São Paulo, terça-feira, 30 de agosto de 2005

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Sociais & cias.

Cresce número de empresas que preferem criar fundações e institutos próprios a investir em ONGs já existentes

Eu, tu, eles

Luanda Nera
colaboração para a Folha

Autonomia, centralização, potencialização, ampliação, visibilidade, planejamento e durabilidade das ações. Esses são os principais argumentos defendidos pelas companhias que optaram por institucionalizar suas atuação social por meio da criação de fundações ou institutos próprios. A responsabilidade social canalizada para ONGs de cunho empresarial vem se consolidando como tendência internacional. No Brasil, o movimento atingiu o ápice no final dos anos 90, principalmente com a chegada das operadoras de telefonia, e hoje está disseminado pelos mais diversos setores.
Dados do último censo realizado pelo Grupo de Institutos, Fundações e Empresas revelam que, embora a maioria das empresas mantenedoras tenha sido criada antes de 1950, a constituição formal de seus institutos e fundações coincide com o período de redemocratização do país. Isso aponta para uma outra tendência: quanto mais jovens as companhias, mais rápido tem sido esse processo.


Tendência de institucionalização da ação social ainda é vista com ressalvas pelas ONGs independentes, que temem um aumento na concorrência por recursos privados


Às vésperas de completar 50 anos, a Fundação Bradesco é uma exceção. Foi criada em um contexto em que ainda não eram conhecidos termos como "responsabilidade social" ou "investimento social privado". Com o objetivo de atuar na área de educação, a fundação inaugurou sua primeira escola em 1962, em Osasco, região metropolitana de São Paulo. Hoje, a entidade mantém 40 unidades de ensino em todos os Estados brasileiros e atende a 107 mil alunos. "Fizemos um trabalho pioneiro na área social e nos orgulhamos disso", aponta Mário Hélio de Souza Ramos, diretor da Fundação Bradesco.
A Fundação Volkswagen também surgiu em um contexto avesso a qualquer manifestação democrática. "Nossa entidade foi criada, em 1979, com o objetivo de legitimar a ação social, de ser independente e de ter autonomia para tomar decisões", diz a diretora Simone Nagai.
No grupo das organizações criadas a partir dos anos 90 estão as fundações Educar (vinculada à DPaschoal), O Boticário, BankBoston e Telefônica, além dos institutos Avon e C&A. Mesmo vinculadas a companhias que atuam em áreas diferentes, essas entidades têm em comum a preocupação com a independência e a autonomia. "As ações sociais voltadas para os funcionários da DPaschoal continuam sendo feitas diretamente pela empresa, mas os projetos dirigidos à comunidade estão todos canalizados na fundação", afirma Fábio Basso, gerente de comunicação e marketing da DPaschoal.
Na opinião do diretor-presidente da Fundação Telefônica, Sérgio Mindlin, outra vantagem da institucionalização é a possibilidade de planejamento e durabilidade dos projetos: "Institutos e fundações dão mais credibilidade e visibilidade ao trabalho das empresas".
É o que defende também Carlos Parente, diretor de comunicação da Avon, empresa que há dois anos criou seu próprio instituto: "O poder de articulação é muito maior. Quando não há essa separação, a causa social acaba ficando atrelada ao mercado". "O desafio é encontrar uma forma de se manter integrado à empresa que dá nome à organização sem depender da gestão comercial", complementa Paulo Castro, presidente do Instituto C&A.
Essa tendência, no entanto, ainda é vista com ressalvas pelas ONGs independentes, que temem um aumento na concorrência por recursos privados. "Não há necessidade de as empresas criarem suas próprias organizações. Elas investem pesado na contratação de profissionais e apresentam projetos já prontos. Com isso, desprezam o conhecimento prático que as ONGs estão acumulando há muitos anos. Muitas chegam aqui sem a menor noção da realidade da comunidade com a qual pretendem trabalhar e o trabalho fica desfocado ", lamenta Dagmar Garroux, presidente da Casa do Zezinho, entidade que há 12 anos atende mil crianças e jovens na zona sul da capital paulista.
Uma das mais tradicionais entidades do terceiro setor, o projeto Axé acaba de completar 15 anos de atividades. O presidente da ONG, Césare La Rocca, defende um modelo misto de atuação. "Já aconteceu de cancelarmos a parceria com uma empresa justamente por não termos concordado com o autoritarismo vindo do instituto que ela mantinha. Acredito em institutos empresariais que trabalham em conjunto com entidades independentes", diz ele.
Vera Masagão Ribeiro, coordenadora de programas da Ação Educativa, alerta para o perigo de as ONGs se tornarem "prestadoras de serviços das empresas". Segundo ela, a institucionalização da responsabilidade social corporativa é inevitável e pode ser bem-sucedida, desde que respeitadas as competências de cada um.
A criação de institutos, no entanto, não é a única forma de as empresas se consolidarem no campo social. A fabricante de cosméticos Natura é um ótimo exemplo disso. Apontada como modelo de empresa socialmente responsável, optou por manter o gerenciamento de suas ações atrelado diretamente à companhia. O argumento é que a atuação social deve fazer parte das várias etapas do processo produtivo e comercial. A Natura costuma aproveitar o conhecimento das ONGs no cotidiano da empresa, na relação com os consumidores e no teste de novos produtos. "Quando se cria uma outra organização, corre-se o risco de se desconectar da empresa, de pôr fim ao envolvimento dos funcionários e fornecedores, algo que é fundamental", defende Neumara Arbex, gerente de responsabilidade corporativa da empresa.


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