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OLHA O TREM
Apesar de retratado em telas de Portinari, Tarsila, Monet e Manet, tema foi pouco "viajado" pelos pintores
Comboios precisam de uma pintura nova
FEDERICO MENGOZZI
especial para a Folha
Meios de locomoção? Para desgosto daquele ex-presidente "exilado" em Miami, os artistas não
costumam ir além da carroça.
Ou recuam mais ainda e chegam
ao cavalo, um dos principais temas
da história da arte, a ponto de gerar uma categoria própria, o retrato equestre. Muitas vezes, observa-se, quem está em cima da montaria também pertence ao gênero
Equus.
Automóveis e aviões, apesar da
participação crescente na vida
contemporânea, são veículos que
os artistas retratam com parcimônia. Com o trem, meio de transporte revolucionário que reduziu
as distâncias e integrou pessoas e
regiões, acontece o mesmo.
E pode-se perguntar: que artista,
desde sua invenção no século passado, nunca andou de trem?
Na arte brasileira, os trens surgem aqui e ali. Quase sempre ajudam a compor o horizonte - é a
maria-fumaça que arremata, lá no
fundo, a paisagem. Como em "O
Lavrador de Café" (1939, Museu de
Arte de São Paulo), de Cândido
Portinari, no qual um trem se funde, diagonalmente, à plantação. É
um elemento que dá movimento à
cena, protagonizada por um vigoroso trabalhador rural.
Como Portinari, nascido numa
região cafeeira, a filha de fazendeiros de café Tarsila do Amaral viveu
na esfera das ferrovias.
Em telas como "E.F.C.B." (1924,
Museu de Arte Contemporânea da
Universidade de São Paulo) e "A
Gare" (1925, coleção de Rubens
Schahin, SP), ela eleva o trem e seu
universo a tema principal. São
composições com as cores caipiras
de que tanto gostava.
Diferenças
Mas Tarsila não ficou em composições meramente estetizantes.
Em "2ª Classe" (1933, coleção de
Fanny Feffer, SP), de sua fase mais
social, quando regressou de uma
visita à União Soviética, ela retrata
os passageiros desesperançados
dos vagões populares - o título
do quadro se refere tanto ao vagão
quanto às pessoas, ambos de segunda classe.
Coincidência ou não, a artista fazia uma leitura brasileira de "Interior de Vagão de Terceira Classe"
(1864, National Gallery of Canada,
Ottawa), de Honoré Daumier.
Pouco antes de "2ª Classe", Tarsila pintara "Operários", considerada a primeira tela de teor social
do Brasil. Em sua tela, como na de
Daumier, o trem era um veículo
que acentuava as diferenças.
Na obra de Glauco Pinto de Moraes, o trem não foi um elemento
circunstancial, mas sua razão de
ser. Em cores quentes, com precisão fotográfica, esse gaúcho de
Passo Fundo resgatou os trens de
sua infância, como as locomotivas
Mallet, fabricadas na França. Moraes começou pintando o trem inteiro e foi descendo a particulares
que mais pareciam abstrações.
No exterior
A primeira ferrovia pública foi
inaugurada em 1825, ligando as cidades de Stockton e Darlington, na
Inglaterra.
Talvez pelo espírito romântico
dos artistas, avessos -futuristas à
parte- à tecnologia, o tema não
entusiasmou.
Houve exceções. William Turner, em "Chuva, Vapor, Velocidade" (1844, National Gallery, Londres), foi um dos primeiros artistas a pintar um trem.
Em 1877, quando Claude Monet
expôs os quadros da série "Gare
Saint-Lazare" (Musée d'Orsay, Paris), sobre a estação parisiense, toda enfumaçada, o tema ainda era
considerado indigno de um pintor. Pouco antes, Édouard Manet
exibira "A Estrada de Ferro" (1873,
National Gallery, Washington),
mas não mostrava o trem, somente a fumaça que gerava.
Sonho e dinâmica
Por motivos diversos, futuristas,
metafísicos e surrealistas "tomaram" o trem. Os futuristas, como
Umberto Boccioni em "Estados de
Espírito, 1º, Os Adeuses" (1911,
Museum of Modern Art, Nova
York), procuravam a dinâmica do
veículo.
Mas os metafísicos e surrealistas
queriam o oposto, uma abertura
para o sonho por meio da atmosfera das estações centrais e dos trens
em trânsito.
Nas telas metafísicas de Giorgio
De Chirico, como "O Enigma de
um Dia" (1914, Museu de Arte
Contemporânea da Universidade
de São Paulo), trens fumegantes
cruzam paisagens desertas.
E nas telas surrealistas de Paul
Delvaux, como "O Cortejo" (1963,
localização desconhecida), trens
soturnos contribuem para criar
um clima irreal.
Se Monet nascesse hoje, constataria que o trem, apesar de sua inegável importância, continua a ser
um tema pouco "viajado". Por
quê? Quem é que sabe...
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