São Paulo, quarta-feira, 14 de setembro de 2011

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ANDRÉ CONTI

Colecionar é...


Zelar por jogos e consoles é ter a tênue impressão de que isso é mais divertido do que guardar latas de cerveja

COLECIONAR JOGOS eletrônicos no Brasil é participar ativamente da economia do país. Acompanhar seus altos e baixos com preocupação e sentir seus reflexos quase que dia a dia, tanto no preço quanto no próprio acesso aos jogos que são lançados lá fora. A cada anúncio do Banco Central, a cada mudança na taxa de IOF, novo pânico.
Mas é também adaptar-se aos caprichos da alfândega e dos Correios e torcer para que aquele primo boa gente resolva passar as férias no exterior. É pagar uma fábula por um lançamento e ver seu preço cair vertiginosamente meses depois. É ficar esperando um jogo baratear e vê-lo desaparecer por completo das lojas. E nunca mais voltar.
É ficar horas enfurnado na internet, procurando por jogos ou séries que você tenha deixado passar nos últimos 20 anos. É baixar literalmente milhares de jogos antigos, catalogá-los, encontrar reproduções dos manuais e das caixas, mas jamais jogá-los. Quem tem tempo?
É descobrir uma joia perdida de DOS e passar uma semana fazendo com que seu computador de 2011 entenda como funcionava um jogo em 1993. É pedir ajuda em fóruns especializados, realizar dezenas de testes, frustrar-se infinitamente e depois viver a enorme alegria de, enfim, fazer o troço funcionar. É jogá-lo por 15 minutos e ficar satisfeito.
É enfrentar, numa frequência mais do que desejável, o Amigo da Sta. Ifigênia. Todo colecionador sério conhece o Amigo. Você está no balcão da loja, torcendo para que, por um milagre, tenham trazido a décima versão daquele RPG de que ninguém mais gosta. O Amigo chega com olhar de censura e ares de especialista. E lhe apresenta o jogo que você sabe que não vai comprar.
É, eventualmente, encontrar o jogo japonês sobre o qual você leu anos atrás numa revista e de que havia esquecido. É dirigir-se feliz ao caixa e dar de cara com o Amigo, que o repreende dizendo que aquilo é um jogo de criança. E tentar convencê-lo, sem sucesso, de que aquilo não é um jogo de criança.
É descobrir os mecanismos internos dos leilões on-line, trocar figurinhas com outros neuróticos e saber farejar à distância um bom vendedor do Mercado Livre, além de manter a ficha no eBay imaculada.
É não ter um colapso de ansiedade nos momentos finais do leilão e, em caso de vitória, achar que fez um mau negócio minutos depois.
É ter perdido boa parte dos consoles e jogos em trocas ingênuas e desfavoráveis.
É lamentar isso todos os dias e saber de cor cada jogo que se foi nessas trocas, quem passou a perna na gente e quem foi honesto.
É nunca perdoar o amigo do seu irmão que roubou seu Mario 3. É ter roubado "sem querer" o Star Fox 64 de um sujeito no segundo colegial.
É recomprar esses jogos e consoles ao longo dos anos, e mantê-los em ordem alfabética, divididos por gênero e sistema. É zelar pelos componentes e peças mais velhos (o álcool isopropílico é seu melhor amigo) e cuidar para que os mais novos envelheçam bem.
É acabar jogando tudo, madrugadas e madrugadas que dão a impressão, ainda que tênue, de que colecionar jogos é mais divertido do que colecionar latas de cerveja.

chorume.org

@andre_conti


LULI RADFAHRER
Leia a coluna desta semana em
www.folha.com/luliradfahrer


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