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OLHA O TREM
Ausência de chuveiro e calefação irregular não combinam com os trajes de gala exibidos pelos passageiros
Orient Express é um luxo desconfortável
SILVIO CIOFFI
Editor de Turismo
O espectro do Orient Express, o
trem de luxo que fez sua primeira
viagem em 1883, levando cerca de
40 passageiros de Paris até a Romênia, ronda a Europa novamente
desde 1982.
Com 19 de seus luxuosos vagões
cuidadosamente restaurados pelo
magnata da hotelaria e dos transportes marítimos James Sherwood, "o trem dos reis e rei dos
trens", cujo nome completo é Venice Simplon Orient Express, faz
semanalmente apenas o trajeto entre Veneza, Paris e Londres, passando por Innsbruck, na Áustria, e
por Zurique, na Suíça.
Mas, se o velho trem, por um lado, conserva a magia, por outro, a
volta ao passado que a viagem propicia causa um certo desconforto.
Ao contrário dos trens rápidos e
silenciosos que, em nossos dias,
cruzam a Europa, a América do
Norte e o Japão, o Orient Express
-que faz a viagem entre Veneza e
Paris em 24 horas ou o trecho completo, até Londres, de 1.490 km,
em 32 horas- não tem banheiro
nas cabines e sua calefação é irregular, com temperatura que sobe
muito assim que o camareiro abastece a fornalha e esfria quando o
passageiro está metido sob os cobertores.
A decoração, de lambris marchetados, cristais de Lalique e com os
vagões de restaurante e bar em estilo art déco, é impecável. Os vinhos e a comida, feita por chefs
franceses, também.
Mas a falta de chuveiro incomoda, já que o esporte durante a viagem é trocar de roupa para as diversas atividades, como tomar
drinques ao som do piano no bar,
ou jantar metido num smoking reluzente, porque a bordo toda a elegância é permitida.
História sobre trilhos
Originalmente o Orient Express
ia até Constantinopla, atual Istambul, e suas viagens eram realizadas
por nobres, escritores e aventureiros ilustres.
Cosima, mulher do compositor
Richard Wagner e filha de Franz
Liszt, organizou festas a bordo,
que, se não descarrilharam o trem,
fizeram tremer a Belle Époque.
O milionário de origem armênia
Calouste Gulbenkian, chamado de
"Senhor 5%" porque fez fortuna
em Portugal e se tornou um dos
homens mais ricos do século 20
comerciando petróleo, também
tem sua biografia ligada ao trem,
pois veio ainda bebê de Istambul
em 1896, enrolado num tapete da
bagagem do pai.
Entre os escritores que viajaram
no Orient Express estão Graham
Greene e Agatha Christie, esta talvez a única personalidade tão importante para o velho trem quanto
James Sherwood, o empresário
que o recolocou nos trilhos.
Recém-separada de seu primeiro
marido, o militar belga Archibald
Christie, a "rainha do crime", que
morreu em 1976, aos 85 anos, imaginava viajar até a Jamaica e às Índias Ocidentais, mas foi convencida por um grupo de amigos a embarcar no Orient Express até Istambul, cruzando depois o deserto
até Damasco e Bagdá.
A viagem inspirou o livro de
maior sucesso da longa carreira literária de Agatha Christie, "Assassinato no Expresso Oriente"
(1934), romance que conta mais
uma história de assassinato desvendada pelo seu personagem
mais conhecido, o detetive belga
Hercule Poirot, possivelmente inspirado no ex-marido.
As telas de cinema demoraram
quatro décadas para contar, em
1974, a história do empresário
americano que é assassinado no
trem, detido durante uma nevasca.
Mas o filme de Sidney Lumet, rodado na Inglaterra e na França,
com Albert Finney no papel de
Poirot e um elenco de estrelas que
inclui Lauren Bacall, Sean Connery e Ingrid Bergman, não agradou a escritora.
O filme não evitou a paralisação
do trem, em maio de 1977. O
Orient Express só voltou à cena
porque, ainda em 77, Sherwood foi
a um leilão da Sotheby's, em Monte Carlo, e adquiriu peças importantes de seu interior. Depois, o
magnata anglo-americano gastou
US$ 16 milhões na reconstituição
minuciosa de 35 de seus vagões.
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