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Suvenir cult ou kitsch?

Viagens reservam surpresas, o inesperado nas ruas, o quadro no museu; já os enfeites, que aludem a elas, nos trazem o conforto da lembrança de já ter viajado

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Enfeitinhos, badulaques, quinquilharias, bonecas típicas, ímãs de geladeira. Em qualquer ponto turístico, a presença das lojinhas de suvenires é ao mesmo tempo um fator de enfeiamento e uma atração irresistível.

Não é só a necessidade que o viajante tem de levar alguma lembrança -de fácil transporte e baixo preço- para os parentes, amigos e funcionários que permaneceram em seu país.

A meu ver, os suvenires servem para satisfazer outra necessidade nossa. O lugar é bonito: não basta ficar vendo; não basta fotografá-lo. Queremos "possuir" Veneza, Paris ou San Francisco.

Já senti o mesmo viajando para o litoral norte de São Paulo, ou para alguns lindos cenários de montanha, como Visconde de Mauá (RJ) ou São Bento do Sapucaí (SP). A fantasia de ter uma casa de campo ou de praia vai crescendo. Sei do trabalho que daria e sei que é muito mais vantagem para mim variar os lugares das férias, pagando o que for pelo pacote num hotel.

Mesmo assim, vem a vontade de procurar algum terreno, de inquirir sobre os preços na região. É que gostar de alguma coisa se traduz, na minha cabeça, em comprar aquela coisa.

O que não pode ser levado na mala -a beleza do lugar- será objeto de transação imobiliária. O que pode ser levado na mala é o suvenir, o lugar em miniatura, a torre Eiffel de bolso, o Coliseu no apontador.

"Não basta ver a Itália", disse o filósofo Theodor Adorno (1903-1969), a respeito dos pacotes de viagem turística. "É preciso ter a prova de que a Itália existe."

Por isso mesmo, os suvenires não são simplesmente uma coisa de "mau gosto". Na maior parte das vezes, são bonitinhos.

O que faz cada suvenir ser um exemplo do kitsch não é sua ausência de "qualidade artística". É a presença de um excesso de significação. Não vale que uma coisa seja apenas italiana, ou francesa, ou russa. Tem de ser típica.

Tem de corresponder à ideia preconcebida que temos de Roma -suas ruínas, seus macarrões-, de Paris -boinas, baguetes, música de acordeão-, ou de Moscou -bonecas, Lênin, catedrais, cossacos.

Um dos males do turismo -da ideia de turismo- é que procuramos numa cidade apenas aquilo que já sabemos existir ali. Vá ao Louvre, veja a Mona Lisa e volte para casa. Felizmente, nenhum turista fica preso ao que há de turístico no turismo.

Cada cidade tem surpresas a oferecer; o inesperado em cada rua, o quadro que não conhecíamos em cada museu. É esse o maior prazer de uma viagem. No ímã de geladeira que levamos para casa, a Mona Lisa sorri: parece concordar com isso.

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