São Paulo, terça-feira, 31 de maio de 2005

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entrevista

Único astronauta brasileiro na Nasa, Marcos Pontes fala sobre a importância do investimento em educação e os preparativos para ser o primeiro a representar o Brasil no espaço

Para o alto e avante

Carolina Costa
editora do Sinapse

Ele poderá chegar aonde nenhum brasileiro esteve. Marcos Pontes, 42, estudou em escolas públicas, fez o ensino médio no Sesi (Serviço Social da Indústria) de Bauru (SP) e, aos 14 anos, depois de um curso técnico no Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), arranjou um emprego de eletricista na Rede Ferroviária Federal. "Queria aprender, mas aprender custa dinheiro que eu, como muitos jovens, não tinha", recorda. O jeito foi fazer um curso técnico de eletrônica. Em 1981, entrou na Academia da Força Aérea.


"[A sensação de ser o primeiro astronauta brasileiro na Nasa] pode ser exemplificada pela satisfação que teria um sobrevivente sedento ao abrir um caminho em uma mata fechada e conseguir chegar a uma clareira com uma fonte de água límpida. Cansado, ele olha para trás e vê que outros sobreviventes o seguiram e já estão cruzando o caminho aberto por ele. Sou o primeiro, mas não quero ser o único ou o último."


Foi essa a rampa de lançamento que levou Pontes para o Instituto de Aeronáutica e Espaço, em 1994, de onde, 1.900 horas de vôo depois, saiu engenheiro aeronáutico. Dois anos depois, foi indicado pelo Estado Maior da Aeronáutica para fazer um mestrado na Escola Naval de Pós-Graduação, na Califórnia. Seu maior reconhecimento chegou em 1998, quando a Agência Espacial Brasileira o convidou para representar o Brasil, junto a 15 outros países, no projeto da Estação Espacial Internacional. Como o treinamento para astronautas é realizado pela Nasa (Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço dos EUA), em Houston (EUA), Pontes teve de se mudar para lá com a mulher e os dois filhos. "Sou o primeiro brasileiro a ingressar em uma equipe de treinamento para astronautas da Nasa", destaca ele em entrevista à Folha por e-mail. A participação de Pontes no vôo que deve acontecer em 2006 ainda depende de um acordo que será firmado, nos próximos meses, entre Brasil e Rússia. Mas, para o astronauta, a contagem regressiva já começou.

 

