São Paulo, segunda, 2 de fevereiro de 1998

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OLHA O TREM
Ausência de chuveiro e calefação irregular não combinam com os trajes de gala exibidos pelos passageiros
Orient Express é um luxo desconfortável

SILVIO CIOFFI
Editor de Turismo

O espectro do Orient Express, o trem de luxo que fez sua primeira viagem em 1883, levando cerca de 40 passageiros de Paris até a Romênia, ronda a Europa novamente desde 1982.
Com 19 de seus luxuosos vagões cuidadosamente restaurados pelo magnata da hotelaria e dos transportes marítimos James Sherwood, "o trem dos reis e rei dos trens", cujo nome completo é Venice Simplon Orient Express, faz semanalmente apenas o trajeto entre Veneza, Paris e Londres, passando por Innsbruck, na Áustria, e por Zurique, na Suíça.
Mas, se o velho trem, por um lado, conserva a magia, por outro, a volta ao passado que a viagem propicia causa um certo desconforto.
Ao contrário dos trens rápidos e silenciosos que, em nossos dias, cruzam a Europa, a América do Norte e o Japão, o Orient Express -que faz a viagem entre Veneza e Paris em 24 horas ou o trecho completo, até Londres, de 1.490 km, em 32 horas- não tem banheiro nas cabines e sua calefação é irregular, com temperatura que sobe muito assim que o camareiro abastece a fornalha e esfria quando o passageiro está metido sob os cobertores.
A decoração, de lambris marchetados, cristais de Lalique e com os vagões de restaurante e bar em estilo art déco, é impecável. Os vinhos e a comida, feita por chefs franceses, também.
Mas a falta de chuveiro incomoda, já que o esporte durante a viagem é trocar de roupa para as diversas atividades, como tomar drinques ao som do piano no bar, ou jantar metido num smoking reluzente, porque a bordo toda a elegância é permitida.

História sobre trilhos
Originalmente o Orient Express ia até Constantinopla, atual Istambul, e suas viagens eram realizadas por nobres, escritores e aventureiros ilustres.
Cosima, mulher do compositor Richard Wagner e filha de Franz Liszt, organizou festas a bordo, que, se não descarrilharam o trem, fizeram tremer a Belle Époque.
O milionário de origem armênia Calouste Gulbenkian, chamado de "Senhor 5%" porque fez fortuna em Portugal e se tornou um dos homens mais ricos do século 20 comerciando petróleo, também tem sua biografia ligada ao trem, pois veio ainda bebê de Istambul em 1896, enrolado num tapete da bagagem do pai.
Entre os escritores que viajaram no Orient Express estão Graham Greene e Agatha Christie, esta talvez a única personalidade tão importante para o velho trem quanto James Sherwood, o empresário que o recolocou nos trilhos.
Recém-separada de seu primeiro marido, o militar belga Archibald Christie, a "rainha do crime", que morreu em 1976, aos 85 anos, imaginava viajar até a Jamaica e às Índias Ocidentais, mas foi convencida por um grupo de amigos a embarcar no Orient Express até Istambul, cruzando depois o deserto até Damasco e Bagdá.
A viagem inspirou o livro de maior sucesso da longa carreira literária de Agatha Christie, "Assassinato no Expresso Oriente" (1934), romance que conta mais uma história de assassinato desvendada pelo seu personagem mais conhecido, o detetive belga Hercule Poirot, possivelmente inspirado no ex-marido.
As telas de cinema demoraram quatro décadas para contar, em 1974, a história do empresário americano que é assassinado no trem, detido durante uma nevasca.
Mas o filme de Sidney Lumet, rodado na Inglaterra e na França, com Albert Finney no papel de Poirot e um elenco de estrelas que inclui Lauren Bacall, Sean Connery e Ingrid Bergman, não agradou a escritora.
O filme não evitou a paralisação do trem, em maio de 1977. O Orient Express só voltou à cena porque, ainda em 77, Sherwood foi a um leilão da Sotheby's, em Monte Carlo, e adquiriu peças importantes de seu interior. Depois, o magnata anglo-americano gastou US$ 16 milhões na reconstituição minuciosa de 35 de seus vagões.



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