar suas casas, têm nome: refugiados ambientais.
A mesma ONU (Organização das Nações Unidas) que deu o sinal de alerta para Tuvalu -prevê-se o aumento de um metro no nível do mar na região nos próximos cem anos, em razão do efeito estufa- calcula que, até 2010, o número de refugiados ambientais chegará a 50 milhões.
Já em 1999, o Conselho Mundial da Água advertia para o fato de que esse contingente vinha superando o de refugiados tradicionais, aqueles que cruzam as fronteiras porque em seu país sofrem perseguição política, étnica ou religiosa.
A diferença é que os novos refugiados, também conhecidos como "deslocados internos" (no caso daqueles que mudam de cidade, mas permanecem no país), ainda não têm amparo legal, embora o Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) tenha reconhecido a existência deles em 1985. Um ano depois, a radiação nuclear causaria morte e devastação em Chernobyl, na Ucrânia, inutilizando 140 mil quilômetros quadrados, área equivalente a um Portugal e meio, e provocaria a debandada dos habitantes da região para outros pontos da antiga União Soviética.
Para dar conta dessa demanda de sem-tetos ambientais e lutar por seus direitos, foi criada, em 2002, na Holanda, a Fundação Liser (Living Space for Environmental Refugees ou espaço de convivência para refugiados ambientais). Segundo o site www.liser.org, a ONG congrega refugiados e pessoas ligadas a organizações ambientais, direitos
humanos e desenvolvimento "no Terceiro Mundo". Entre seus objetivos, a entidade se propõe a "fortalecer a posição dos refugiados ambientais, tanto no terreno judicial como nas condições de vida necessárias a que têm direito legalmente". No curto prazo, a Liser pretende fazer o perfil dos refugiados e suas necessidades e incluir o tema nas agendas de organizações humanitárias em todo o mundo.

No Brasil, a seca no semi-árido nordestino tem obrigado milhares de pessoas a migrarem sistematicamente para outras cidades. "O problema se arrasta desde os tempos da Coroa portuguesa. Sem chuva, os moradores não produzem comida e têm de migrar. Para colher um quilo de grãos, é preciso uma tonelada de água", afirma Eneas Salati, diretor técnico da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável e um dos maiores especialistas em água do país. Segundo ele, o século 21 vai ser o século da água, um privilégio para o Brasil, que pode contar com uma bacia volumosa como a amazônica, cuja vazão de 209 mil metros cúbicos por segundo representa 18% da soma de todas as bacias hidrográficas do mundo. "Água é uma coisa valiosa. Os árabes foram buscar um iceberg nas proximidades da Antártica. A maior parte da desgraça do mundo é causada pela falta de água", diz.
Que o diga o exemplo africano, onde a desertificação do solo -etapa final da erosão- tem produzido um número alarmante de refugiados ambientais e também de guerras civis. "Na Etiópia, grande parte da população fugiu para o Sudão, no final dos anos 80, porque a agricultura tornou-se impraticável. Os sudaneses viam os etíopes como concorrentes na disputa pelos parcos recursos do país, o que gerou tensões muito grandes", explica Haroldo Mattos de Lemos, presidente do Comitê Brasileiro do Pnuma e coordenador do curso de Especialização em Gestão Ambiental da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Na Nigéria, cerca de 3.500 quilômetros quadrados de área transformam-se em deserto anualmente. A desertificação também rouba territórios na China: 4.000 vilas estão ameaçadas -e, com elas, milhares de refugiados ambientais, à espera de reconhecimento e proteção.


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