Folha - Como é ser o primeiro astronauta brasileiro na Nasa?
Marcos Pontes -
Estou lá há sete anos. Não é fácil descrever esse sentimento com palavras. Isso pode ser exemplificado pela satisfação que teria um sobrevivente sedento ao abrir um caminho em uma mata fechada e conseguir chegar, finalmente, a uma clareira com uma fonte de água límpida. Cansado, suado, com as roupas rasgadas e o rosto sangrando das lambadas e espinhos do caminho que abriu, ele olha para trás e vê, com um sorriso de vitória, que os outros sobreviventes o seguiram e já estão cruzando o caminho aberto por ele. Sou o primeiro, mas não quero ser o único ou o último.
Folha - Como você conseguiu chegar lá?
Pontes -
Iniciei a minha carreira profissional como eletricista da Rede Ferroviária Federal, como aluno do Sesi e do Senai. Diga-se de passagem, são instituições pelas quais tenho muito carinho e respeito, vide o número de jovens que, como eu, devem sua carreira profissional a essas escolas. Em 1998, enquanto eu iniciava meu doutorado, houve a divulgação da seleção de astronautas pela Agência Espacial Brasileira. Soube da notícia por um e-mail enviado pelo meu irmão Luiz Carlos. A princípio, achei um tanto difícil que eu pudesse ser selecionado entre tantos excelentes candidatos disponíveis, porém estava ali um caminho para tornar realidade algo que até então era apenas um sonho distante. No final da entrevista de seleção, disse [ao examinador]: "Imagine como está se sentindo aquele garoto aprendiz de eletricista só pelo fato de estar participando dessa seleção!". O anúncio de minha escolha está entre os momentos de minha vida de que sou capaz de descrever em todos os detalhes.
Folha - Quais são os pré-requisitos para ser astronauta?
Pontes -
Astronautas em geral possuem uma formação bastante diversificada: engenharia, física, medicina e química são algumas das possibilidades de área de formação. Áreas como letras, direito e administração estão fora da lista das possíveis opções para a carreira de astronauta. Cursos de pós-graduação, pilotagem, pára-quedismo, mergulho e outras atividades ligadas à profissão contam pontos para a seleção. Além disso, é necessário ser aprovado nos exames médico, físico e psicológico, ter senso de relacionamento e de trabalho em equipe.
Folha - Seu vôo já foi autorizado?
Pontes -
A Agência Espacial Brasileira está trabalhando intensamente junto à comunidade política de modo a viabilizar a execução do meu vôo, seja com o ônibus espacial americano, seja o Soyuz Russo. Isso deve acontecer em meados de 2006, ano do centenário do primeiro vôo de Santos Dumont. Por isso, o vôo deverá ser um fato histórico que ficará para sempre na memória dos brasileiros. Temos um grande apoio popular que é demonstrado com a criação de associações e comitês que arrecadam assinaturas de apoio à continuidade do Brasil no projeto da Estação Espacial Internacional.
Folha - Como será sua missão?
Pontes -
Minha missão deverá ser um vôo de montagem e manutenção da Estação Espacial Internacional com a execução de experimentos científicos brasileiros. Sou um astronauta do tipo "especialista de missão". Minha função no espaço envolve todas as atividades, excluindo a pilotagem do veículo. No caso de ônibus espacial, a pilotagem é feita por norte-americanos, no caso do Soyuz, ela é feita por russos.
Folha - O Brasil tem chances de desenvolver turismo espacial?
Pontes -
O turismo espacial é uma realidade. Só resta saber onde e quem irá desenvolver as melhores oportunidades. O Brasil tem cientistas e profissionais de tecnologia extremamente capazes e criativos. Tem um território que, além de ótimo posicionamento geográfico, permite desenvolver combinações turísticas bastante interessantes para esse mercado. Ou seja, o Brasil tem tudo para ser forte concorrente nessa área. Falta decisão empresarial e investimento.
Folha - Você acredita que há vida em outros planetas?
Pontes -
Sim, acredito na hipótese científica básica da existência de alguma forma de vida em outros planetas. Veja em termos de probabilidade: compare o que conhecemos do universo com o que ainda não conhecemos. A procura de vida em outros planetas é um dos pilares de planejamento da Nasa. Mas a questão do contato exige "chegarmos lá" de algum modo, com equipamentos capazes de detectar esse tipo de vida (pode até ser uma bactéria), e de termos como analisar esses dados.
Folha - Quais são os pontos que mais o fascinam e os que mais o preocupam nos recursos de tecnologia da Nasa?
Pontes -
Muita coisa aqui é realmente impressionante quando vista apenas do ponto de vista da tecnologia. O que mais me fascina não está na tecnologia construída e sim na vontade e determinação daqueles que fazem essa tecnologia. Da pessoa que varre o chão até o diretor do centro, todos têm muito orgulho de "participar do grupo" e dar sua contribuição. O que mais me preocupa é, a exemplo de qualquer país que lida com ciência e tecnologia, a necessidade constante de demonstrar aos responsáveis por recursos financeiros a importância a longo prazo e a prioridade urgente que ciência, tecnologia e, principalmente, educação têm na determinação do destino de um país.
Folha - O que você levará em seu vôo inaugural?
Pontes -
Pretendo levar um relógio de pulso e um chapéu semelhante ao de Santos Dumont, prestando uma homenagem aos cem anos do seu primeiro vôo e demonstrando, perante o mundo todo, a capacidade técnica do profissional brasileiro.
Folha - Com tantas horas de dedicação diária ao treinamento, como fica sua relação com a família?
Pontes -
Vivo com minha esposa e meus dois filhos em Houston, no Texas. Realmente, o treinamento exige muito do meu tempo. A maior dificuldade, tanto na Terra quanto no espaço, é a organização do tempo para tantas atividades, o que significa tempo distante da família, dos amigos e dos lugares a que estou acostumado. Tenho de gerenciar a situação e aproveitar ao máximo as oportunidades de ficar perto das pessoas que amo. Isso é essencial.
Folha - Qual foi o momento mais difícil em sua carreira?
Pontes -
Inúmeros. Dependendo da fase, um problema pode parecer intransponível. Contudo, é exatamente isso que acho maravilhoso nessa nossa jornada por essa vida: aprendemos com os problemas e podemos usá-los como degraus para vermos mais além. Quando olhamos para trás, os problemas do passado deixam de existir.
Folha - Como é a rotina de um astronauta no chão?
Pontes -
Um astronauta lida com a operação de equipamentos e de veículos espaciais. No dia-a-dia, passamos parte do tempo fazendo trabalhos técnicos e administrativos dos programas e projetos espaciais. Em uma outra parcela variável do tempo (depende da proximidade do vôo), ficamos em treinamento específico operacional para atividades espaciais. Durante a missão, nós cuidamos de experimentos e operamos todos os sistemas para atender a uma extensa lista de tarefas diárias no espaço.
Folha - Como os astronautas controlam o tempo no espaço?
Pontes -
Usualmente, o tempo de missão é otimizado. Ele começa no momento da decolagem e pára no momento do pouso. Usamos relógios normais sincronizados com os centros de controle de missão em Houston e em Moscou.
Folha - Quais são seus planos profissionais para depois do vôo?
Pontes -
Continuar a disposição operacional para as missões tripuladas, seja no exterior, seja no Brasil. Após ser liberado dessas missões, voltar ao Brasil e trabalhar de corpo e alma para que cada jovem brasileiro tenha acesso à educação em todos os cantos do país. Esse é o meu verdadeiro sonho de vida.
Folha - Qual é a importância da educação na sua vida?
Pontes -
Educação é essencial. Durante todos esses anos, tenho dado palestras, treinamentos e cursos para pessoas e empresas. Falo sobre diversos assuntos, desde a importância do trabalho em equipe, para profissionais e empresários, até motivação, para jovens. Vejo isso como um tipo de necessidade, uma tarefa que tenho na vida de passar adiante os conhecimentos e estratégias de preparação profissional que tenho aprendido ao longo de minha carreira. Tenho até um colégio [Espaço Educação Integrada], em Bauru, justamente por causa dessa preocupação. Compartilhar [meus conhecimentos] com as futuras gerações é parte significativa da minha motivação para vencer desafios no dia-a-dia. Afinal, que graça teria passar por uma porta, depois trancar e jogar a chave fora? Sinto que estou fazendo a coisa certa: mostrando a cada jovem que ele também é capaz. É para esses jovens que eu gostaria de deixar uma mensagem: "Tenham coragem para sonhar e persistência para realizar seus ideais. Cada um de vocês é um vencedor. E, de onde eu estiver, estarei aplaudindo, em pé e orgulhoso, as suas conquistas".


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