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Entrevista - Elif Shafak

Assim como uma mulher, Istambul é complicada

AUTORA, QUE TEM PARTE DE SUA VIDA BASEADA NA TURQUIA, FALA DE SUA RELAÇÃO COM A CIDADE

DA ENVIADA A ISTAMBUL

A autora Elif Shafak -ou?afak, na grafia turca- é menos conhecida no mundo que seu colega Orhan Pamuk, mas divide com ele o fato de ter passado por uma acusação singular: denegrir a imagem turca. Os processos de ambos foram extintos.

A origem da acusação foi seu livro "De Volta a Istambul" (Nova Fronteira, 2007), em que os personagens se referem ao massacre armênio em 1915 falando sobre "os milhares de armênios" massacrados por "carniceiros" turcos. O assunto é delicado na Turquia, que repele o uso do termo genocídio para o episódio.

O livro fala de duas famílias, uma turca, vivendo em Istambul, e outra de origem armênia, vivendo dos EUA.

Aos 40 anos, Shafak é a mulher das letras mais lida na Turquia e lançou 11 livros, nove deles romances. Seu próximo livro será lançado em 2012, pela Penguin.

Nascida em Estrasburgo, a autora passou a adolescência em Madri, na Espanha, e em Filadélfia, nos EUA, antes de retornar à Turquia, onde vive em Istambul.

E é essa a cidade transformada em personagem de seus livros, escritos em turco e em inglês, que refletem o apreço da autora por Istambul. Leia a seguir entrevista que ela concedeu, por e-mail, à Folha.

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Folha - Você nasceu na França e viveu em diferentes partes do globo. Ainda assim, a presença de Istambul é notável em seus livros, assim como seu apreço pela cidade. Por que Istambul?

Elif Shafak - Eu gosto de pensar na minha relação com Istambul como um compasso. Uma perna é estática, está enraizada solidamente em um lugar. Enquanto isso, a outra perna desenha um enorme círculo ao redor do primeiro, em constante movimento. Da mesma maneira, uma parte da minha vida e da minha literatura é baseada em Istambul. Escrevo sobre a cidade, seus moradores, sua cultura e seus conflitos.

No entanto, a outra parte da minha vida e da minha literatura está constantemente se movendo ao redor do globo. Istambul é um tesouro para artistas. É cheia de histórias, vistas, cheiros e sons. Uma combinação hipnotizante de Ocidente e Oriente, história e, atualmente, amnésia.

Você disse em uma entrevista que Istambul desafia clichês. Você acha que um visitante estrangeiro, com tempo limitado na cidade, pode ir além dos clichês e dos pontos turísticos?

Acho que ser um estrangeiro em um novo local é uma grande vantagem às vezes. Um estranho pode notar detalhes que os locais já não percebem. Frequentemente, os locais não dão a devida atenção às coisas, enquanto um estrangeiro presta atenção em nuances e é mais curioso.

Então, minha resposta é sim, é possível ser estrangeiro e ir além dos clichês. Depende do visitante e de como ele passa seu tempo. Há pessoas vivendo no país por um longo tempo que não são mais que turistas. Não viram muito além dos locais turísticos. E há muitas pessoas que vão para uma visita curta, mas sentem a alma da cidade mais intensamente do que vários nativos.

Você também disse em entrevista que Ocidente e Oriente são, essencialmente, ideias imaginárias, e que ambos se misturam.

Tendemos a pensar em Ocidente e Oriente como entidades determinadas e imutáveis. Isso é uma ilusão. Onde exatamente termina o Ocidente, onde acaba o Oriente? No mundo de hoje, é impossível desenhar qualquer fronteira impermeável. O importante é que ambos não são categorias mutualmente exclusivas.

E como perceber isso em Istambul?

Em uma cidade como Istambul, eles se misturam constantemente e criam uma nova hibridez, uma nova síntese. Não é uma cidade estéril e ordeira. É mais caótica. Une diferenças surpreendentes e infinitos contrastes. O que parece oriental pode ser uma invenção moderna, o que parece ocidental pode ser a continuação de uma velha prática. Melhor colocar essas categorias de lado um pouco e pensar em novos termos.

Em inglês, você se refere sempre a Istambul como "ela". Por que o pronome feminino?

Para mim, Istambul é uma cidade feminina. Em alma, coração e caráter. Como uma mulher, Istambul é capaz de se renovar radicalmente. Ao longo da história, ela passou por fases de amor, mágoas, nascimento, depressão e mais. De maneira decidida, teve de se transformar em diversas fases de sua longa vida. Ela teve de se reconstruir. E, como uma mulher, Istambul é complicada.

Você pode dar exemplos de bons livros para ler antes de visitar a cidade?

"Strolling Through Istanbul", de John Freely, é um bom guia. Também recomendo o filme de Fatih Akin, "Atravessando a Ponte - O Som de Istambul" (2006).

Quais são suas coisas favoritas em Istambul? O que um visitante não pode perder?

Não há apenas uma Istambul. Há Istambuls. Então, dependendo de sua disposição, você pode se conectar a uma Istambul diferente. Gosto de ir até Bebek e tomar chá na pequena casa de chá na beira do mar. Gosto de andar pelas ruas, observar grafites nas ruas, falar com ciganos. Beber e jantar às margens do Bósforo é sempre um prazer, e há vários restaurantes bons. Também gosto do Grande Bazar. Não o visito necessariamente para fazer compras; vou para pensar, ver o que remanesce do passado, as lojas, ouvir os sons... É o espírito e o caos ordeiro do bazar que me atraem.

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